
São históricos a rivalidade e os conflitos entre Portugal e Brasil, o que têm se ampliado nas redes sociais nos últimos dias com a ideia de “recolonização de Portugal”, a partir de quando alguns brasileiros passaram a chamar aquele país de “Guiana Brasileira”, que virou meme e se espalhou entre os brasileiros. Mas o que isso tem a ver com Roraima?
A resposta é que a brincadeira de recolonizar o país português remete ao passado histórico da cartografia da América do Sul que considerava a existência de uma “Guiana Portuguesa”, uma grande ilha que incluía as terras que hoje pertencem aos estados do Amapá e Roraima, antigos territórios federais na região Norte do Brasil.
Essa é uma longa História resgatada pelo professor doutor Reginaldo Gomes de Oliveira no livro “Amazônia Caribenha: processos históricos e os desdobramentos socioculturais e geopolíticos na ilha da Guiana”, obra lançada em 10 de dezembro de 2020, resultado das ações que o pesquisador desenvolve no Núcleo de Pesquisas Eleitorais e Políticas da Amazônia da Universidade Federal de Roraima (Nupepa/UFRR).
No dia do lançamento do livro, ele narrou como chegou a esse importante resgate: “Quando eu começo a discutir e a estudar os mapas holandeses sobre a Ilha da Guiana dos séculos 16 ao 18, que é fascinante, aí eu descubro que eu nasci, me criei, trabalho e moro numa ilha, uma importante ilha da América do Sul pouco trabalhada pela cartografia da América”.
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Segundo ele, somente pesquisando essa História é possível compreender a História de Roraima. A partir desse grande achado histórico esquecido dos livros, ele começou a dialogar com a Literatura brasileira e a Literatura holandesa, além de materiais em inglês, francês e espanhol, os quais são os vizinhos que construíram suas histórias junto com a nossa.
O Amapá e Roraima nascem juntos como Guiana Portuguesa no século 18, conforme está nos mapas holandeses, segundo o autor. “Você não vai encontrar mapas brasileiros com essas denominações, mas está nos mapas ingleses e holandeses ou neolandeses”, explicou ao detalhar que, nestes mapas, o Amapá é o litoral e Roraima é o interior da Guiana Portuguesa.
“A fronteira é delimitada pela margem esquerda do Delta do Amazonas com a margem esquerda do Rio Amazonas e o Rio Negro. A margem direita do Rio Amazonas e o Delta do Rio Amazonas é o Estado do Grão-Pará, que faz fronteira com a Guiana Portuguesa. E a ilha é colonizada por cinco nações, em que Roraima está bem no centro da ilha, que é a ilha da Guiana Portuguesa”, explicou.
Conforme narrou, essa importante ilha da América do Sul, que é a Ilha da Guiana, foi pouco trabalhada pela cartografia. “Quando eu levei essa discussão para as universidades, disseram que a gente não trabalha essa ilha porque desapareceu da cartografia. Com o processo de independência dessas regiões, a Guiana Espanhola se tornou parte da Venezuela, a Guiana Portuguesa, que era Roraima e Amapá, se tornou parte do Grão Pará e da Província do Amazonas, depois dos estados e faz hoje parte dos estados do Norte e da Amazônia brasileira ou Amazônia Legal”, detalhou.
As pesquisas de Reginaldo Gomes de Oliveira mostram que o desenho da ilha desapareceu da cartografia no século 20 e, até os dias atuais, só permaneceram três Guianas no litoral: a Inglesa, a Holandesa e a Francesa, as quais são conhecidas de todos, especialmente de quem mora na região Norte do Brasil.
E assim o livro mostra que Roraima já fez parte da Guiana Portuguesa e, portanto, não seria apenas uma brincadeira sem sentido recolonizar Portugal o chamando de “Guiana Brasileira”. Há um conteúdo histórico por traz disso tudo e que faz todo sentido, apesar de os lusitanos não gostarem dessa ideia de “recolonização”.
*Colunista