Mais um acidente com aeronave e a realidade do avanço do garimpo ilegal
Jessé Souza*
A notícia do acidente com mais um avião em área de garimpo, com a morte do piloto, mostra a força que move a extração mineral dentro das terras indígenas e no seu entorno, nos confins da inóspita floresta amazônica ao norte do Estado de Roraima.
Nem a apreensão de cerca de 60 aeronaves, durante uma operação na Terra Indígena Yanomai, em agosto passado, foi suficiente para arrefecer a sanha dos patrocinadores da garimpagem ilegal. Isso mostra o poderio econômico de quem patrocina e mantém a exploração ilegal de minério.
Em recente conversa com o líder indígena Davi Kopenawa Yanomami, que esteve presente em um evento comunitário na Terra Indígena Wai Wai, no final de semana passado, ele disse que existem cerca de 50 mil garimpeiros dentro da terra indígena e no seu entorno.
Segundo ele, esse número poderia ser bem maior se for contabilizada a quantidade de garimpeiros que estão nas cidades esperando uma oportunidade para entrar para as frentes de exploração de ouro nas terras indígenas.
É um número difícil de ser calculado, mas os dados apresentados por Kopenawa são baseados no relato dos parentes indígenas de várias comunidades. Ainda que possa estar superestimado, a realidade dos fatos mostram que as operações policiais até coibem, mas são incapazes de reduzir a sanha dos patrocinadores do garimpo.
O atual governo não mostra qualquer boa vontade em combater o avanço do garimpo; pelo contrário, enfraqueceu os órgãos ambientais e ainda dá declarações públicas defendendo o garimpo, incentivando ainda mais a ação de garimpeiros.
A invasão só tem aumentado nas terras indígenas de Roraima, provocando uma devastação sem precendentes, ameaçando os principais mananciais de água potável do Estado, o que pode gerar uma grave crise hídrica em um futuro bem próximo. As populações yanomami estão sob ameaças constantemente, sob risco de um genocídio.
Como os riscos e ameaças só aumentam, a deputada federal Joenia Wapichana (REDE) protocolou o Projeto Lei nº 3240/2021, que proíbe que o governo dê novas autorizações para pesquisa e concessão de lavra para mineração em terras indígenas. Também aumenta a pena para quem garimpa ilegalmente.
O projeto ainda propõem que sejam canceladas e consideradas nulas as concessões anteriores já aprovadas para pesquisas e lavra nas áreas localizadas também no entorno das terras indígenas, onde a atividade pode afetar as populações indígenas.
Vai mais longe ao aumentar pena para quem garimpa terras indígenas, incluindo essa atividade ilegal como crime contra a ordem econômica previstos na Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991. A pena é aumentada de um sexto a um terço se apreensões de minério ou materias de garimpagem forem oriundos de terras indígenas.
Esse projeto vai ao encontro do que pensa Davi Yanomami, que reclamou das penas brandas a garimpeiros e aos empresários que financiam a garimpagem. O líder indígena disse que, depois de cada operação policial, os garimpeiros logo retornam para as terras indígenas.
Então, esse projeto chega a ser um alento, pois não foram apenas os orgãos ambientais que foram sucateados. Davi Kopenawa chamou a Fundação Nacional do Índio (Funai) de “filhotinho de Bolsonaro”, por nunca mais ter aparecido nas terras indígenas para defender os povos indígenas e, pelo contrário, ter passado a defender os interesses do governo.
Quem sabe algo possa mudar endurecendo a pena para quem garimpa ilegalmente e impedindo que a agência do governo continue concedendo autorizações para pesquisas e lavra de minério em terras indígenas e no seu entorno. Porque do governo não se pode esperar mais nada.
*Colunista