Jessé Souza

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Lei estadual não pode ser usada para atacar órgãos federais no cumprimento de suas atribuições

Jessé Souza*

Os defensores do garimpo ilegal estão usando indevidamente o teor de uma lei estadual para atacar órgãos federais responsáveis pelo proteção e fiscalização do meio ambiente, o Ibama e o ICMBio, em Roraima. Durante manifestação  na frente da sede do Ibama, na tarde de segunda-feira, 25, o líder do movimento pró-garimpo gravou um vídeo deixando bem claro que os garimpeiros estavam ali para cobrar a aplicação da Lei n° 1.701/2022, que estaria sendo desrespeitada pelo Ibama.

A lei em questão, aprovada pela Assembleia Legislativa de Roraima e sancionada pelo governador Antonio Denarium (PP), proíbe a destruição de maquinário utilizado no garimpo, ao determinar que “fica terminantemente proibida a destruição e inutilização de bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no Estado”. São apenas três sucintos artigos que não explicitam se a lei é válida para todo o território de Roraima ou apenas para as áreas sob gestão estadual.

Embora haja propositalmente essa dúvida na lei estadual pró-garimpo, o Ministério Público Federal (MPF) se posicionou afirmado que existe entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) de que uma lei estadual não pode esvaziar procedimento previsto em legislação nacional a pretexto de atender interesse regional. A lei estadual tem poder apenas de impedir que as forças policiais estaduais e os órgãos ambientais sob jurisdição do Estado participem de ações e operações das forças federais no combate ao garimpo ilegal.

O  MPF também se posicionou que a legislação federal ampara as ações das forças policiais e órgãos ambientais para destruir ou inutilizar artefatos e maquinários de garimpo, com base na  Lei 9.605/1998 e Decreto 6.514/2008, os quais já foram reconhecidas pelo STF como imprescindíveis para o enfrentamento do garimpo ilegal.

Então, a lei estadual que protege garimpeiros não pode ser usada para atacar ou afrontar os servidores do Ibama e o ICMBio, em qualquer hipótese, as quais são duas autarquias federais que integram o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), cujos servidores têm a obrigação funcional de atuar na proteção ambiental e na melhoria da qualidade ambiental. O teor desta lei vem sendo usada para jogar a opinião púbica contra esses órgãos ambientais e agradar defensores de garimpo em período eleitoral.

É imprescindível frisar que em Roraima não há nenhum garimpo legalizado, tanto fora quanto dentro de terras indígenas, muito menos empresas legalizadas para atuar em mineração. Logo, qualquer atividade garimpeira  ou prática de mineração no Estado é ilegal, e esses atos precisam ser combatidos com base na legislação federal vigente. Não há o que se questionar isso enquanto o garimpo e a mineração não forem legalizados no país.

Também não custa lembrar que o garimpo ilegal em Roraima tem alimentado o crime organizado e grandes esquemas mantidos por empresários com grande poder aquisitivo que nem moram no Estado. Em março deste ano, uma operação da Polícia Federal prendeu um empresário milionário em Goiás suspeito de ordenar ataques ao Ibama em Manaus (AM) e Boa Vista, além da sede da PF no Estado, em retaliação às operações contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami em 2021.

Conforme as investigações, no dia 12 de setembro do ano passado, os suspeitos teriam invadido a Superintendência da Polícia Federal em Roraima e tentado atear fogo em um helicóptero do Ibama utilizado na repressão de crimes ambientais. Um dos envolvidos é um empresário já investigado em outras ações da PF em combate à extração ilegal de ouro em terras indígenas, o qual é um pré-candidato este ano.

Como pode ser notado, há muitos interesses em jogo, logo a questão do garimpo em Roraima não pode ser tratada como uma simples bandeira eleitoral em favor de emprego para pessoas desempregadas. Enquanto houver forças poderosas atuando na extração ilegal de minérios, inclusive facções, é necessário que as forças federais atuem para impedir o avanço dos crimes nas terras indígenas e manter a soberania brasileira nas áreas de fronteira com a Venezuela.

Com relação à manifestação em frente ao prédio do Ibama, com lideranças de movimentos em favor do garimpo afrontando e desrespeitando servidores do Ibama, no mínimo essas pessoas deveriam responder por desacatado a funcionários públicos, uma vez que esses servidores estavam em seu local de trabalho e no exercício de sua função, quando foram afrontados em razão de suas atuações profissionais, conforme determina o artigo 331 do Código Penal. No mínimo! Provas não faltam para isso na imprensa e no vídeo gravado pelos próprios manifestantes.

*Colunista