Jessé Souza

O grande esquema dos gafanhotos que mexe na vida politica local ha 19 anos 13238

O grande ‘esquema dos gafanhotos’ que mexe na vida política local há 19 anos

Jessé Souza*

O fato político mais importante desta semana foi a decisão da Justiça Federal, que condenou o senador Mecias de Jesus (Republicanos) por improbidade administrativa, no “Caso dos Gafanhotos”, e terá que restituir R$1,9 milhão aos cofres públicos, além de ter os direitos políticos suspensos por cinco anos. Essa decisão é a continuidade de uma grande operação para investigar dezenas de pessoas.

O “escândalo dos gafanhotos” se arrasta há cerca de 19 anos desde a grande Operação Praga do Egito, da Polícia Federal, em 2003, que mobilizou 200 agentes para prender 50 pessoas (entre 85 denunciados) acusadas de envolvimento no esquema de corrupção que desviou quase R$300 milhões dos cofres públicas de Roraima, com recursos oriundos de transferências da União.

O termo foi cunhado porque os funcionários fantasmas (“gafanhotos”) “comiam” o dinheiro da folha de pagamento do governo. A operação do grande esquema era chamado de “gafanhotagem”. Atualmente, o esquema ficou conhecido nacionalmente como “rachadinha” a partir do caso envolvendo o filho do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O ex-governador Neudo Campos (que era do PP) foi apontado como chefe do “esquema gafanhoto”, que envolvia parentes e membros de gabinetes de 18 dos 24 deputados estaduais, ex-parlamentares, funcionários do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e até o diretor da Polícia Civil de Roraima. Essas autoridades simulavam a contratação de servidores fantasmas, chegando a 6 mil pessoas, o equivalente a 2% da população roraimense.

De longe, foi o maior esquema de desvio de recursos públicos pelo surpreendente número de pessoas envolvidas e pela engenhosidade do esquema, que contratava pessoas simples, inclusive indígenas que viviam nas comunidades, que emprestavam seu nome para contratação no governo e passavam a procuração para que os assessores de políticos pudessem sacar seus vencimentos.

Alguns recebiam uma parte do salário de volta, mas outros apenas emprestavam o nome. E a maioria recebia sem trabalhar, já que não havia controle na folha de pagamento nem na folha de ponto dos órgãos públicos. Era uma grande farra que contava com a participação de parte da população, que tinha nesse esquema uma “distribuição de recursos públicos”, o qual fazia o dinheiro circular sem que ninguém precisasse trabalhar.

A maioria dos políticos sente arrepios só em ouvir falar em “caso gafanhoto”. O ex-governador Neudo Campos foi condenado em segunda instância e começou a cumprir pena com uso de tornozeleira eletrônica desde 2016. Preso e inelegível, protaganizou um dos maiores fatos políticos antes da eleição do atual governador (mas essa é história para outra oportunidade, por falta de espaço).

O “caso gafanhoto” vem atingindo profundamente a vida política de Roraima nos últimos anos. O então presidente da Assembleia Legislativa, Jalser Renier (SD), chegou a cumprir prisão em 2016, sem perder o cargo. Mas a lista de envolvidos é muito ampla, inclusive o ex-deputado federal Alceste Madeira, falecido em acidente de trânsito neste mês, chegou a ser condenado a sete anos de prisão, a pedido a pedido do Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou Henrique Machado e Marcus Hollanda à perda do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado em 2014 e 2016, respectivamente. Até o ex-prefeito de São João da Baliza, Marcelo Jorge (Pros), chegou a ser condenado, em 2019, mas se livrou da acusação de peculato (desvio de bens ou recursos por funcionário público) depois que o processo ficou parado por quatro anos, fazendo o crime prescrever.

Embora a Justiça continue cobrando a conta dos políticos envolvidos e outros acusados do grande esquema, o eleitor roraimense “perdoou” a maioria (senão todos), pois esses políticos vêm se elegendo e reelegendo desde a grande operação policial e das decisões judiciais. Afinal, grande parte da população se beneficiava do esquema e até achava que isso poderia se repetir, por isso queriam Neudo Campos de volta o governo.

Com a condenação, o senador Mecias de Jesus agora terá que arcar com as consequências de seus atos. Ele jura que é “intriga da oposição” – como os políticos tradicionais costumam reagir. Mas as decisões judiciais ao longo dos anos têm provado a culpa dos cabeças desse esquema, o qual será lembrado e reelembrado até que o Estado de Roraima consiga se livrar das amarras da corrupção. E isso vai levar algumas gerações.

*Colunista