Monstros sociaisEstão cultivando uma geração que não sabe o que é agradecer. Uma pessoa sem gratidão não reconhece que ela só chegou onde está graças não somente a um golpe de sorte ou por sua luta pessoal, mas também pela ajuda de outras pessoas e da sociedade. Essa cegueira social alimenta uma defesa quase religiosa de uma meritocracia que não existe em um país injusto e desigual como é o Brasil.
Esses cidadãos incentivados a achar que alcançaram algo graças tão somente aos seus méritos e esforços começam a construir uma sociedade mais injusta do que já se apresenta, colocando as pessoas que não tiveram iguais condições sociais, na disputa por um lugar ao sol, como as próprias culpadas por seus fracassos.
Quem alcança um lugar almejado no mercado de trabalho chegou lá porque alguém ou alguns também ajudou. E não precisa ser um abastado, de família que teve condições de bancar tudo, não precisando que trabalhasse desde cedo e, a cada aprovação escolar no final do ano, ganhava um presente, como um carro para ir à faculdade.
Até mesmo os que só estudaram em escola pública conseguem oportunidades porque a sociedade bancou tudo por meio dos impostos, ao custo de suor e lágrima dos mais pobres, aqueles que realmente pagam imposto neste país. E precisou de pais que não se renderam, que foram obstinados para que seus filhos estudassem, ainda que precisassem trabalhar desde cedo.
Outros conseguem um golpe de sorte por estarem no lugar certo. Mas há os que foram premiados por terem conhecido alguém que, se não ajudou, apontou uma luz, os guiou no caminho das pedras quando tudo parecia impossível. E quem acha que tudo foi conquistado por seu próprio mérito e por predestinação exclusiva dos céus não se sente grato com quem o ajudou, com custos bancados pela sociedade e pela família que sofreu junto.
Estamos criando monstros sociais que, por terem a meritocracia como nova religião dos eleitos, passam a achar que pobre só é pobre porque não lutou, não buscou, não estudou, não foi o suficiente crente e forte em seus propósitos. E acham que uma criança de uma família pobre larga, na linha da vida, nas mesmas condições de igualdade de uma criança de família rica.
A Olimpíada do Rio de Janeiro mostrou exemplos, aqueles brasileiros que alcançaram o Olimpo não apenas por seus méritos próprios, mas porque foram ajudados por alguém ou pela família, porque conseguiram uma bolsa ou ajuda de um patrocinador. Nas entrevistas, eles agradeceram os que contribuíram para o mérito.
Quem não sabe agradecer vai achar que não deve nada a ninguém e passa a oprimir aqueles que precisam de ajuda, de apoio e de investimento. Achar que tudo é mérito exclusivamente pessoal só ajuda a difundir o país da canalhice que estamos nos tornando, onde pobre está passando a ser culpado por sua própria pobreza.
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