JESSÉ SOUZA

Não é só mais política e religião, mas também um perigoso elemento que surge no meio

Evangélicos compõem a bancada BBB no Congresso Nacional, com agendas voltadas à direita e ao conservadorismo (Foto: Divulgação)

Não é nenhuma novidade a íntima relação da política com a religião, inclusive a bancada BBB (da Bala, da Bíblia e do Boi) é a mais expressiva do Congresso, com as agendas alinhadas à direita e ao conservadorismo, relação esta fortificada com o bolsonarismo, cuja cena que explicitou bem isso foi quando, em julho de 2022, os evangélicos de Vitória, no Espírito Santo, levaram para a Marcha de Jesus uma réplica gigante de um revólver.

O crescimento das igrejas evangélicas pode ser comparado com os números das últimas eleições municipais: prefeituras e câmaras municipais de todo o país serão comandadas por 469 políticos religiosos a partir deste ano de 2025, os quais usam como nome de urna os termos “irmão”, “irmã”, “pastor” e “pastora” (Fonte: Folha Gospel) – e isso sem contar os demais que não utilizam essa denominação. Em Boa Vista, são dois pastores, uma pastora e pelo menos um evangélico declarado.

Com o fortalecimento da extrema direita, a mistura de política e religião criou uma fórmula explosiva que desafia o país laico com suas pautas em que a fé e o extremismo são a base em que tudo tem uma suposta autorização bíblica. No entanto, há um nove fenômeno que inclui nessa fórmula mais um elemento que também está entrando na política partidária: o narcotráfico.

Até bem pouco tempo atrás, bandidos usavam símbolos católicos, como imagens de santos e crucifixos, inclusive pedindo proteção rezando o Pai Nosso e a Ave Maria. No entanto, em várias comunidades do Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE) e Salvador (BA), os criminosos facionados passaram não só a se identificarem como evangélicos, mas também a imporem a sua religião, atacando e destruindo templos de umbanda e candomblé, bem como perseguindo igrejas católicas.

São os chamados “traficantes evangélicos”, “narcopentecostais” ou “traficrentes” que agem em nome de Jesus e misturam crime, fé e ideais evangélicos. No Rio de Janeiro, eles se identificam como “soldados de Jesus” que forma a  “Tropa de Aarão”, em referência ao irmão mais velho de Moisés (fonte: livro Traficantes Evangélicos – Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus, de 2023, de autoria da teóloga e pastora Vivian Costa).

Trata-se de um novo cenário preocupante, pois a qualquer momento as realidades podem se cruzar da mesma forma que o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, foi loteado pelo crime organizado, fazendo surgir o narcogarimpo, que se cruza com a política partidária, conforme mostram as investigações da Polícia Federal.

Se a política partidária está sendo dominada pela religião evangélica; se o narcogarimpo também está cooptando a política partidária; se o narcotráfico está começando a dominar o público evangélico em seus redutos; então não há nada que possa impedir de que, se nada for feito, em um futuro muito próximo esteja tudo misturado: política partidária, garimpo ilegal, narcotráfico e traficantes evangélicos.

Pelo que se viu em Roraima, onde políticos investigados por crimes eleitorais, envolvimento com o tráfico de drogas e o garimpo ilegal são conduzidos aos postos-chaves da política local, onde há evangélicos que compactuam, então essa hipotética realidade de “tudo junto e misturado” não está longe de acontecer. Há algo muito perigoso sendo gestado.

*Colunista

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