O único intercâmbio internacional que deu certo em Roraima: o crime organizado
Jessé Souza*
O livro “O Trem de Aragua: o grupo que revolucionou o crime organizado na América Latina”, da jornalista investigativa venezuelana Ronna Rísquez, explicita muito bem a realidade exportada pela Venezuela a partir da fronteira Norte do País: o crime organizado internacional que chegou ao Estado de Roraima e que passou a atuar em parceria com os criminosos brasileiros instalados por aqui.
Chamada pela jornalista escritora como gangue venezuelana, que surgiu no presídio de Tocorón, em Aragua, Província localizada no centro-norte da Venezuela, a cerca de 60 quilômetros de Caracas, o grupo tinha todos os predicados para se unir ao crime organizado brasileiro instalado em Roraima, mais precisamente o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção paulista que se tornou a mais importante do País. Até as formas de atuar são semelhantes: poder de mando dentro e fora dos presídios, com expansão de seus negócios criminosos para o garimpo ilegal.
E o que possibilitou facilitar ainda mais esse intercâmbio criminoso foi que o Trem de Aragua tem armas para vender aos montes, especialmente quando se intensificou a crise venezuelana, em 2017 e 2018. Além de muito fácil, naquela época era muito barato conseguir armas na Venezuela: um fuzil AR-15 no Brasil custava US$ 20 mil, enquanto na Venezuela custava US$ 5 mil. Foi a união do útil ao agradável, e assim se explica hoje por que temos muitas armas circulando em Roraima, seja no garimpo ilegal ou nos bairros de Boa Vista.
O livro cita como fonte um relatório do Ministério Público de Roraima (MPRR) que confirma a existência de uma aliança entre o PCC e o Trem de Aragua, que avançou seus tentáculos no garimpo ilegal no Sul da Venezuela e, por conseguinte, não foi difícil adentrar ao garimpo ilegal brasileiro, dentro dessa sociedade criminosa. A facção venezuelana explora ao menos 20 atividades, incluindo extorsão, sequestro, roubo, fraude, garimpo ilegal e contrabando de sucata, bem como homicídios, tráfico e lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas, contrabando de imigrantes e venda de armas a outros grupos criminosos.
A sociedade de facções venezuelana e brasileira é a principal responsável pela criminalidade que assola o Estado, especialmente porque o grupo venezuelano se espalhou pela América Latina, dando dor de cabeça também para as autoridades do Chile, Colômbia e Peru, países que denunciam a falta de colaboração do governo venezuelano. A crise humanitária na Venezuela, a partir de 2015, forçou não apenas cidadãos venezuelanos fugirem de seu país, mas também criminosos do Trem de Aragua, o que explica essa expansão.
Assim como as forças de segurança da Venezuela não conseguiram impedir a expansão da facção de lá, as autoridades brasileiras tão pouco, já que não há colaboração por parte das autoridades venezuelanas. Muito menos as autoridades locais tiveram força para deter o crime organizado daqui, que hoje domina o Estado de Roraima, especialmente o garimpo ilegal na Terra Yanomami. Esse é o cenário que muitos tentam ocultar.
Corpos desovados nas áreas centrais (Centro, São Vicente, Calungá e 13 de Setembro) faz parte dessa guerrilha em curso entre facionados. E o cenário só se complica ainda mais devido à fácil circulação de droga e armas de fogo. Salve-se quem puder! Porque ninguém está livre de ser a próxima vítima…
*Colunista
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV