JESSÉ SOUZA

O velho-novo discurso da paranoia da internacionalização sendo requentado

Operação Surumu, em Roraima, foi colocada outra vez como centro de uma teoria da conspiração (Foto: Divulgação)

Muito antes de a internet se popularizar, textos com teorias conspiratórias costumavam chegar ao público por meio das chamadas correntes por e-mails. Agora, com as redes sociais e os compartilhamentos por meio de aplicativos de mensagens, novas teorias surgem aos montes novamente, algumas para tentar jogar a opinião pública contra os direitos dos povos indígenas a terem suas terras demarcadas.

A nova-velha teoria conspiratória da década de 1990 foi desenterrada pela Revista Sociedade Militar com o título “Descubra como o Exército Brasileiro, em uma megaoperação militar, frustrou os planos de invasão à maior reserva de nióbio do mundo”, material este repercutido como se fosse algo espetacular novo, tendo como pano de fundo o nióbio.

Com tudo baseado em suposições, o material da revista faz o leitor acreditar que o Exército Brasileiro colocou para correr os militares norte-americanos, que estariam tentando tomar parte do território brasileiro, no Estado de Roraima, mais especificamente a área da hoje homologada Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O discurso é o mesmo de antigamente, falando de supostos perigos de ONGs estrangeiras, riquezas minerais cobiçadas e homologação de terras indígenas para satisfazer os interesses internacionais. É a antiga paranoia da internacionalização da Amazônia que vem sendo pregada há muito tempo e cujo discurso já deu mandato a alguns políticos locais.  

O discurso se resume basicamente em um interesse internacional na homologação daquela terra indígena como parte de um plano do governo brasileiro para apoiar a criação de uma nação indígena como uma estratégia maior para declarar aquela área de fronteira como independente do Brasil, oficializando o primeiro país indígena do mundo que teria poder de negociar diretamente as riquezas do subsolo, principalmente o nióbio.

Essa paranoia atravessou décadas e serviu de uma pesada ofensiva dos políticos locais, apoiados principalmente por empresários de garimpo e madeireiros, para impedir a demarcação e posterior homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A homologação correu, foi contestada na Justiça e discuta no Supremo Tribunal Federal (STF), onde acabou confirmada a constitucionalidade.

Depois de tudo isso, a terra indígena está aí até hoje e todo esse episódio não passou disso, de uma teria da conspiração que foi transformada numa paranoia ultranacionalista com o fim de abrir as terras indígenas para o garimpo ilegal, cuja última investida quase dizima o povo Yanomami a partir de 2020.

O tema requentado traz um aperitivo novo, de que o Exército Brasileiro desta vez não balançou o rabo da síndrome de vira-lata e partiu para cima dos militares norte-americanos, os humilhando na fronteira e os colocando para correr de calças curtas na mão. Tem que estar muito alienado para acreditar que isso realmente aconteceu um dia.

 *Colunista

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