O resumo do que estamos vivendo em apenas uma manhã de domingo
Jessé Souza*
Enquanto um capitão da Polícia Militar de folga estapeava um frentista de posto de combustível em seu local de trabalho, em Boa Vista, em uma estrada da zona rural eram encontrados três corpos de vítimas de uma emboscada por causa de dívida em um garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esses foram os principais fatos que repercutiram, na manhã deste domingo, na imprensa e nas redes sociais.
No mesmo momento em que tais casos ganhavam ampla repercussão, lideranças do PTB concediam entrevista na Rádio Folha afirmando que o partido adotará como uma de suas bandeiras, nas eleições deste ano, a legalização do garimpo em “terras brancas” de Roraima, ou seja, fora de terras indígenas, sob a alegação de que a finalidade seria “tirar o garimpeiro da ilegalidade”.
Esse argumento precisa melhor detalhado, pois as promessas de legalização de garimpo são antigas e têm servido, até aqui, para engabelar os defensores do garimpo, os quais são induzidos a acreditar que seria possível legalizar a garimpagem da forma que ela é desenvolvida atualmente, uma atividade altamente degradadora, envolvida com crimes, evasão de divisas e outros atos ilícitos muito bem conhecido da sociedade.
No início do ano passado, o governador Antonio Denarium sancionou a “lei do garimpo”, após a Assembleia Legislativa de Roraima aprovar o projeto, inclusive permitindo o uso de mercúrio no, sob esses mesmos argumentos utilizados agora, pelo PTB. Mas a lei foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), meses depois.
Só este fato é suficiente para demonstrar que essa legalização do garimpo aos moldes do que é praticado não é possível sob a luz da racionalidade e da legislação federal. Em qualquer país desenvolvido essa prática garimpeira arcaica, altamente degradante e poluidora, bem como fomentada por um poderio econômico mantido por forças ocultas, não existe.
Denarium defende a exploração do garimpo desde 2019, a partir de quando assumiu o governo, adotando o mesmo discurso do presidente Jair Bolsonaro, árduo defensor do garimpo artesanal e da liberação da mineração em terras indígenas. Enquanto isso, a garimpagem ilegal em terras indígenas só se ampliou, assim como a violência advinda dessa prática ilegal.
O caso do triplo homicídio de domingo é apenas um desses reflexos da violência, mostrando que o garimpo em terras indígenas é uma atividade comandada sob lei severas de uma atividade ilícita bem organizada. Quem ousa desafiá-la pode sofrer as duras consequências, como ocorre também dentro da Terra Indígena Yanomami, onde até mesmo a Polícia Federal já foi recebida a tiros no ano passado.
Então, não há como se falar em legalizar garimpo em Roraima sabendo que ele está nas mãos de um poder paralelo, cujo garimpeiro é apenas mais um explorado em sua mão de obra. Quem fatura alto com essa atividade geralmente não aparece, muito menos seus investidores. Não se pode esquecer do prefeito garimpeiro que deu um bracelete de ouro para o então ministro da Educação, cuja negociação para liberar verbas também envolveu inclusive o pedido de um barra de ouro por um pastor.
É possível que possa haver até boa intensão por parte de alguns políticos em querer regularizar a mineração em terras indígenas, cuja exploração deverá ser feita por grandes mineradoras, as quais precisam se enquadrar em normas ambientais rígidas, as quais nem sempre são garantia de que não haverá tragédias, como ocorreram em Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais.
Porém, o garimpo com maquinários arrebentando florestas e leitos de rios jamais poderá ser legalizado, como muitos pensam ou são induzidos a acreditar, alimentando o eterno sonho de garimpeiros ficarem ricos da noite para o dia, como ocorria nos tempos do El Dourado. Isso absolutamente não existe e, se alguém prometer isso, trata-se de uma grande mentira.
Declarações favoráveis ao garimpo sem entrar nesses detalhes a fim de esclarecer a opinião pública não passam de embustes. E não há formas de regularizar a mineração no país sem passar por um amplo debate no Congresso. A derrota da “lei do garimpo” é a prova cabal.
Enquanto isso, o Estado fica a mercê da violência do crime organizado, dentro e fora do garimpo, além de ter que lidar com atitudes reprováveis a exemplo do policial flagrado em vídeo dando tapa em frentista de posto de gasolina, enquanto os membros das forças policiais deveriam ser exemplo diante da intranquilidade vivida pela população roraimense diante da criminalidade.
*Colunista