Repentino interesse somente após a terceirização da Saúde estar avançada e sob auditoria
Jessé Souza*
Um estranho movimento começou em torno do processo milionário de terceirização dos serviços e mão de obra do Hospital Geral de Roraima (HGR). Fingindo que não era com ela, a Assembleia Legislativa do Estado em nenhum momento havia se pronunciado desde quando começaram os rumores de desconfiança sobre a contratação de uma Organização Social de Saúde (OSS) pelo valor, hoje atualizado, de R$429 milhões.
No entanto, de repente, não mais que de repente, o Legislativo decidiu se pronunciar somente agora, alegando que todos os atos referentes à terceirização pelo Governo do Estado devem ser primeiramente aprovados pela Assembleia Legislativa. E tudo isso em meio a uma intensa movimentação nos bastidores para troca de secretários, cuja pasta da Saúde está com a titular na frigideira.
A atitude dos parlamentares só ocorreu depois que o Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR) abriu auditoria para analisar a terceirização do HGR, com três auditores de controle externo se debruçando sobre o processo de chamamento público para que deem um parecer até o dia 14 de abril. E a auditoria veio somente após as denúncias se ampliarem nos bastidores da política e chegarem à imprensa, inclusive sendo assunto algumas vezes nesta Coluna.
Um fato importante a ser destacado é que tudo o que está ocorrendo é por culpa e graça da própria Assembleia Legislativa que, em 2020, aprovou o projeto de lei de autoria do Executivo, por unanimidade, sem qualquer debate com a sociedade e sem ao menos consultar os órgãos de controle, lavando as mãos para uma questão importante que é a terceirização da saúde pública roraimense.
Vale ainda ressaltar que tal fato provocou críticas do então vice-governador Frutuoso Lins, um profissional médico que atua há quase três década na saúde. Ele chegou a alertar que, da forma como projeto foi aprovado pelos deputados e sancionado pelo governador Antonio Denarium, poderiam ocorrer sérios problemas, inclusive cogitou casos de corrupção a exemplo do que ocorreu em outros estados onde o sistema foi implantado.
O mais estranho ainda é que os deputados apenas se alertaram para a questão depois que o processo de terceirização no governo já está bem avançado, e exatamente quando ocorre uma disputa pela troca de secretários estaduais e, também, para a escolha de um nome para a vaga de conselheiro do TCE, um cargo não só estratégico politicamente como vitalício para quem for agraciado.
A terceirização dos serviços de saúde pública roraimense começou logo após a lei ser sancionada. Em dezembro de 2021, o serviço prestado por recepcionistas foi entregue para a terceirização por R$ 16 milhões, sem que ninguém falasse nada. Em 2022, foi a vez do serviço de Ortopedia e Traumatologia do HGR, entregue para uma empresa por cerca de R$ 30 milhões mediante o silêncio de todos.
O gerenciamento e execução de todos os serviços de saúde do HGR, pelo valor de R$429 milhões, só não foram entregues a uma OSS porque houve denúncias que pipocaram nas redes sociais e chegaram à imprensa, ainda que de forma tímida, em dezembro do ano passado. A contratação será por cinco anos, ou seja, pagamento de 60 mensalidades de R$ 35 milhões para executar diversos serviços, como pessoal, insumos, serviços terceirizados e manutenção.
Tudo estava sendo feito de forma célere e silenciosa, com a abertura da proposta prevista para 30 de dezembro de 2022, uma sexta-feira, véspera de fim de ano, quando os políticos já estavam de recesso e a população com todas as suas atenções voltadas para suas confraternizações com familiares e amigos. Não havia qualquer motivo para tudo ser feito naquelas condições, a ponto de o processo ter sido suspenso após as denúncias.
Então, é preciso que todos estejam de olho na movimentação em curso, pois esse repentino interesse por um processo que estava sendo levado na calada dos bastidores, vem acompanhado de intensas negociações políticas. E sem falar que, quando se trata de setor de Saúde, onde a corrupção sistêmica atua com toda força por longos anos, o alerta precisa ser redobrado.
E, enquanto tudo isso ocorre, as longas filas no Hospital Coronel Mota, para marcar consultas, seguem uma humilhação para o povo e longe do interesse das autoridades em solucionar esse grave e histórico problema, se tornando inclusive caso de polícia…
*Colunista
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