A execução do casal de agricultores Flávia Guilarducci e Jânio Bonfim de Souza, no Município do Cantá, no dia 23 de abril deste ano, em uma disputa por terras, trouxe uma série de questões em seu enredo, além das implicações advindas do envolvimento de um capitão policial militar que era chefe de segurança do governador de Roraima, Antonio Denarium, fato que promete novos desdobramentos na investigação.
O áudio gravado por Flávia ainda aponta sérias questões sobre irregularidades fundiárias na fala de um dos acusados do crime, o que corrobora com as seguidas denúncias que vêm sendo feitas ao longo dos anos, inclusive com outros assassinatos que apresentam características explícitas de queima de arquivo, casos estes nunca solucionados para que os autores e mandantes fossem presos e os esquemas revelados.
Outro fato em questão nesse pavoroso crime do casal, cujo áudio inclusive registra um tiro de misericórdia, foi a compra de munições possivelmente usadas no crime por um CAC, ou seja, uma pessoa com Certificado de Colecionador, Atirador e Caçador, o qual é investigado pela polícia justamente por ter comprado as munições dias antes do crime brutal.
É importante lembrar que, no governo passado, houve uma grande manobra política para facilitar a venda de armas e munições para os CACs, o que se mostrou posteriormente uma estratégia para que essas pessoas pudessem comprar mais armas e munições, as quais muitas delas foram parar nas mãos de milícias e do crime organizado.
Após a política restritiva de acesso a armas de fogo e munições com o Estatuto do Desarmamento em 2003, a partir de 2018 e 2019, com a edição de decretos, portarias e instruções normativas pelo governo Bolsonaro, foram reduzidas sensivelmente as restrições, permitindo que mais pessoas pudessem ter acesso a grandes quantidades de armas de fogo e munições, especialmente os CACs.
Com o atual governo, a edição do Decreto nº 11.615/23 voltou a restringir esse acesso. No entanto, ainda é possível sentir o reflexo da política liberativa, inclusive foi nesse mesmo período que explodiu o garimpo ilegal nas terras indígenas, onde o tráfico de armas e munições foi intensificado, cujos reflexos foram sentidos na violência não apenas nos garimpos, mas também nos centros urbanos próximos às terras indígenas e na Capital roraimense.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2024 apontam os desafios da fiscalização e controle sobre esse mercado, uma vez que houve crescimento, entre 2022 e 2023, de aquisição de armas de fogo pela população em vários estados, com destaque para o Amapá, que teve um aumento de 61,5%, Mato Grosso do Sul, com 53,2%, e Roraima, com 50,4%. Logo, os dados só confirmam que muita gente anda armada em Roraima.
O crime do casal no Cantá acaba colocando o dedo na ferida dessa questão dos CACs, pois o Fórum não teve acesso aos dados para que os números pudessem ser atualizados, o que não foi possível devido ao não fornecimento das estatísticas pelo Exército, conforme o relatório do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A estatística mais atual confirma que o crescimento do número de CACs foi da ordem de 1.140%, chegando a 783.385 certificados em 2022.
Logo, foi acertada a decisão do atual governo, por meio do Decreto 11.366/2023, que congelou temporariamente o mercado de armas, determinou o recadastramento das armas adquiridas por CACs a partir de 2019 e criou um grupo de trabalho para discutir uma nova regulamentação do setor. Exemplo do reflexo que foi a política do “liberou geral” para os CACs pode ser visto nesse bárbaro crime do casal no Cantá, cujas investigações precisam desvendar todos os detalhes desse bárbaro crime.
*Colunista