Jessé Souza

Moedas no semaforo 5980

Moedas no semáforo Jessé Souza* Já estava anoitecendo quando, no semáforo no cruzamento das avenidas Brigadeiro Eduardo Gomes com a Capitão Ene Garcez, estudantes com o rosto encobertos por tintas, batiam no vidro dos carros que paravam no sinal vermelho para pedir “um dinheiro para os calouros, por favor”. Era o chamado trote universitário sendo colocado em prática.

Os trotes começaram nas universidades ainda na Idade Média, na Europa. De lá para cá, o que era uma brincadeira de boas-vindas aos calouros, com a finalidade de promover uma interação com os veteranos, ao longo dos anos descambou para outros tipos de “brincadeiras” inconsequentes ou abusos e até mesmo à violência como forma de “batismo”, provocando mortes e ferimentos graves.

Com as repercussões negativas e mortes de universitários, os trotes que incluíam abusos e violências foram cessando nas universidades brasileiras e mundo afora. Atualmente, raspar a cabeça e obrigar a pedir dinheiro nos semáforos passaram a fazer parte desse ritual de recepção aos que chegam para a vida universitária. Em alguns casos, há os trotes solidários e culturais.

Os calouros podem até achar “legal” participar de um ritual de boas-vindas ao cobiçado mundo universitário, ainda que passem por situações vexatórias e humilhantes. Porém, a entrada para um curso superior também deveria vir acompanhada de um novo pensamento e senso de responsabilidade muito maior com a sociedade, pois, afinal, a pessoa está entrando para o novo mundo do conhecimento e do saber.

Pedir dinheiro nos semáforos de Boa Vista, no momento em que venezuelanos mendigam moedas nas mesmas sinaleiras, vítimas de uma crise humanitária sem precedentes, não deveria fazer parte do ritual de quem tem numa vida universitária o sonho de se formar para contribuir com a sociedade e ter uma vida melhor, não apenas por meio de sua formação, mas por uma nova consciência e visão crítica.

Roraima passa por um momento crítico, não apenas pela imigração desordenada que vem da Venezuela, mas também por uma crise moral e ética na política partidária, onde a corrupção vem corroendo a vida de todos. E o mundo universitário tem a obrigação de contribuir com alternativas, porque ali deveria se formar uma elite pensante.Com certeza, pedir esmola ignorando os venezuelanos, dividindo as moedas com quem está fugindo da fome em um país estrangeiro, não é um bom começo para um calouro universitário. No mínimo, um trote solidário seria o mais correto. Só vamos mudar nosso Estado com um comprometimento maior de todos, inclusive do mundo universitário.

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