JESSÉ SOUZA

Mais um ataque ao povo Yanomami e a ação de um crime bem articulado

O crime pode até não estar organizado na Terra Yanomami, mas o último ataque mostra que os criminosos estão muito bem armados e articulados no garimpo ilegal

As equipes buscam interromper o fluxo logístico do garimpo ilegal na Terra Yanomami (Foto: Divulgação)
As equipes buscam interromper o fluxo logístico do garimpo ilegal na Terra Yanomami (Foto: Divulgação)

Embora as investigações da Polícia Federal (PF) tenham concluído que não haveria uma atividade organizada de membros de facções criminosas no garimpo ilegal na Terra Yanomami, conforme divulgação no mês passado, os fatos apontam que o crime pode até não estar organizado na terra indígena, mas há criminosos muito bem armados e articulados. O novo ataque aos Yanomami deixa isso bem evidenciado.

A conclusão da PF destoa do que vem sendo divulgado por pesquisadores e pela imprensa nacional, com base nos relatórios do Ministério Público de Roraima e do Ministério Público de São Paulo, Estado de origem de uma facção que atua fortemente por aqui. Inclusive, esses relatórios indicam a ação desta facção paulista no garimpo ilegal na Terra Yanomami.

Uma jornalista investigativa e pesquisadora venezuelana, Ronna Rísquez, autora do  livro “O Trem de Aragua: o grupo que revolucionou o crime organizado na América Latina”, afirma na publicação que o crime organizado internacional chegou ao Estado de Roraima e passou a atuar em parceria com os criminosos brasileiros instalados por aqui, conforme foi exposto no artigo publicado no dia 1º de junho, sob o título “O único intercâmbio internacional que deu certo em Roraima: o crime organizado”.

O mais novo ataque a tiros que ocorreu em uma comunidade Yanomami, desta vez na aldeia Parima, que deixou cinco feridos e uma criança morta, na segunda-feira, 03, soma-se a outros casos que vêm ocorrendo desde que os garimpeiros se apossaram de várias áreas daquela terra indígena, quando a atividade ilegal quase triplicou em dois anos.

A comunidade atacada fica próxima a um quartel do Exército, o Pelotão de Fronteira de Surucucu, instalado para resguardar a fronteira com a Venezuela, ao Norte de Roraima. É exatamente próximo de áreas fronteiriças que resistem os garimpeiros que desafiam as ações de desintrusão dentro da Terra Yanomami, pois eles aproveitam para fugir das ações de retirada passando para o outro lado da fronteira. A resistência dos garimpeiros não é nenhuma novidade.

No final do mês passado, lideranças indígenas Yanomami e Ye’kwana publicaram nota de repúdio criticando as autoridades brasileiras e denunciando que ainda havia uma intensa atividade garimpeira em suas terras. O documento afirma que aproximadamente 10 mil garimpeiros ainda continuam na terra indígena, trabalhando de forma escondida, no período da noite, inclusive enterrando os maquinários.

Ao relatarem movimentações de aviões, helicópteros e barcos subindo e descendo os rios, as lideranças denunciaram que os pelotões do Exército que atuam na região não se envolvem nem dão apoio as operações e não colaboram no combate ao garimpo ilegal. Ou seja, o ataque de segunda-feira foi apenas consequência de omissões que vêm ocorrendo.

É importante frisar que existem investigações da PF, em outros estados, que apontam a participação de militares do Exército em vazamento de informações para garimpeiros, inclusive militares de alta patente sob suspeita de receberem dinheiro de empresa de exportação de ouro para beneficiar o garimpo ilegal.

Juntando os fatos, a impressão que se tem é a de que há, sim, um crime muito bem organizado dando apoio ao garimpo ilegal; e não se trata somente de uma facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios, mas de gente muito poderosa política e economicamente que dá sustentação, apoio e financiamento, além das omissões que contribuem para a resistência da ação garimpeiro dentro da Terra Yanomami.

Mas quem se atreverá a nominar e enquadrar esses financiadores poderosos, bem organizados, se nem a polícia consegue apontar a ação de facções cujas ações estão bem documentadas?    

*Colunista

[email protected]