JESSÉ SOUZA

O alerta que faltava e a grave situação da geografia do crime nos dias atuais

Em entrevista, delegado alertou para o surgimento de milícias com recrutamento de policiais em Roraima (Imagem: Reprodução)

Zero repercussão, por parte das autoridades, a entrevista concedida pelo delegado Marcos Lázaro, à Rádio Folha 100.3, no domingo, quando ele abordou sobre a delicada situação da Segurança Pública e da Polícia Civil de Roraima. Ele ainda alertou para o surgimento de milícias com recrutamento de policiais da ativa ou aposentados para atuarem na defesa de interesses escusos, especialmente o garimpo ilegal e o tráfico de drogas.

Embora não seja uma novidade, as declarações partindo de um delegado da Polícia Civil tornam-se preocupantes – ou ao menos deveriam assim ser consideradas. Mas nenhuma autoridade se manifestou, muito menos o governo. Há tempos que a “caixinha de ressonância da sociedade”, a Assembleia Legislativa, deixou de reverberar as grandes questões que envolvem a Segurança Pública e a criminalidade com corpos esquartejados e desovados pela cidade.

Mas novidade, mesmo, nenhuma. Esta Coluna há tempos vem chamando a atenção para a nova geografia do crime em Roraima, cujo ápice da questão foi tratado no artigo “A realidade da Segurança Pública está aí e o relógio já está com o tempo estourado”, publicado em 12.09.2022. O texto tratou de cenário da insegurança, abordando o caso de policiais militares que, em uma ação suspeitíssima, tentaram resgatar uma aeronave que dava apoio ao garimpo ilegal, em que um PM morreu e dois saíram ilesos.

O dono do avião gravou um áudio, que foi compartilhado nos grupos de aplicativos de mensagens, afirmando abertamente que contratara PMs para fazer segurança privada. Em seguida, o presidente da Associação Unificada de Praças de Roraima (Auprarr), em  entrevista à Rádio Folha, tratou o fato como normalíssimo,  ou seja, um amigo de farda que foi fazer um “serviço extra para recuperar uma aeronave que não havia sido paga”.

Traduzindo: todos trataram como algo normal o ato de reunir um grupo de pessoas armadas, entre eles três PMs, para invadir uma propriedade privada e fazer justiça com as próprias mãos. O que ninguém quis lembrar é que o nome dado para um grupo armado com participação de policiais para atividades ilegais é bem conhecido de todos atualmente: milícia.

Ali já estava tudo bem desenhado para o que delegado alertou em sua entrevista de domingo passado. O garimpo ilegal, o tráfico de drogas, o crime organizado e as rotineiras mortes com claros sinais de execução em Boa Vista estão conectados de alguma forma, construindo esse barril de pólvora que se tornou a Segurança Pública dentro de um cenário de imigração desordenada, corrupção sistêmica e ausência de políticas públicas direcionada para combater as causas da violência, e não apenas seus efeitos.

Como vem sendo abordados em várias outras ocasiões, a corrupção endêmica em todos os níveis provoca reflexos altamente negativos dentro da sociedade e em um governo, como redução da credibilidade e do fluxo dos investimentos, prejuízo à eficiência da administração pública, redução da produtividade do investimento público, facilitação das atividades do crime organizado e desestímulo do investimento privado.

Se não houver uma mudança radical deste quadro, o caminho que está sendo trilhado é o mesmo que levou Manaus (AM) a ser uma capital tomada por facções criminosas e com uma criminalidade incontrolável. Todos os alertas já foram dados. Se faltava alguém com legitimidade para alertar, agora não falta mais, pois desta vez foi um delegado da Polícia Civil o dono da fala.

*Colunista

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