Momento de novas perspectivas e alternativas para a onda migratória venezuelana
Jessé Souza*
Apesar da anestesia cerebral provocada por teorias conspiratórias e um movimento golpista alimentado por um medo irracional ao comunismo, os entendimentos do governo brasileiro com as autoridades venezuelanas, que visam a reabertura da embaixada do Brasil na Venezuela, acabam por representar novas perspectivas para lidar com a onda migratória cuja porta de entrada é o Estado de Roraima.
As eleições de 2022 encerraram-se sem que os candidatos locais que saíram vitoriosos, em todos os níveis, sequer tenham tocado no assunto ou apresentado propostas com relação à onda migratória que continua em movimento constante não apenas em Boa Vista, que recebe o maior número de venezuelanos, mas também nos municípios do interior, a maioria deles já sem condições sequer de manter políticas públicas para os brasileiros lá residentes ou flutuantes.
Os números provisórios da população dos municípios, com base na coleta de dados do Censo 2022 realizada até 25 de dezembro passado, não refletem esta realidade do movimento migratório constante. Apenas cinco cidades (Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Normandia e Uiramutã) registraram aumento no coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e uma registrou queda (Rorainópolis).
Significa que apenas esses cinco municípios passam a receber mais recursos do FPM já a partir deste mês e somente um terá queda no repasse, Rorainópolis, justamente um dos mais populosos do Estado. Enquanto mais estrangeiros continuam chegando no interior, municípios mais pobres seguem tendo que arcar, sozinhos, com o aumento de demanda de serviços públicos e os reflexos econômicos e sociais advindos da chegada ou do movimento constante de imigrantes.
É mediante essa realidade que o futuro do Estado de Roraima precisa ser pensado no que diz respeito a estratégias de desenvolvimento, pois enquanto na Capital existem as Organizações Não Governamentais (ONGs) presentes para garantir suporte no acolhimento e ações sociais, no interior do Estado a realidade é bem diferente, onde estrangeiros fazem uma disputa canibalesca pelas oportunidades e serviços básicos dos governos.
Então, a reaproximação diplomática do Brasil e Venezuela precisa refletir, em futuro urgente, em um conjunto de medidas para que o Estado de Roraima consiga suportar esse movimento migratório intenso, desta vez pensada em consonância com o governo venezuelano, que precisa assumir sua parte a partir da fronteira com Roraima, um território livre para todos os tipos de desmandos e crimes.
É de conhecimento público a precariedade das estradas tanto do lado brasileiro quanto do venezuelano a fim de garantir o fluxo da exportação brasileira, já perto de colapsar por causa das rodovias quase intrafegáveis dos dois lados. Assim também como existem atividades econômicas inexploradas do lado venezuelano devido à falta de entendimento e incentivo entre os dois países.
O mercado de sucata e recicláveis, por exemplo, tem um imenso campo inexplorado na fronteira venezuelana, cuja abertura para o empresariado brasileiro a partir do Amazonas poderia gerar empregos imediatos na área fronteiriça, com reflexos na economia dos dois lados da fronteira, criando uma nova e importante cadeia econômica. Mas os entraves do lado venezuelano mostram-se intransponíveis.
Então, fora desse mundo paralelo de ideologias e teorias conspiratórias, a retomada do entendimento entre os governos brasileiros e venezuelanos precisa ser vista como uma nova oportunidade para que o Estado de Roraima possa sair beneficiado. E as autoridades locais têm que começar a partir do discurso para a prática. Porque, até aqui, se não fossem as ONGs, a situação já teria saído do controle há muito tempo, enquanto autoridades brasileiras ficam de braços cruzados.
*Colunista