Jessé Souza
Morena da voz de melodia 15 10 2014 153
Jessé Souza* A fila no correspondente bancário estava grande. Cheguei cedo e encarei o rabo da fila que estava literalmente dobrando a esquina. Em outras épocas, eu levava um livro ou revista para passar o tempo. Agora o celular resolve e ainda abre uma janela para desabafar para o mundo. Quase uma hora depois, faltavam três pessoas para serem atendidas à minha frente. Então, uma morena bonita veio lá de trás, olhando cada um na fila e chegou até a mim com a voz mansa: “Você pode pagar essas contas para mim? Estou tão apressada e não tenho tempo para esperar”. Eu ainda lembro ter ouvido junto com a voz dela uma musiquinha de fundo embalando meus ouvidos. Olhei para a moça, me virei olhando para as demais pessoas e disse: “Você tem que pedir para essas pessoas que estão atrás de mim, que também estão esperando na fila. Se elas deixarem, tudo bem”. É claro que não precisou de palavras. O olhar de fuzilamento das outras pessoas foi instantâneo. E a voz de melodia daquela moça mudou de tom e passou de uma aspereza gratuita contra minha pessoa, como seu eu fosse o errado ali. Aqui está o “xis” da questão: as pessoas estão focadas somente nos seus interesses particulares, em levar vantagem, em passar por cima de todos como se “o outro” valesse menos ou tivesse menos urgência do que “o eu”. No trânsito, então, o “outro” sempre parece não ter a mesma urgência, os mesmos direitos, as mesmas necessidades do “eu”. Na política, a situação piora. Porque muitos estão pensando somente nas necessidades pessoais urgentes, nos benefícios que possam surgir com este ou aquele candidato. A venda de voto é a expressão venal de quem quer levar vantagem com aquilo que é considerado “só meu”, o voto, e não um instrumento em favor da coletividade. Neste sentido, furar a fila do banco passa a ser tão banal quanto desviar a gasolina ou pneu de um veículo público. A urgência e a necessidade de levar vantagem costumam ultrapassar a barreira e se transformam em corrupção no local de trabalho ou no círculo social onde se vive. E quem pratica essas “pequenas corrupções” passa a achar “normal” que a “grande corrupção” tome conta da política. Assim estamos tratando a política partidária, tolerando corruptos porque também praticamos corrupção ou porque cometeríamos os mesmos crimes se estivéssemos lá, no poder. Toleramos porque pensamos da mesma forma. Aceitamos o comprador de voto porque somos mercadores do nosso voto. Ainda lembro da imagem revoltada daquela moça que não conseguiu me convencer a furar a fila. Ela tentou usar talvez seu aspecto físico para me corromper na frente de todos. E nem procurou disfarçar, pois tinha a certeza de que qualquer um podia ceder à sua fala mansa e ao corpo escultural. É assim que os políticos agem também: eles têm certeza que seu dinheiro e sua lábia conquistam todo mundo. E por isso tripudiam com o povo. E o povo se deixa levar… *Jornalista [email protected]