JESSÉ SOUZA

Na guerra do garimpo, profissionais de saúde vivem sob ameaça na Terra Yanomami

Frentes de garimpo ilegal na Terra Yanomami ainda resistem em várias regiões (Foto: Reprodução)

Não se trata apenas de combater o garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami. Há outro ponto desafiador para as autoridades federais: desarmar indígenas que foram cooptados por garimpeiros e impedir a entrada de bebidas alcóolicas nas comunidades. Há regiões onde os indígenas estão sempre armados e bêbados, pois passam o dia todo tomando cachaça.

Relatos dessa situação têm chegado à Capital, mas não ao conhecimento das autoridades policiais, e sim da rede pública de saúde, onde profissionais de saúde que trabalham com os Yanomami têm buscado atendimento psicológico. Os profissionais temem por suas vidas e muitos pensam em desistir por falta de segurança mínima. Outros já abandonaram o trabalho.

Dias atrás, uma profissional da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) buscou atendimento psicológico no Pronto Atendimento Cosme e Silva por estar aterrorizada após ter uma arma de fogo apontada para sua cabeça por um indígena bêbado, que se alterou depois que foi dito para ele esperar por sua vez no atendimento. Visivelmente um caso de estresse pós-traumático.  

Agora ela está em desespero só de pensar que terá de voltar para a terra indígena. Em atendimento na unidade de saúde, a servidora foi orientada  a buscar um laudo psiquiátrico a fim de obter afastamento ou realocação de local de trabalho. Outros profissionais simplesmente pedem demissão por não suportarem mais trabalhar sob pressão e insegurança, seja por indígenas armados ou por ameaças de garimpeiros.

O garimpo ilegal não só destruiu o solo, a água e a floresta. Também destroçou a cultura e as tradições de várias comunidades, especialmente aquelas onde as lideranças foram cooptadas, recebendo como pagamento e compensação armas de fogo, munição, droga e cachaça para que permitam a extração de ouro ou ajudem a defender as frentes de garimpo ilegal.

Mas não são apenas os profissionais de saúde que têm buscado atendimento psicológico na rede pública. Garimpeiros que trabalham em um regime análogo a escravo e vivem sob riscos constantes chegam a Boa Vista com ansiedade, pois vivem uma situação limite, sem poder dormir à noite com medo de serem mortos dentro da guerra que se transformou o garimpo.

É uma guerra sem trégua, com crime organizado, indígenas armados, operações policiais e a violência cotidiana que normalmente se estabelece no limbo da ilegalidade, uma vez que não são apenas trabalhadores e pais de famílias, mas bandidos e foragidos que se escondem e se estabelecem no garimpo ilegal pela força.

Então, o desafio das autoridades federais vai muito além de combater o garimpo ilegal, retirando os invasores, monitorando e impedindo a entrada de garimpeiros, mas também de desarmar os indígenas e eliminar as bebidas alcóolicas das comunidades. O alerta já vem sendo dado pelos profissionais de saúde, os qusis vêm pedindo socorro, mas todos estão fingindo que não estão vendo nem ouvindo nada.

*Colunista

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