Jessé Souza

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Tentativa de retratação alimenta preconceito a imigrantes e revela opção a garimpeiros

Jessé Souza*

A entrevista concedida pelo governador Antonio Denarium à revista Veja, publicada na quarta-feira, 15, não só corrobora a desinformação (o que leva ao preconceito) a respeito da realidade dos povos indígenas, como também revela a opção preferencial do governo pelos garimpeiros ilegais e, de quebra, suas palavras alimentam a xenofobia contra os venezuelanos.

Se referindo aos venezuelanos especificamente, o governador afirmou textualmente: “Eles entram no Brasil como refugiados e acabam tendo mais direito que os brasileiros”. Tal argumento é usado amplamente, na sociedade local, como forma de tentar deslegitimar os direitos garantidos a qualquer migrante, especialmente os refugiados. E jamais poderia ser dita por um governador onde a maior parte da população é formada por migrantes e imigrantes.

Tal posicionamento do governador acaba mascarando uma grande questão, a qual revela exatamente as gritantes falhas no atendimento e nas políticas públicas por parte das autoridades brasileiras em relação aos mais pobres e necessitados do país, em qualquer Estado. Os venezuelanos, ao chegarem ao Brasil, recebem todo o acompanhamento e informações necessários por meios das Organizações Não Governamentais (ONGs), as quais ainda proporcionam atendimento jurídico para garantir os direitos deles.

Enquanto o pobre brasileiro não consegue informações, ajudas e assessorias necessárias para acessar seus direitos (documentos, benefícios sociais, auxílios previdenciários e penitenciários), o imigrante que busca refúgio consegue todo esse apoio por meio das ONGs. Enquanto isso, o governo em todas suas esferas dificulta a vida dos brasileiros com burocracias, desleixo, mau atendimento ou pura desassistência, falta de vontade política e incompetência.

No caso específico de benefícios sociais, muitos brasileiros pobres não conseguem acesso por falta de informações e de ajuda por parte dos órgãos públicos para conseguir os documentos exigidos. No caso dos venezuelanos, os que vivem em abrigos conseguem o apoio das ONGs. Até na hora da prisão, um advogado vai lá auxiliá-los em seus direitos. O mesmo em internações hospitalares. Essa é a grande diferença. E os venezuelanos não têm culpa pelo fato de os brasileiros não conseguirem acesso aos órgãos pelos vários motivos logo citados acima.

Não fossem essas ONGs de apoio e acolhimento aos imigrantes, estaríamos vivendo um caos sem precedentes, muito além dos problemas atuais enfrentados pelo setor público na saúde e educação, especialmente, inclusive com favelas montadas por todos os locais, uma vez que a Operação Acolhida não iria conseguir enfrentar a realidade sem o trabalho de excelência dessas entidades e organismos internacionais.

A propósito da fala do governador na Veja, desde quando foi candidato pela primeira vez, ao estrear na política partidária, nunca ele colocou em suas propostas ou prioridades a questão da imigração. Ao contrário, suas prioridades anunciadas abertamente sempre foi o agronegócio, que não gera os empregos necessários. Atualmente, suas falas têm sido em favor dos garimpeiros, citados por ele como “seres humanos” e “nossos amigos”, enquanto aos povos indígenas resta a comparação com “bichos”.

Mas a entrevista também foi bem reveladora neste sentido. O governador separou muito bem os indígenas que ele aceita, aqueles que ele “visita, dança e abraça” (ou seja, os que são cooptados pelo governo e durante as campanhas eleitorais com fartas festas de forró, cachaça e “presentes”); e os que ele não aceita porque “são muito radicais” (ou seja, os que não concordam com a sua política de governo – ou a falta dela – e com a forma com que os políticos os tratam, sempre como incapazes e submissos).

Vale a pena ler a entrevista que ajuda a entender a visão que o atual governo tem sobre indígenas, garimpo e venezuelanos. Inclusive repete aquele argumento enganoso de que os Yanomami vivem esta realidade há 30 anos, tema tratado no artigo de ontem. Ou seja, zero de novidade, mas bem esclarecedora!

 *Colunista