Negacionismo não pode ser tratado apenas como uma ‘opinião divergente’
Jessé Souza*
Já houve quem tentasse politizar o termo “negacionismo” dentro desse caldeirão em ebulição que se tornou o embate ideológico entre esquerda e direita no Brasil da atualidade. A alegação é de que a esquerda passou a chamar de “negacionista” todos aqueles que se declaram de direita e que têm uma opinião divergente.
Não se pode relativizar esse momento crítico e triste pelo qual passam os brasileiros, bombardeados por mentiras como instrumento ideológico e o surgimento de um forte movimento que arrebanha incautos a desacreditar até mesmo naquilo que é um consenso consolidado nos meios acadêmicos e científicos.
O negacionismo torna-se perigoso a partir de quando as pessoas passam a ser influenciadas por lideranças políticas e religiosas, que causam reflexos não apenas diretamente na vida das pessoas como também passam a infestar os setores do governo que tomam decisões importantes, como ocorreu com a questão da vacina.
A propósito, a Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro, que era a Capital do Brasil, foi motivada por fake news e uso político do momento para jogar a população contra o governo. Naquela época, ninguém iria virar jacaré, no entanto, como a vacina era feita de pústulas de vacas doentes, inventaram o boato de que quem se vacinasse iria ficar com feições bovinas.
Além disso, como se tratava de um tempo em que as pessoas se vestiam cobrindo todo o corpo, foi o explorado o forte conteúdo moral da época, pois inventaram o boato de que as mulheres seriam vacinadas em suas partes íntimas. Se já era absurdo mostrar os braços naquela época, até mesmo para tomar a vacina, então um ato desse era visto como “imoral”.
Então começaram a alegar que se tratava de um crime contra honra de um chefe de família que a intimidade do corpo de suas mulheres fosse invadida por um desconhecido na hora da vacina. A oposição sentiu que seria o momento ideal para jogar a população contra o governo.
As pessoas foram induzidas a crer que se tratava violação dos direitos civis e constitucionais. Até a imprensa escrita (a única que existia) contribuiu para insuflar a população por meio de charges ácidas que desacreditava na eficácia da vacina. Não demorou para ocorrer um levante que resultou na prisão de 945 pessoas na Ilha de Cobras, 30 mortos, 110 feridos e 461 deportações para o Estado do Acre.
Apesar de o mundo ter passado por uma extraordinária transformação ao longo de todo esse tempo, as pessoas continuam sendo influenciadas pelo negacionismo e teorias da conspiração. Esse comportamento negacionista pode provocar estragos sem precedentes quando passa a direcionar a decisão dos governos e suas políticas públicas.
Esse é o grande perigo do negacionismo, que não pode ser relativizado nem banalizado, pois as pessoas ficam suscetíveis a acreditar em negações absurdas, que podem gerar efeitos catastróficos em vários setores, como a não imunização contra doenças, a aceitação de crimes ambientais, o desmanche do ensino superior, o arrocho na economia contra os mais pobres etc.
O caso da vacina é emblemático, pois há pessoas que acreditam que poderiam virar jacaré; ou mesmo que irão morrer dois anos depois de vacinados; ou ainda que a vacina seria utilizada para instalar um chip da besta-fera no corpo da pessoa. São coisas absurdas que colocam em descrédito os 40 anos de pesquisa de vacinas pelos cientistas.
O movimento antivacina é apenas um dos graves reflexos. Há os que negam o aquecimento global, que acreditam que a terra é plana, que defendem que o Holocausto nunca ocorreu e, mais recentemente, até defendem a legalização do partido nazista.
Então, não se pode flertar com o negacionismo. Nem defender a tese de que seja uma corrente legítima de direita que se contrapõe à esquerda. Ou achar que isso seja liberdade de expressão. Definitivamente, não!
*Colunista