O vendedor e o benefícioEm um passeio a uma praia do Nordeste, certa vez, um vendedor de bugigangas muito falante me abordou alegando que mantinha sua família apenas com suas vendas e fazendo questão de frisar que “não recebia Bolsa Família do governo”. Então, o questionei: “Mas esse dinheiro que o governo paga é nosso, de nossos impostos. E se seus filhos têm direito ao benefício, por que não pegar aquilo que já é seu, que é nosso, do povo?”.
Creio que ele nunca tinha sido questionado por seu argumento, pois ficou estático, sem saber responder, e estava apenas reproduzindo o que os frequentadores daquela praia, a maioria de classe média alta, queriam ouvir, ou seja, que receber benefício social do governo seria vergonhoso, que os programas sociais seriam um dos grandes males do país e blá-blá-blá…
É verdade que os governantes, em todos os níveis, mantiveram os programas sociais como uma forma de política assistencialista e eleitoreira, muitas vezes não impondo critérios para conceder os benefícios para quem realmente precisa. E os espertalhões acabam indo parar na fila do assistencialismo sem precisar daquela ajuda governamental.
O que muitos não sabem (ou fazem questão de ocultar) é que os países desenvolvidos e prósperos também mantêm políticas sociais fortes não somente para ajudar os pobres a sobreviverem, mas principalmente para nivelar as desigualdades sociais.
Só que, no Brasil, o que seria um fator para combater a desigualdade acaba por gerar outros problemas, como o assistencialismo oficial, a esperteza por parte daqueles que não precisam da ajuda governamental e ainda como comodismo por parte da sociedade, já que muitos programas sociais não passam por rigoroso critério de avaliação e fiscalização.
Pode até ser que aquele vendedor nordestino realmente não precisasse da ajuda do governo, mas sua decisão de usar esse argumento em uma praia onde só frequentava gente de classe mais alta nada mais era do que ganhar a simpatia dessa parcela da sociedade, que acha que pobre não deveria ter nenhum tipo de ajuda do governo.
Essa é a ideologia pregada pelo movimento do “pós-verdade”, que faz com os mais pobres tenham vergonha de assumirem sua pobreza porque, no Brasil, lutar por seus direitos tornou-se “coisa de comunistas e preguiçosos”. Porém, o objetivo desse movimento é impedir que haja uma redução das desigualdades, a exemplo da lei da terceirização e do congelamento dos investimentos por 20 anos, além da reforma da Previdência.
O que essa elite quer, há muito tempo, é que os brasileiros mais pobres continuem sendo sua empregada doméstica ou seu peão que faça aquilo que os senhores não querem fazer em suas casas – de preferência, que não receba nenhum benefício social do governo.
*[email protected]: www.roraimadefato.com