Caso das sementes transgênicas, só mais uma prioridade de quem abraçou o agronegócio
Jessé Souza*
Não foi exatamente uma surpresa a zero repercussão da matéria divulgada pelo site InfoAmazônia, na semana passada, sob o título “Governo de Roraima contratou sócio de Denarium para projeto com uso ilegal de sementes transgênicas e agrotóxicos em terras indígenas”. Afinal (só para enfatizar mais uma vez), estamos em um Estado predominantemente bolsonarista, cujo governo de então atuou fortemente contra os direitos indígenas e liberou o uso indiscriminado de agrotóxicos.
O foco principal da matéria foi denunciar o uso de sementes geneticamente modificadas em terras indígenas, que é proibido pela legislação brasileira, mais precisamente pela Lei 11.460/2007. De cara, já é possível entender o motivo pelo qual o governo estadual tem usado a Secretaria Estadual do Índio (SEI) para implantar esse projeto de grãos, pasta essa comandada por um indicado de grandes produtores.
Mesmo sendo um recém-convertido e autodeclarado “amigo dos povos indígenas”, ao tentar se redimir após fazer uma analogia dos Yanonami com “bichos”, o governador Antonio Denarium resiste até hoje em nomear uma liderança indígena para a Secretaria do Índio. E chegou a deixar a SEI sem titular por um mês, depois de nomear o secretário como presidente do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Iater). Hoje, ele acumula simultaneamente o Iater e a SEI interinamente.
Logo, foi possível entender que deixar a SEI e o Iater nas mãos da mesma pessoa e do mesmo grupo trata-se de uma grande jogada para unir os dois setores com a finalidade de dar prioridade absoluta ao programa de empurrar sementes transgênicas e agrotóxicos para as comunidades indígenas cooptadas pelo governo, tudo adquirido de uma empresa que pertence ao um sócio do governador no agronegócio, conforme destaca a matéria da InfoAmazônia.
Informações divulgadas na matéria, com base nas notas fiscais do contrato 012/2021, constam que a empresa adquiriu sementes modificadas de milho da marca Limagrain, bem como uma série de agrotóxicos e fertilizantes, a exemplo do glifosato, que é um dos venenos mais utilizados nas lavouras do Brasil, o qual é associado a causas de câncer. E, desta forma, foram introduzidas 120 milhões de sementes transgênicas nas comunidades indígenas em nove municípios de Roraima.
O valor pago é outra informação que chama a atenção, pois o contrato foi assinado em 2021 com despesa prevista de R$ 7,2 milhões, mas inflou sob aquela antiga tática de pedir reequilíbrio financeiro, comum quando se trata de governo, alegando que os valores licitados não estariam de acordo com o valor de mercado. Com quatro termos aditivos concedidos, a empresa já embolsou cerca de R$ 34 milhões! E o projeto segue.
O caso já está nas mãos do Ministério Público Federal (MPF), que investiga denúncia de violações no projeto de cultivo de grãos em terras indígenas. E não se trata apenas de uma ilegalidade perante a legislação brasileira, mas também tem a questão do meio ambiente, inclusive já existe, no próprio MPF, denúncia da contaminação do meio ambiente e das próprias comunidades pelo uso de agrotóxico nas lavouras ao redor das terras indígenas.
Essas denúncias somam-se a outras a que o governador pessoalmente deve responder, como é o caso de repercussão nacional, em janeiro deste ano, quando o MPF instaurou uma investigação para apurar a responsabilidade cível dele ao declarar, para a Folha de S. Paulo, que os Yanomami “têm que se aculturar e não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”.
Recentemente, um grupo de pessoas em Roraima encaminhou uma notícia-crime ao procurador-geral da República (PGR) Augusto Aras, contra o governador Denarium, o senador Mecias de Jesus e outros parlamentares, os acusando de terem sido cúmplices do projeto de genocídio do povo Yanomami colocado em prática pelo hoje senador Sérgio Moro, quando era ministro da Justiça, e o próprio Jair Bolsonaro, quando era presidente.
Enquanto tudo isso ocorre, a Secretaria Estadual do Índio (que já deveria ter mudado a nomenclatura para Secretaria dos Povos Indígenas) continua sendo usada como um aparelho do agronegócio, comandada pelo grupo de grandes produtores, cooptando comunidades indígenas com maior contato com a sociedade envolvente, enquanto a maioria dos povos indígenas segue desassistida do básico, como na questão de escolas estaduais caindo aos pedaços por todo o Estado.
Na verdade, o projeto das sementes transgênicas em terras indígenas é só mais uma face de um governo que vem dando prioridade máxima ao agronegócio, desde o primeiro governo, enquanto pequeno produtores rurais sequer conseguem estradas trafegáveis para escoar seus produtos para a cidade.
*Colunista
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente,