Opinião

Opiniao 01 11 2019 9218

A mulher que contava aviões Rodrigo Alves de Carvalho* 

Ela costumava contar aviões após o entardecer.

Sentava-se numa cadeira de palha na área da casa quando o sol baixava e o azul do céu tornava mais escuro e ficava até um pouco antes de dormir, assim que as estrelas todas já deram o ar da graça e a lua, quando surgia, pairava no centro do céu. Ao avistar os pontinhos luminosos piscando no breu celeste, anotava mentalmente mais aviões em sua conta.

Ficava horas contando os aviões que cruzavam o espaço onde seu campo de visão conseguia enxergar. Preferia contar aviões pacientemente do que assistir novelas ou qualquer outro programa na televisão. Preferia contar aviões do que principalmente interagir com seu marido, que não gostava de contar aviões e ficava assistindo novelas.

Quarenta anos de casados e tudo o que se falavam era o necessário, não havia mais diálogos. Quando o marido estava no trabalho, ela cumpria seus deveres de dona de casa como já fazia há quarenta anos, e quando o marido chegava após o entardecer, ela contava aviões.

Dois filhos casados e três netos que correm pela casa nos almoços de domingo. Vovô e vovó perfeitos, carinhosos, brincalhões e especiais, a casa era contagiada pela alegria, porém, quando os netos e filhos vão embora à tardinha, vovô deita no sofá para assistir o Fantástico e a vovó em sua cadeira de palha conta aviões.

Quando o marido desliga a TV e vai para o quarto, ela para de contar aviões e compara os aviões que cruzaram o céu naquela noite com os aviões de ontem. – Ontem passou mais aviões. – Pensa ela -mas pode ser também que eu tenha perdido alguns aviões naquela hora que fui ao banheiro. Amanhã vou confirmar.

E assim a mulher fazia seus afazeres domésticos ansiosa pela chegada do ocaso para poder contar aviões novamente e fazer a comparação do tráfego aéreo naquele pedaço de céu que conseguia enxergar da área de sua casa.

Já o marido que sabia que ela contava aviões não estava nem aí. Preferia ficar xingando políticos que apareciam no Jornal Nacional do que discutir com a esposa por ela ficar contando aviões.

E os dois viviam assim, ele trabalhava e assistia televisão, ela com seus afazeres domésticos e contava aviões. Já no domingo se transformavam em vovô e vovó.

Para ele isso estava muito bom, depois de quarenta anos de casados, não esperava muita coisa entre os dois.

Já para ela, mesmo conformada com a rotina dos últimos anos, ainda guardava dentro de si uma pequena esperança de que um dia o relacionamento poderia melhorar e o marido deixasse de assistir televisão para também com ela ficarem contando aviões.   *Nascido em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

SÍNDROME DE BURNOUT EM PROFESSORES DA REDE PÚBLICA

Giane Helena Menezes de Oliveira* Carlos Alberto da Silva Oliveira**

Embora investigado em diversas categorias profissionais, a Síndrome de Burnout na categoria docente é um problema de saúde pública que gera efeitos extremamente negativos na vida deste profissional. 

Essa síndrome está relacionada às condições de trabalho que os professores enfrentam, principalmente os que atuam no Ensino Fundamental da rede pública. Acrescenta-se a isso: os salários pouco atrativos, a desvalorização profissional, a dupla jornada de trabalho para melhorar a renda, a excessiva burocratização, a enorme exigência e responsabilidade sobre o sucesso e o fracasso dos alunos, reuniões e trabalhos adicionais que são levados para casa, como correção de provas, preparo de tarefas e avaliações de trabalhos entre outros, todos esses fatores levam ao aumento do desgaste físico e mental e geram desânimo e estresse, levando a um alto risco para a manifestação dessa Síndrome.

Outro fator que merece ser destacado está relacionado à dicotomia entre o trabalho que o professor gostaria de realizar e o trabalho realmente realizado. Isto causa uma expectativa negativa, gerando sentimentos que vão contra a concepção de trabalho que o professor teria idealizado, passando a conviver com a decepção e com a ideia de que ser professor não é compensatório. 

Burnout é um termo resultante de uma composição da língua inglesa: burn que significa queima e out que significa exterior e sugere que a pessoa com esse tipo de estresse consome-se física e emocionalmente. Salanova e Llorens (2008) descrevem metaforicamente o Burnout como um estado semelhante a um fogo que sufoca, uma perda de energia, uma chama que se extingue ou uma bateria que se esgota. 

O termo Burnout foi utilizado pela primeira vez em 1953 em um estudo que descrevia a problemática de uma enfermeira psiquiátrica desiludida com o seu trabalho.

A definição mais aceita descreve a síndrome como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho, fazendo com que a pessoa perca a maior parte do interesse em sua relação com o trabalho, de forma que as coisas deixam de ter importância e qualquer esforço pessoal passa a parecer inútil. 

O Burnout ou Síndrome do Esgotamento é uma resposta ao estresse laboral crônico, em que se percebe a presença de sentimento de inadequação pessoal, exaustão emocional, falta de realização profissional e tratamento despersonalizado com clientes e colegas de trabalho.

O nível de estresse profissional pode ser medido por um questionário Maslack Burnout Inventary (MBI), que possibilita classificá-lo e avaliar se o indivíduo apresenta sinais de Burnout, porém este instrumento não deve substituir o diagnóstico realizado por médico ou psicoterapeuta de confiança.

Os sintomas de Burnout são divididos em quatro categorias: os sintomas físicos se apresentam em forma de fadiga constante, distúrbios do sono, cefaleia, dores musculares, alterações do sistema respiratório, disfunções sexuais, imunodeficiência, perturbações gastrointestinais e transtornos cardiovasculares. Os sintomas psíquicos se traduzem por falta de atenção e concentração, alterações da memória, baixa autoestima, lentificação do pensamento, sentimento de alienação e solidão, impaciência, sentimento de insuficiência, dificuldade de autoaceitação, astenia, desânimo, depressão, disforia, desconfiança e paranoia. 

Quanto aos sintomas comportamentais, são observados negligência ou excesso de escrúpulos, irritabilidade, agressividade, incapacidade para relaxar, dificuldades na aceitação de mudanças, perda de iniciativa, aumento no consumo de álcool e drogas tranquilizantes, comportamento de alto risco e suicídio. Em relação aos sintomas defensivos, o indivíduo apresenta tendência ao isolamento, sentimento de onipotência, perda de interesse pelo trabalho, absenteísmo, ironia e cinismo.

Com relação à sua evolução, a Síndrome de Burnout possui quatro níveis de manifestação que resumidamente apresentam as seguintes características:

1º Nível: Falta de vontade, ânimo ou prazer de ir trabalhar; 

2º Nível: O relacionamento com os outros começa a deteriorar-se; pode haver uma sensação de perseguição;

3º Nível: Diminuição notável da capacidade ocupacional, podendo começar a aparecer doenças psicossomáticas, como alergias, psoríase, picos de hipertensão, entre outras; e aumento de ingestão alcoólica;

4° Nível: É caracterizado por drogadição, alcoolismo, ideias ou tentativas de suicídio, entre outras. 

Durante esse último nível, ou até antes dele, nos períodos prévios, é ideal afastar-se do trabalho. 

*Tese de Mestrado em Ciências da Educação para a obtenção do título de Mestre em Educação na Universidade Politécnica e Artística do Paraguai – 2019 Orientador : Mag. José Daniel Linares Pastore

O equilibrista

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“O homem sábio contempla o emaranhado que é este mundo e com habilidade desvia-se dos problemas tal como a águia desvia das pedras que estão à sua volta.” (Antônio C. Rocha)

Mas estou centrado naquele equilibrista. O que ele faz, sei, mas por que ele faz, ainda imagino. Só que comecei a desconfiar, ontem, com o movimento dele acompanhado de pelo menos uns quinze companheiros. Observei-o por algum tempo e desisti. 

A Ilha Comprida é uma ilha atípica. Tem setenta e quatro quilômetros de extensão. As praias estão praticamente em linha reta. É uma caminhada extraordinária, na qual você pode fazer mil e uma observações em comportamentos aparentemente estranhos. A Ilha é toda plana. Não tem elevações. Muito verde, gramas altas em todas as ruas querendo cobrir o asfalto. Mas o mais importante é quando prestamos atenção à beleza natural e extensa. Caminho sempre pelos calçadões das praias observando mais o comportamento dos animais do que o mar. Parece bobagem, mas não é. 

A rodoviária fica ali, bem perto de nossa morada. Sempre que vou até lá, fico um tempão observando os pássaros na grama. Eles ficam beliscando a grama e não estão nem aí pra mim. 

Mas ontem, aquele equilibrista me chamou a atenção. A quantidade de postes na cidade é considerável. E o destaque está na baixa altura dos prédios. Ontem pela manhã, observei aquele equilibrista. Era um urubu. Ele voava tranquilamente como se estivesse pairando. De repente posou na ponta fina de um poste a uma altura considerável. Minutos depois voou, plainou e posou noutro poste. Mudou de poste em poste e partiu. Não demorou muito e apareceu uma revoada de urubus. Comecei a contar quantos eram. Não deu. Só contei até dezoito. O bando voou tranquilamente durante, sei lá quantos minutos, dando voltas em volta da rodoviária. Aí fiquei cismado. Mas fiquei na minha. Só concluí que aquele equilibrista estava pesquisando, tentando descobrir o almoço do bando. Tomara que o pessoal da rodoviária tenha percebido.

Você já imaginou passar pelo meio de um bando de pássaros numa grama, sem que eles deem a mínima atenção a você? Naquele grupo, contei treze pássaros pequenos e uma gaivota. E tudo ali na grama em frente ao Espaço Cultural Plínio Marcos, bem em frente à minha janela. Se eu estivesse aí em Boa Vista ficaria com inveja de você aqui na Ilha. 

Encerremos o papo vazio, mas que deve ser levado em consideração no nosso comportamento diante do comportamento dos animais que, erroneamente, ainda os consideramos irracionais. Quando será que seremos realmente racionais para podermos respeitar nossos desenvolvimentos? Pense nisso. 

*Articulista [email protected] 99121-1460