Hoje é quarta-feira (08.09). E os brasileiros e as brasileiras foram as ruas ontem, no Dia da Independência, sem o formalismo dos desfiles militares e estudantis, mas denso de voluntarismo. E houve espaço para todas as vontades desde os que expressaram apoio ao presidente da República -em número expressivamente maior-, até aqueles que estiveram em algumas capitais pedindo a saída de Jair Bolsonaro, apesar da reduzida presença popular. E ainda sobrou espaço para a já tradicional Marcha dos Excluídos e Excluídas, promovida anualmente faz mais de duas décadas pela ala esquerdista da Igreja Católica. De positivo nas manifestações foi sem dúvida a forma ordeira e pacífica com que a população externou sua pauta reivindicatória.
Do ponto de vista do significado político do movimento, especialmente dos apoiadores de Jair Bolsonaro, há visões para todos os gostos. Boa parte da mídia que faz oposição clara e direta ao atual governo – e que já definiu o candidato que apoiará em 2022, embora não assuma isso-, a presença da população nas ruas teve como marca principal a ameaça à democracia e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com pregação através de faixas e palavras de ordem de intervenção militar e fechamento das instituições republicanas. Como não acreditam nisso, os “analistas” desses órgãos da imprensa tradicional projetam que o movimento popular reivindicatório, recheado pelo discurso de Bolsonaro, com citação direta de pelo menos dois ministros integrantes do STF, abriu a possibilidade concreta para que ele sofra impeachment pelo Congresso Nacional.
Essa, evidentemente, não é a interpretação dada pelos bolsonaristas ao movimento do Dia da Independência. Ao contrário, eles acreditam que o presidente saiu fortalecido do episódio e apostam que os outros ministros do STF, convencidos pela densidade do apoio popular a Bolsonaro darão um jeito para conter eventuais excessos de alguns de seus membros, possibilitando uma concertação política que permita a volta de mínima convivência política entre os poderes republicanos brasileiros. Se isso não funcionar, acreditam os defensores do presidente, o movimento popular de apoio ao governo vai continuar e ameaça paralisar o país.
Um afastamento crítico dessas posições permite vislumbrar outras vertentes para as quais pode caminhar a crise. Em primeiro lugar, apesar do apoio da imprensa a que já nos referimos acima, o impeachment ao presidente da República é um processo político que que só teria concretude se houvesse pressão popular, o que está longe de acontecer. Do ponto de vista processual, o impeachment começa necessariamente na Câmara dos Deputados, e por vontade pessoal do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro e político de perfil conciliador. Se os adversários de Bolsonaro apostarem em medidas punitivas ao presidente, partidas do Poder Judiciário, criarão condições políticas para a quebra da normalidade democrática.
De outro lado, parece pouco provável que a expectativa dos apoiadores bolsonaristas de que os demais ministros do STF possam de alguma forma conter os excessos de seus colegas ignora o tradicional, e férreo, corporativismo com que aquele poder procede, especialmente nas cortes superiores da Justiça brasileira. Quem já assistiu sessões do STF e viu ministros denunciarem uns aos outros sem que houvesse qualquer consequência sabe que é assim que funcionam as coisas naquela Corte Suprema. Assim, não é razoável imaginar que a crise possa ser amenizada por um processo endógeno de correção por parte do STF.
Se os pressupostos que acima expusemos forem verdadeiros, a única saída para evitar uma ruptura institucional no Brasil será a busca de um consenso possível, que permita um mínimo de governabilidade ao atual presidente, e inclusive, um combate final à pandemia da Covid19, que parece caminhar para níveis aceitáveis. Mas, este consenso deverá ser mediado necessariamente pelo Congresso Nacional, especialmente, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, uma vez que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o presidente do Senado, é candidato quase declarado a presidência da República. Também falece a legitimidade ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Fux, por ser parte conflitante.