Melodrama das contraditas – Tom Zé Albuquerque* A queda-de-braço entre coxinhas e petralhas continua e tende a se acirrar. Mesmo após o vice-presidente assumir o Brasil, os ânimos não recuarão. A regra se inverterá e o Partido dos Trabalhadores – PT voltará a ser oposição (papel que sempre fez com maestria) e, como se diz lá no nordeste: “a chibata vai troar”.
Vale lembrar que são nítidos e incontestáveis os inúmeros desmandos que o PT praticou no país, afundando a nação numa crise imensurável. O maior esquema de corrupção da história brasileira ganhou musculatura na gestão petista; se apropriar de milhões, para o partido avermelhado, é pensar pequeno, as cifras ganham notoriedade pelos bilhões desviados dos cofres públicos, diretamente ou via empresas. O Brasil está afundado em lama, sem poderio financeiro, sem credibilidade e sem perspectiva.
Contudo, algo esdrúxulo tem ocorrido nessa balbúrdia toda que é a tentativa de exclusão dos partidos aliados da responsabilidade pelo caos instalado no país, em especial o partido do substituto da Presidente petista (pronunciar presidenta é um golpe (sem trocadilhos) à língua pátria). É natural – ou pelo menos deveria ser – que em todas as ações que envolveram a vice-presidência haja também punições, extensivas ao Congresso Nacional. Embora utópico, mas acredito sim nesse cenário, talvez por uma nova eleição, mormente essa conjuntura dependa da recuperação econômica que afetará intimamente o transcorrer político no país.
Enquanto isso, petistas disparam impropérios ao grupo do constitucionalista Michel Temer, acusando-o de golpista, traidor, judas e outros tabuísmos impublicáveis. Ora vejam, de aliado ferrenho, intocável, parceiro, confrade, o vice-presidente passou a ser uma escória. Num passe de mágica, o PT transformou seu consorte em facínora. Quando é para defender seus interesses, o partido do lulão cria uma aura blindada seja em quem for; se desacorda com os anseios mais primitivos do partido, vira malfeitor. Alegar que a dilmona não pode cair porque o vice não é “flor que se cheire” chega a ser risível de tão infantilizado. Não se punirá infrator neste país, é isso? De corrupto à estuprador, sempre surgirão infringentes, e mais e mais…
O desmiolado discurso de “golpe” já não consegue convencer nem mesmo os leigos; são irrefutáveis as provas de crimes contra a nação praticados pelos donos do poder, mas, mesmo assim, dialogar com petistas ou simpatizantes não é uma tarefa fácil, porque seus argumentos estão vendados aos fatos escancarados, afrontando a lógica. Ultimamente têm-se desferido golpes contra a Constituição Federal, na tentativa de desqualificar o processo de impeachment (que está previsto na mesma Carta Magna), colocando em suspeita a atuação da Corte Suprema do país e o Congresso Nacional, ambos aplaudidos fervorosamente, no passado recente, por inúmeras vezes pela cúpula petista.
Pra piorar, ultimamente pessoas se autodenominando “artistas” – geralmente da rede plim-plim – se manifestaram a favor do partido do mensalão/petrolão. Sabe-se que alguns deles são beneficiados pela Lei Rouanet, um artifício pra destinar dinheiro da população para pessoas famosas e que deveria se chamar “Lei Chico Buarque”. Aliás, no Brasil, criou-se um mandamento amalucado que todo “artista” é inteligente e tem senso crítico. Tudo falácia. O Brasil virou um teatro a céu aberto de banalidades e pachouchadas.
Já foi pesquisado sobre quantos livros em média os “artistas” brasileiros leem por ano? Qual o nível de escolaridade deles? Quem dá cuspida no rosto das pessoas está dramatizando ou é na real? Afinal, o que é, em nosso país, um “artista”? *Administrador—————————————– Miniatura Moral – Luís Francisco Munaro*O bolsonariano, esse tipo catalisado pela insatisfação política e social, julga-se de fato elevado pelo mais puro exemplo moral, julga estar no Céu cristalino dos valores castiços, tanto que, a despeito de qualquer tentativa de discussão (para que discussão se já sei que estou certo?) ele encaixará o outro dentro dos padrões binários para os quais a sua cabeça já está bem treinada: petralha, comunista, soviético, cubano, homossexual, dentre outros epítetos considerados pouco simpáticos. A moralidade desses paladinos que se multiplicaram de uma hora para outra com ideias bastante estranhas, curiosamente tendo a si mesmos como messias da política, merece ser examinada de forma um pouco mais detida. Mais do que como fenômeno político, como fenômeno antropológico, que revela algumas nuances do animal homem.
Quer dizer, quais são os alicerces morais que embasam a conduta desse tipo tão puro? Bolsonaro cresceu, em termos políticos, tendo como plataforma a defesa da família contra a ameaça gay (comunogayzismo).
Isso quer dizer que o bolsonariano deve ter o próprio órgão genital com muita consideração, usando-o de forma objetiva para propósitos de procriação. “Gays não geram família” é uma frase que tem sido repetida como um mantra sagrado. Logo, a visão do próprio pênis ou da própria vagina deve estar rigorosamente baseada no contato com um órgão sexual oposto para a geração de filhos e esse é um motivo de orgulho para o bolsonariano.
O segundo mantra é a defesa das armas. Armas são boas, já que podem defender a família, a tradição e a propriedade. As famílias deveriam ter armas. Pais responsáveis usariam as armas para defender os seus filhos dos bandidos, vagabundos e comunistas. Não importa que qualquer briga de trânsito vire um tiroteio à luz do dia. Os sujeitos responsáveis que têm armas vão saber defender a família, os homens de bem, os cristãos e a propriedade, que é sagrada. Nenhum homem de bem morreria através das armas. Armas foram feitas para matar os bandidos.
O terceiro mantra é a revitalização da memória da Ditadura Militar. A Ditadura foi um regime político bom orientado pelo combate ao comunismo soviético. Não importa que tenha havido torturadores, assassinos e que as ações do governo não admitissem qualquer possibilidade de crítica. Era tudo muito justificável, porque se estava defendendo os valores da família brasileira contra os comunistas. Em outras palavras, pode-se matar e torturar, já que os inimigos são bandidos, já que eu sou o paladino moral. Não importa verdadeiramente a vertente ideológica propugnada pelo inimigo: ele é comunista e seu extermínio é por si justificável.
O quarto mantra é o horror aos imigrantes. Imigrantes estão corrompendo o Brasil. Não importa que, nessa terra indígena, sejamos todos imigrantes. O país deve ser considerado, de forma objetiva, aquilo que se estabeleceu a partir do século XX, quando sucessivas levas europeias lhe deram um pouco de fisionomia caucasiana. Novos imigrantes de regiões afetadas por guerras ou desastres naturais como o Haiti ou a Síria são a “escória do mundo”. Devemos tratá-los mal, porque nós somos puros, bons, e representamos a verdadeira família brasileira.
O quinto mantra é a criminalização das drogas. Evidentemente, a criminalização das drogas que já se tornaram, de alguma forma, ilegais. Isso não implicaria em nenhum prejuízo para a indústria química, que está calcada na propriedade e no dinheiro, valores sagrados. Está sim calcada na luta contra as drogas consideradas drogas de vagabundos, como a maconha, a cocaína, etc. O Estado deve proibir o sujeito de fazer o que quiser com o próprio corpo, evitando que se torne um vagabundo, lutando para que se transforme num pai de família bom, trabalhador, armado e sem tempo para ter ideias desnecessárias. Ideias não são boas. É preciso apenas ter o grupo de ideias mais fundamentais para o crescimento do país, o extermínio dos comunistas e a defesa da família tradicional brasileira não indígena.
Há ainda outros mantras, como a defesa da pena de morte, a criminalização do aborto mesmo no caso de estupro (mulher decente não é estuprada, como certamente diriam), a educação militar (disciplina é mais importante que pensamento); talvez se somassem a esses o toque de recolher (vagabundo não fica na rua depois das 18 horas), a criminalização do álcool (só vagabundo precisa beber), a restrição dos programas na televisão (ver televisão é coisa de vagabundo), dentre outras sumidades que já estiveram em voga e poderiam, sem muita dificuldade, ser resgatadas.
Está mais do que claro que essas ideias, propugnadas pelo Mito, são a mais pura bobagem. Não deveriam ser levadas a sério em nenhum círculo minimamente esclarecido. Contudo, são bobagem que tem efeito sobre o sujeito que, olhando a si mesmo no espelho, na monotonia dos dias, quer enxergar-se como alguma coisa, quer se ver transformado no paladino de uma luta moral. É o sujeito que não tem ideias, cuja cabeça não consegue fazer sequer um simples esforço de perceber a diferença, e se transforma na comissão de frente de uma luta espetacular entre o Bem e o Mal. Noutras palavras, Bolsonaro deu ao medíocre, ao monótono, mais do que uma razão de existir: tornou-lhe o protagonista de qualquer coisa.*Jornalista, professor universitário—————————————— Será saudade? – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos”. (Bob Marley)Não sei se você sabe, mas sei que sabe: quem sente saudade é porque foi feliz. Aí não tem como esquecer o Laudo Natel: “Saudade é a presença da ausência”. E haja saudosismo. Mas faz bem. Não sou saudosista nem sentimentalista, mas já sou dos que já viveram pacas. Não ria não. Não é que senti saudade de Boa Vista, hoje pela manhã? E o motivo é quase hilário. E foi causado por um edredom. Não sei por que os repórteres quando falam de chuvas e, sobretudo, de quedas de temperatura, referem-se a casos recentes. Na década de cinquenta, por exemplo, era muito comum eu me levantar, pela manhã, com uma temperatura mediando o zero grau. E isso era comum à época. E quando a temperatura atinge nove graus, atualmente, os repórteres fazem uma balela danada. Mas eles têm razão. Eu também fiz, ontem.
Acordei, pela manhã e me assustei quando olhei para o relógio. Passava das dez horas. Joguei o edredom para um lado e pulei da cama. Ainda bem que os meus problemas por aqui já terminaram. A dona Salete continuava dormindo e sem refletir, gritei:
– Tinha!!! Levante-se e vamos pro aeroporto!
Só quando ela levantou-se assustada foi que percebi a besteira que fiz. Aí me derramei em desculpas. Era que eu estava assustado com o frio nos meus pés. Desculpei-me com a dona Salete e ri muito de mim. Era como se eu fosse um visitante a São Paulo, temendo uma temperatura praticamente normal, quando já vivi temperaturas, por aqui, até inferiores a zero grau. A verdade é que me acostumei ao calor abrasador de Roraima. O edredom já não faz parte dos meus costumes. E por isso aproveitei o susto, e estou dando no pé. A qualquer hora estarei chegando a Boa Vista com a camisa aberta, acolhendo o calor de Macunaíma.
Vamos falar sério. Vamos dar mais atenção às coisas que merecem mais atenção. Estamos perdendo tempo com futilidades que não nos levam a lugar nenhum. Foi depois do café que comecei a refletir sobre o quanto perdemos de tempo com o que não nos interessa. Estou preocupado com as notícias que leio todos os dias sobre política em Roraima. E a preocupação está em observar que não mudamos nada em relação à política do Brasil. Ou mais precisamente, estamos todos na mesma piroga furada. Vamos afundando lentamente sem perceber o perigo nas mudanças climáticas dentro de apolítica. Ainda não somos capazes de perceber o contraditório; não é a política que está mudando; somos nós que estamos estagnados e não mudamos. Ainda não descobrimos que já deveríamos ser mais políticos. Pense nisso.*[email protected]