O passado e o presente no emaranhado enredo do garimpo ilegal e a questão Yanomami
Jessé Souza*
Dois fatos divulgados pela imprensa na semana passada, ambos sobre o povo indígena Yanonami, precisam de uma melhor análise e com muita cautela, tendo como base os fatos atuais, mas olhando o que ocorreu no passado, há quase três décadas. Embora distintos, os casos dizem respeito ao garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami como tema principal.
O primeiro fato ocorreu na noite de quinta-feira, 05, quando foi preso em Boa Vista um dos acusados do massacre de Haximu, como ficou conhecido mundialmente o ataque de garimpeiros que resultou na morte de 16 Yanomami, no ano de 1993, se tornando o primeiro caso de condenação judicial por genocídio, no país.
O segundo foi a coletiva de imprensa concedida no dia seguinte, sexta-feira, 06, quando o delegado da Polícia Federal, Daniel Ramos, falou sobre a denúncia de estupro e morte de uma garota Yanomami de 12 anos, além do desaparecimento de uma criança de 3 anos, na comunidade Aracaçá, na Terra Yanomami. O delegado tratou o caso como um episódio baseado em “informações desencontradas” que levariam a crer “que o ilícito não ocorreu”.
Quando se trata de conflitos envolvendo garimpeiros e indígenas, há muitos interesses envolvidos, especialmente dos que exploram e bancam o garimpo ilegal, bem como o de políticos que têm nesse tema uma bandeira eleitoral e interesses particulares, conforme o caso em que a PF foi informada sobre um avião em nome de um parlamentar por estar atuando no garimpo ilegal da Comunidade Waikás, na Terra Yanomami, nos anos de 2018 e 2019.
O genocídio em Haximu pode ser visto como um grande exemplo desse emaranhado de interesses. A denúncia chegou às autoridades em agosto de 1993, por meio de um bilhete escrito por uma religiosa que estava em uma missão naquela região. Imediatamente, começou um grande movimento articulado por lideranças de garimpeiros, empresários de garimpo, políticos e imprensa local a fim de tentar desacreditar e desqualificar a denúncia.
As parcas informações ainda desencontradas ou que careciam de dados concretos, inclusive publicadas pela imprensa internacional, contribuíram para fortalecer esse movimento que tentava negar os crimes e fazer a opinião pública desacreditar nas informações repassadas pela mídia nacional e internacional. Havia uma ação ostensiva neste sentido encabeçada pela ampla maioria da imprensa local.
Até hoje muitos nunca chegaram a acreditar na cachina devido à guerra de informação e desinformação travada à época, quando começou a ser pregada a paranoia da internacionalização da Amazônia. A opinião pública inclusive desconhece o final desse caso. Á época, além da guerra midiática para desacreditar a denúncia, ainda ocorreram fortes interesses que agiram para ocultar cenas por testemunhas.
Mas o fato é que, em outubro de 1993, a Procuradoria Geral da República denunciou 24 garimpeiros por participação na chacina. Porém, apenas cinco deles foram “plenamente identificados”: Pedro Emiliano Garcia, Eliézio Monteiro Neves (que foi preso na quinta-feira), Waldinéia Silva Ameira, Juvenal Silva e Wilson Alves dos Santos. Em dezembro de 1996, a Justiça Federal em Roraima condenou esses cinco acusados a 20 anos de prisão por genocídio.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) chegou a acatar o pedido dos cinco réus para os levarem a júri popular, cuja defesa tentava absolvê-los perante uma opinião pública fortemente inflamada por uma mídia antiindígena. Mas, no ano de 2000, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão do TRF1 e o entendimento sobre crime de genocídio. Finalmente, em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou a decisão do STJ.
Como se pode notar, pelo que ocorreu no passado, em uma invasão garimpeira muito semelhante a que está ocorrendo hoje, houve um forte movimento para negar o ataque a Haximu, desqualificando as denúncias e silenciando fontes e testemunhas. Então, com base nesse episódio, é necessário muita cautela sobre o que está ocorrendo neste momento na Terra Yanomami. É preciso aprender com as lições do passado.
Além de tudo isso, torna-se necessário destacar uma notícia divulgada pela imprensa nacional, coincidentemente repercutida no mesmo dia 05 passado, sobre uma carga de 78 Kg de ouro apreendida pela PF em Sorocaba (SP), cujo carregamento estava sendo escoltado por policiais militares de alta patente, inclusive um que atuava no Gabinete Militar do governo paulista.
O minério pertence ao empresário Dirceu Frederico Sobrinho, dono da empresa de ouro FD Gold (acusada de extrair minério ilegalmente de terras indígenas), filiado ao PSDB e que concorreu como suplente de senador pelo Pará, em 2018. Esse empresário já teve reuniões com o gabinete do presidente Bolsonaro e até mesmo com o vice-presidente Hamilton Mourão.
Por tanto, nenhuma informação sobre o garimpo em terras indígenas e a situação do povo Yanomami em Roraima está desconectada de outros fatos, do passado e do presente, ou pode ser descartada de maneira simplória, sem observar todos os detalhes que envolve a questão. Há muito mais coisas que estão ocultas do que o cidadão comum possa imaginar.
*Colunista