Jessé Souza

Jesse Souza 15909

Estradas como política do quanto pior melhor, galinha dos ovos de ouro e fábrica de votos

Jessé Souza*

O desmoronamento da cabeceira de uma ponte no trecho norte da BR-174, interditando o acesso à fronteira com a Venezuela e outras regiões, na semana passada, não foi necessariamente apenas culpa da força da natureza, devido às enxurradas após as fortes chuvas que caem naquela região. A principal culpa é das autoridades, incluídas as estaduais e municipais, que não têm uma equipe responsável por fazer uma inspeção de rotina das principais estradas do Estado.

Pela importância das estradas para o desenvolvimento de uma localidade, de uma região ou do Estado, era imprescindível que houvesse uma equipe interinstitucional permanente fiscalizando, vistoriando e monitorando as condições não só das rodovias, mas também das vicinais e pontes em todos os municípios. Se houvesse interesse por parte das autoridades e políticos, haveria ao menos uma equipe fazendo vistorias permanentes na BR-174 de Norte a Sul.

Aliás, no caso da principal rodovia roraimense, nem precisaria haver uma equipe específica para isso, pois existe a Comissão de Transporte da Assembleia Legislativa (além dos deputados federais) e as equipes de fiscalização dos governos estadual (Seinf) e federal (Dnit) que poderiam estar atuando em conjunto para vistoriar as condições daquela rodovia federal que é considerada o “cordão umbilical” de Roraima.

Além do abandono por completo por parte do Governo Federal passado em relação à BR-174, também não existe interesse político local em manter todas estradas estaduais e municipais em boas condições por duas principais razões. A primeira delas é que a recuperação e o asfaltamento de estradas tornaram-se uma grande moeda eleitoral, em que a promessa de pavimentação sempre conquistou votos, cujas engabelações aos eleitores é feita por meio de obras paliativas, como remendos de pontes de madeira e terraplenagem meia-boca nas estradas, as quais viram um imenso atoleiro à primeira chuva.

Outro motivo para que as autoridades deixem que as estradas cheguem a condições precárias de trafegabilidade é que a política do “quanto pior melhor” também representa uma “galinha de ovos de ouro” para os esquemas de políticos com as empreiteiras de estimação para faturar alto com obras emergenciais, sejam com emendas parlamentares, recursos da União ou do Estado por meio de decretação de estado de calamidade pública, o que permite contratações sem licitação.

Está bem fresquinho na memória desta Coluna o ato do governo Antonio Denarium, que  abriu os cofres para os prefeitos do interior, faltando 100 dias para as eleições no ano passado, quando foram destinados R$70 milhões em recursos extras para 12 municípios, amparado por decretos de calamidade pública. Logo em seguida, foram quase R$105 milhões em contratos do governo direcionados para obras e serviços nos 15 municípios. No entanto, as estradas seguem na mesma calamidade.  

Esse foi um caso atual a ser lembrado, mas a realidade das rodovias e vicinais vem de muito longe, cujo clássico esquema do “Caso DER” na década de 1990 também não pode ser esquecido, quando recursos de recuperação e manutenção de estradas federais estourou no hoje extinto Departamento Estadual de Estrada e Rodagem (DER), o qual alimentou também o “Caso Gaganhoto”, o maior escândalo de corrupção já registrado no Estado, que levou políticos para a cadeia, a exemplo de um ex-governador e um ex-presidente da Assembleia Legislativa.

A contextualização acima serve para desbloquear a memória coletiva sobres os motivos que levam os políticos em sua totalidade a não se preocuparem em manter equipes de manutenção e vistorias permanentes a fim de impedir que estradas e vicinais sofram com atoleiros, surgimento de crateras e desmoronamento de pontes. Porque a política do “quanto pior melhor” é a “galinha dos ovos de ouro” e a “fábrica de votos” de todos eles.  E o povo permite isso como cúmplice. Todos juntos e misturados.

*Colunista

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV