A revisão das certezas – Walber Aguiar*
A dúvida é um dos maiores sinais de inteligência Drummond
Fevereiro. Acabada a festa e limpa a avenida, o asfalto encardido da realidade. Tempo de rever o que ficou guardado no “velho baú”. Momento de especular sobre o que somos e o que queremos ser. E nesse pântano enganoso das bocas, nessa areia movediça dos pensamentos, a “caverna” de Platão não oferece nenhum refúgio.
Ora, as sombras nada afirmam, apenas delineiam o mundo e suas complexidades. Vazam a frágil cortina das ideias, na tentativa de um referencial que faça algum sentido. A partir daí os conceitos têm que ser revistos, em contextos os mais variados.
Somos pequenos mundos, um microcosmo num universo maior. Trazemos o estigma, a marca da natureza humana, cheia de engano e vaziez. Por isso, “corremos atrás do vento”, segundo Eclesiastes. Por essa causa amealhamos tudo o que vemos pela frente. Somos a queda d’água que nunca se cansa de cair, ou as labaredas que não descansam enquanto não lambem o último feixe de lenha.
Desde esse ponto de vista, há uma necessidade premente de conhecer. Conhecer para amar, para perseguir a plenitude e tentar ser feliz. E nesse processo, nessa espécie de naufrágio existencial, nos agarramos a inúmeras “tábuas de salvação”. Uma delas é a nossa desgraçada autonomia. Vamos ficando distantes, soltando as mãos uns dos outros, mesmo que o inconsciente coletivo diga o contrário. Deus e o mundo ficam relegados a segundo plano, até esbarrarmos na solidão do limite e no limite da solidão. Aí começamos a rever tudo o que nos empurraram goela abaixo. A ideologia política e seu radicalismo estúpido, o conservadorismo e seu apodrecimento estrutural e psicológico, a subserviência indigna, a teoria moral de ação e reação, pregada pelos religiosos, o liberalismo sem fronteiras, o consumismo que esvazia, o hedonismo, o templismo, o fanatismo, o gozo do poder, geralmente entremeado de cólicas.
Tudo precisa ser revisitado. Ainda que seja o caminho da fé. Até porque, precisamos definir, diante da hipertrofia da graça de Deus, o sagrado que virou profano e o profano que virou sagrado. Os remendos velhos que colocaram nas vestes do Divino, os odres que não seguraram a força do vinho novo.
Assim sendo, não há nenhum oráculo. Nenhuma absolutização da vida. Qualquer dúvida pode acender uma luz, trazer um clarão diferente e acabar com a cristalização das certezas.
Depois do tedioso janeiro e da ilusão festiva de fevereiro, a “caverna” que nos habita pode ser melhor. É preciso rever tudo. E duvidar sempre…
*Poeta, professor de filosofia, historiador. Conselheiro de Cultura e membro da Academia Roraimense de Letras [email protected]
Preparação para Páscoa – Vera Sábio*”A Páscoa não é só hoje, a Páscoa é todos os dias. Se eu levar o Cristo em minha vida, tudo será um eterno aleluia…”Depois dos três dias de Carnaval, a Igreja Católica comemora na Quarta-feira de cinza o início da Quaresma, ou seja, 40 dias de perseguição, sofrimento e morte de Jesus, até o domingo de Páscoa: dia da ressurreição, maior festa da igreja, sentido da nossa fé.
Jesus, Deus homem, nasceu para viver como nós, assim temos uma linda comemoração no Natal. Porém, ressuscitou para nos mostrar que a vida não acaba quando morremos, mas sim, dependendo do que plantarmos nesta vida, poderemos colher após ela.
Não teria sentido nossa fé, nossas boas ações, nossa fraternidade, nossa evolução, nosso desejo de justiça e nossa transformação em pessoas melhores se não tivéssemos a certeza deixada por Jesus de que não somente ele nasceu, mas principalmente ele ressuscitou.
Portanto, pense no que você estará plantando neste Carnaval para saber o que poderá colher no futuro. Avalie o que você planta o ano todo para que estes 40 dias sejam suficientes para sua transformação. O que em tão pouco tempo é praticamente impossível.
Só Jesus transformou a água em vinho em um período tão curto, e isto foi possível, pois sua vida toda de santidade não dependia de espera para o milagre acontecer.
Todavia, somos fracos e falhos e conosco tudo é muito lento e por vezes erramos bem mais do que acertamos, sendo mais fácil fazer o que não deveríamos do que o que precisamos para uma vida melhor. Por isso quando damos três passos à frente em nossa evolução, voltamos dois atrás ou mesmo três e até quatro, trilhando diversas vezes o mesmo caminho, vivendo sofrimentos desnecessários por teimosia em continuar no erro.
Tenhamos muita reflexão e coragem de mudar nesta Quaresma, pois todos sentimos o quanto o mundo precisa de mais honestidade e paz; então, promovamos a fraternidade e façamos de cada dia um passo dado rumo à verdadeira Páscoa: passagem da morte para vida.
“25 Então Jesus afirmou: – Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (João capítulo 11)
*Psicóloga, palestrante, servidora pública, esposa, mãe e cega CRP: 20/04509
Vende-se um comprador – Afonso Rodrigues de Oliveira*“O que fazemos na vida é determinado pelo que comunicamos a nós mesmos”. (Anthony Robbins)Já devo ter falado pra você que eu sou um excelente vendedor e um excelentíssimo comprador. Ninguém me vence. Acho até que você deveria me procurar para algumas aulas de compra e venda. Não vou cobrar nada porque não estou vendendo meus extraordinários conhecimentos sobre o assunto. Sou um vendedor e não um explorador. Sempre que estou limpando o quintal e aquele vendedor de vassouras grita lá na esquina, corro pra dentro de casa. Fico com receio de comprar todas as vassouras do cara. E você não imagina quantas vassouradas eu levaria, da dona Salete.
Em todo esse tempão de casados ela ainda não descobriu por que faço uma zorra danada quando ela me manda ao supermercado. Não creio também que haja um lugar onde eu me perca com tanta facilidade.
Sempre que vou comprar um quilo de açúcar, entro no supermercado, pego a cestinha e saio rodando. Rodo todo o ambiente até encontrar a prateleira do açúcar, por onde passei várias vezes. Dia desses rodei, rodei e acabei pedindo socorro ao funcionário que colocava objetos na prateleira:
– Cara… Onde vou encontrar aqueles pacotinhos de refresco?
O cara bateu com a ponto do dedo na caixinha na frente dele e falou, com as sobrancelhas levantadas:
– É aqui, oh!!
Estávamos em casa. Só a dona Salete e eu. E ela determinou severa:
– Vá comprar o pão. São seis. Três massa-fina e três massa-grossa, porque pode aparecer alguém.
Entrei no supermercado, peguei a cestinha e cheguei ao balcão. E é aí que me enrolo. Sempre brinco com o pessoal do balcão. Já me conhecem. Mas quem me atendeu foi uma novata. Falei apressado:
– Três e três.
Ela nem pestanejou. Embrulhou os pães, mos entregou e os joguei na cestinha. E só quando cheguei ao caixa foi que percebi que um dos pacotes era muito grande. Olhei e fiquei meio tonto. Num dos saquinhos havia três massa-grossa e no saco maior, havia treze massa-grossa. Ri muito e a moça do caixa me sugeriu voltar ao balcão. Mas não voltei. O erro foi meu e não da atendente. E, aliás, um dos erros mais banais que cometo, como um ótimo comprador.
Saí sorrindo pela rua, imaginando a bronca que receberia em casa. Mas não houve bronca. A dona Salete é especialista e fazer pudim de pão. E estamos comendo pudim até hoje. Não aguento mais. Mas como ela só come o pãozinho doce, sempre que nos sentamos à mesa ouço a irônica crítica ao bom comprador que sou. E só agora descobri por que ela não permite que eu entre no mercado de vendas. E nas poucas vezes que tentei, foi o maior fracasso. Pense nisso.