Jessé Souza

Monark e os audios que incitaram a morte de indigenas no ano passado 13329

Monark e os áudios que incitaram a morte de indígenas no ano passado

Jessé Souza*

Se lá atrás tivessem punidos, com o rigor da lei brasileira, quem enalteceu os torturadores da ditadura miliar, quem fez apologia ao nazismo e os que atacaram indígenas e negros, talvez o Brasil não estivesse passando por este momento em que influenciadores e youtubers, com anuência de um parlamentar, se sentissem à vontade para defender o nazismo abertamente, em transmissão ao vivo.

A semana foi marcada por declarações de Bruno Aiub, o Monark, em uma entrevista com os deputados federais Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tábata Amaral (PSB-SP), em um canal no Youtube, que defendeu a criação de um partido nazista no Brasil, o que afronta a Constituição Federal. Kim corroborou e disse que considerava um erro a Alemanha ter criminalizado o nazismo.

Ao falar sobre o caso Monark, tentando o defender, o comentarista Adrilles Jorge, da TV Jovem Pan News, fez um gesto de uma saudação nazista, no fim de sua participação em um programa daquela emissora, que também é crisme. Esses absurdos casos ocorreram quando se discutia a liberdade de expressão, como se isso fosse uma autorização para cometer qualquer atrocidade verbalmente em nome da democracia.

A liberdade de expressão não está “acima de tudo e de todos”, nem pode ultrapassar a barreira do direito fundamental de uma pessoa. Portanto, são criminosas as declarações públicas que discriminem pessoas em função da raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo ou orientação sexual.

Ficou bem claro que, ao defender o direito de ser anti-judeu (ou da legalização do partido nazista), houve uma incitação à discriminação aos judeus. O crime foi cometido diante de câmeras e microfones. Está previsto na Lei 7.716/89, que diz que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional resulta em uma pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa.

O gesto da saudação nazista também está prevista na mesma lei, que diz ainda que fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilize a cruz suástica para fins de divulgação do nazismo é passível de reclusão de 2 a 5 anos e multa.

A liberdade de expressão, como condição de uma sociedade democrática, com uma imprensa livre, e como direito fundamental de uma pessoa, tem uma berreira que não pode ser ultrapassada, conforme o Código Penal e a Constituição Federalk. Tudo que atente contra a paz e o Estado de Direito democrático é crime, assim como declarações públicas que discriminem pessoas. Esse é o limite da liberdade de expressão.

No entanto, enquanto houve uma indignação generalizada com os casos desta semana, que repercutiram nacionalmente, no Estado de Roraima não houve a mesma reação contra repugnantes áudios que viralizavam nos grupos de WhatsApp roraimense, em agosto do ano passado, quando um homem cometeu injúria racial e incitou as pessoas a matarem os indígenas colocando veneno em um fardo de açúcar.

Em outro áudio, um segundo homem não só concordou como também sugeriu em que, em vez de açúcar, deveriam colocar veneno em garrafas de cachaças para que fossem entregues aos indígenas, pois ele entendia que os indígenas gostavam mais de cachaça do que de açúcar. Em vez de repudiados e combatidos, os áudios serviram de base para mais conteúdos racistas, disfarçados de piadas.

As autoridades não investigaram o caso para punir os envolvidos, incluindo todos aqueles que ajudaram a compartilhar e reforçar o conteúdo criminoso como se fosse apenas uma piada. Como nada ocorreu, este episódio serviu para contribuir com esse momento crítico pelo qual passa o país, em que as pessoas querem transformar liberdade de expressão em liberdade para atacar pessoas e o Estado de Direito democrático.

O que chama a atenção é que muitos dos que hoje se indignam com o caso Monark não se posicionaram contra o caso dos áudios incitando à morte dos indígenas, em Roraima, contribuindo para normalizar o preconceito, racismo e os ataques às populações indígenas. Assim como no caso do nazismo, bem documentado e registrado, o caso dos aúdios anti-indígenas também estavam muito bem registrados. Mas tudo caiu no esquecimento.

São os absurdos de um país que espera para ser passado a limpo.

*Colunista