Mirante e o Igarapé Caxangá como atestado da incompetência com o meio ambiente
Jessé Souza*
O Mirante às margens do Rio Branco, no Centro de Boa Vista, não consegue esconder um grave e histórico problema: a morte agonizante do Igarapé Caxangá, que se tornou um esgoto a céu aberto a lançar suas águas fétidas e contaminadas no principal manancial de água potável do Estado aos olhos de todos, especialmente dos que vão passear nos fins de tarde e tirar fotos para as suas redes sociais.
É um contraste perturbador para uma Capital que se orgulha de ser hospitaleira, mas que exibe ao lado de um de seus principais cartões postais uma cena deprimente enquanto importante cidade da Amazônia brasileira. O igarapé não foi apenas devorado pela ocupação urbana e má gestão ambiental municipal, mas também alvo de um assassinato resultado de uma prática criminosa de lançar dejetos pela empresa que deveria cuidar do meio ambiente, a Companhia de Água e Esgoto de Roraima (Caer).
Embora a Caer tenha desempenhado um papel criminoso ao longo dos anos, não só ali, mas nos demais igarapés urbanos (a exemplo do Igarapé Mirandinha, no bairro Caçari, que deságua logo abaixo do sistema de capitação de água), a Prefeitura de Boa Vista só empurrou esses igarapés para o cemitério ao sepultá-los em caixões de cimento, quando realizou a canalização do leito desses mananciais sob o argumento falacioso de saneamento.
O Caxangá foi um dos sepultados nesses caixões de cimento, em vez de ser tratado e revitalizado, com política de saneamento em seu entorno, para que evitasse que suas águas se transformassem em esgoto. Embora o igarapé esteja quase morto, ainda é possível ressuscitá-lo, desde que haja vontade e uma política ambiental que envolva governos e instituições, inclusive as universidades.
Pela política que se desenha, essa atual gestão não tem ninguém preocupado com o meio ambiente, a tirar como exemplo o lixão a céu aberto que está matando um igarapé que também deságua no Rio Branco, depois do Distrito Industrial, nas proximidades do início do Anel Viário, às margens do trecho sul da BR-174. Então, o Caxangá se tornou o atestado de incompetência de nossas autoridades, pois ele deságua exatamente aos olhos de todos e aos pés do Mirante.
Nem precisa copiar ideias de países desenvolvidos que, sufocados pela poluição, agora gastam imensas fortunas em recursos públicos para reviver rios que cortam suas cidades. No Brasil, há iniciativas sendo colocados em prática que podem muito bem ser copiadas, entre elas a que utiliza a tecnologia da fitorremediação, com o uso de plantas macrófitas para tratar as águas de riachos, os quais podem ser comparados aos nossos igarapés.
Uma dessas iniciativas está sendo colocada em prática em Recife (PE): um jardim filtrante de 7 mil m² que trata a água da foz de um riacho afluente do Rio Capibaribe, utilizando plantas para remover poluentes da água. O jardim serve como um processo de filtragem contínuo, sendo capaz de tratar pelo menos 350 mil litros de água por dia. Tudo financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente, sob o título de área de inovação, desenvolvimento sustentável e renovação urbana, com um investimento de R$ 7 milhões.
Alternativas existem, mas elas exigem políticas ambientais, agentes públicos esforçados em cuidar do meio ambiente e políticos preocupados com o futuro e o bem-estar da sociedade. No entanto, em Boa Vista, é uma vergonha o que estamos assistindo ao lado de um cartão postal usado em propagandas institucionais, que esconde a falta de educação e de relação saudável de nossa sociedade com os igarapés.
É preciso que alguém faça algo agora, e isso para ontem, antes que seja tarde demais e que, no futuro, tenhamos que gastar muito mais em recursos públicos para sanear esgotos que antes foram igarapés sadios. Não é possível que a Prefeitura não se envergonhe de ter um igarapé transformado em esgoto ao lado do Mirante que é enaltecido politicamente. Do jeito que está, o Caxangá é o atestado de incompetência ambiental de nossas autoridades.
*Colunista
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV