JESSÉ SOUZA

Mudar nomes faz parte da estratégia de manter a dominação política colonizadora

Projeto de lei quer rebatizar Parque Anauá com o nome do ex-governador Ottomar de Souza Pinto (Foto: Divulgação)

Com muita propriedade e lucidez, a presidente da Academia Roraimense de Letras, Cecy Brasil, em entrevista à rádio Folha FM, na manhã de domingo, no programa Agenda da Semana, expôs a realidade de políticos que buscam alguns espaços na mídia ao apresentarem propostas que visam tão somente alterar nomes de prédios históricos em Roraima já consolidados na nossa sociedade.

Embora seja pela primeira vez que o tema é tratado de forma aberta e honesta na imprensa, um artigo publicado no dia 24.02.2022, sob o título “É melhor deixar o velho brigadeiro descansar em paz no seu devido lugar”, já tratava desse espinhoso assunto. Naquela oportunidade, o tema se referia à proposta da vereadora Aline Rezende (PRTB) para mudar o nome histórico de Praça do Centro Cívico Joaquim Nabuco para homenagear o falecido ex-governador brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto

Desta vez, o assunto volta ao debate em torno do projeto da deputada estadual Tayla Peres (Republicanos), que propõe mudar o nome do Parque Anauá para Parque Governador Ottomar de Sousa Pinto. Parecem propostas tão somente oportunistas e inócuas. No entanto, trazem em seu bojo aquela perigosa ânsia política colonialista de mudar o nome do colonizado e dos espaços onde eles vivem como principal tática de manter a dominação. Foi assim no Brasil Colônia com os negros e indígenas.

Quando aqui chegavam, os escravos negros perdiam o direito de usar o seu nome africano e proibidos de praticarem as suas antigas tradições por seus novos donos. Imediatamente eram batizados conforme a fé católica e recebiam nomes portugueses. E assim perdiam não só sua identidade, mas toda sua cultura e tradições para que passassem a servir novos propósitos de seus donos escravizadores, sem resistir.

E assim a prática colonialista ultrapassou gerações e, atualmente, é executada na política de apagar o passado e a história de um povo com os mesmos propósitos dos neocoronéis que dominam ou querem dominar para sempre aquele espaço ou todos os espaços possíveis. Só que, em Roraima, um Estado ainda novo, essa prática malévola foi colocada em sua máxima expressão quando o governo atual colocou no chão o prédio do Museu Integrado de Roraima (Mirr), que ficava exatamente no Parque Anauá, o qual querem mudar o nome desta feita.

A questão do Mirr, demolido na atual gestão, assunto este também tratado por Cecy Brasil na entrevista de domingo, foi tema aqui de vários artigos desde que o prédio histórico foi ao chão, sendo um deles o artigo intitulado “Museu é resistência em Bacural, enquanto em Roraima nem História vale nada”, publicado no dia 17 de janeiro deste ano, tratando exatamente a respeito dessa conexão de apagar a memória de um povo. O que ocorreu com o Museu é um exemplo clássico de desrespeito à História e da prática neocolonialista de apagar memórias.

O Mirr foi fechado em 2011, após passar por outros períodos de desativação, quando várias peças do acervo e equipamentos foram furtados, sob seguidas promessas de que tudo seria catalogado para que o Museu fosse reaberto. Era tudo mentira. Além de nunca ter sido reaberto, o prédio histórico foi demolido em um dia de feriado, 1º de maio de 2023, da mesma forma que o prédio do Hospital Nossa Senhora de Nazaré citado por Cecy, para que não houvesse tempo de qualquer reação por parte da sociedade.

Portanto, o posicionamento de Cecy Brasil foi até brando quando analisou essas propostas de mudar o nome como propósito politiqueiro de aparecer. Porque, além disso, existe o grande propósito de apagar a memória de um povo com o nefasto objetivo maior de manter os colonizados debaixo do açoite e das botas dos neocoronéis da política. E a sociedade não pode mais aceitar isso calada.

*Colunista

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