Opinião

Opiniao 03 08 2019 8678

Uma manhã – Luiz Maito Jr*

Saiu cedo de casa, tinha que resolver coisas fora de sua rotina, tomou o primeiro coletivo rumo à periferia, pesquisa de preços, uma, duas três lojas, talvez nem precisasse o melhor preço estava bem próximo de sua casa, tomou o coletivo de volta pra casa, ônibus com problema, o motorista lutando o tempo todo com a primeira marcha que teimava em entrar, até que não entrou mais e pediu que todos saíssem, pois o ônibus tinha quebrado de vez. Caminhou uns duzentos metros até o ponto mais próximo. Sentou-se à espera do próximo e viu a vida passar em três atos, o país em crise, e sua cidade com problemas que o mundo todo se enxerga, seja lá no mundo que chamam de primeiro, seja aqui onde o vizinho não consegue sobreviver em seu próprio lugar. A diferença que se escolhe acolher ou não. Em frente ao ponto uma barbearia descuidada, preços módicos e palavras em espanhol designando os cortes, vazia. Ao lado uma porta fechada com os dizeres “Llamadas internacionales”, até a saudade tem seu preço, alto provavelmente, como é alto o preço de ser um desterrado em terras hostis. Ainda ao lado da porta fechada das chamadas internacionais, numa pequena padaria a sua frente, uma mulher e três crianças em volta, uma quarta sai com quatro pães. No mesmo instante cada uma das crianças ganha um pão. Ela segue com fome, provavelmente. Pouco depois passou uma cachorrinha. Moradora da rua, esquálida, boca aberta, seca, fome e sede em sua expressão dolorida. Lembrou-se que dois dias antes um desses pobres caninos de rua caminhava saltitando, sem pôr uma das pernas no chão. Ao aproximar-se do pequeno, uma chaga enorme na patinha poupada. Começou a segui-lo, provavelmente entendendo que a compaixão do olhar dele poderia salvá-lo. Não dava, ele não tinha como fazer isso. Antes de dormir, chorou e fez uma oração por aquele e por todos os outros que nas ruas sofrem as maldades destes dias. Uma lágrima ainda brotou em seus olhos, mas em seguida, uma senhora, uma menina empurrando um bebê em um carrinho. Passaram pelo ponto onde estava sentado. A senhora parecia ensinar aquela criança como cuidar daquele bebê. Uma criança de provavelmente quatorze ou quinze anos, aprendendo a ser mãe, e nem provavelmente sabia ainda o que era ser adolescente, passaram por aquelas calçadas mal tratadas, tentando manter o bebê dormindo, lentamente desapareceram na outra esquina. As tragédias nossas de cada dia, expostas não na televisão ou nas letras frias de um jornal, enfileiradas em pouco mais de meia hora, sentado não na sua poltrona favorita ou num café com amigos, mas no banco de madeira de um ponto de ônibus. Um documentário real em três takes, uma monografia em três capítulos, a realidade em várias idades, nacionalidades e desesperança. O ônibus que esperava chegou e minutos depois estava em casa almoçando, alimentando seu cachorro e olhando para seu filho com outros olhos.

*Pós-Graduando em História da Amazônia

COM QUEM VOCÊ TOMARIA SEU ÚLTIMO CAFÉ? – Wender de Souza Ciricio*

Essa pergunta foi feita num encontro pedagógico e gerou uma razoável inquietação entre os participantes. Quem ali estava se viu encurralado. Tirar uma pessoa dentre tantas que amamos, que consideramos e que marcam nossas vidas não é em nada fácil. Como, entre dois ou três filhos, levar apenas um para o último café? Como escolher sua mãe em detrimento de seu pai? O difícil nisso não está em quem levar, mas em quem deixar de levar.

O fato é que a pergunta nos obriga a irmos para uma única pessoa, e não várias. Essa escolha é complexa, principalmente quando amamos e somos amados por várias pessoas. Apesar de estarmos num universo em que os egos têm sido insistentemente inflados, ainda existe amor. Existem pessoas que valorizam o outro, que se entregam, que se repartem e se doam desmedidamente a outras e tudo isso favorece a construção de sentimentos sinceros e genuínos. Mesmo existindo pessoas excludentes também existe ser humano que tem em seu universo uma gama enorme de pessoas amadas e queridas. Por isso, como escolher apenas um para o último café?

A contrapartida é inverter a pergunta: Alguém te levaria para esse último café? Alguém o ama tanto a ponto de excluir outros em benefício de você? E quem seria essa pessoa? Você tem plena certeza de que é querido, amado e respeitado por outras pessoas para receber esse convite? Na dinâmica do amor, cria-se formas de descobrir isso.

O amor é uma conquista, é uma escolha e decisão. Quando você decide amar e fazer isso de forma incondicional, sem restrições e “apesar de” não ter dúvida que pode ser convidado para o último café de alguém que foi privilegiado com essa sua postura. Não se envolva com aquela utopia de que será amado por quem você bajula, faz vistas grossas aos erros e concorda com tudo que outras praticam e falam. Ledo engano também imaginar que amor é legítimo quando você é seletivo e escolhe amar somente pessoas que te dão bens, presentes e que vivem sem tocar e indicar falhas de seu caráter. Para tomar café com alguém tem que amar de fato e de modo palpável e legítimo, isso na saúde, nos momentos de refrigério, como também na dor e na angústia. Amar é fazer o outro feliz.

Para honra minha fui convidado a tomar o último café com um rapaz vítima do vírus HIV. Foi numa época em que o tratamento era ineficaz e a vida para essas pessoas contaminadas era curta demais. Lá no hospital esse rapaz me chamou, abraçamos, rimos, conversamos com Deus e ele, segurando forte em minhas mãos, deu o último suspiro. A morte o levou e a cena foi triste e angustiante. Nesse clima de perda uma pergunta me consumiu: “O que o fez me escolher para o último café de sua vida?”. Com toda sinceridade nunca fui tão presente na vida dele, não gastei tanto tempo com ele, a convivência foi curta e estreita. Não me achava digno de tamanho privilégio. Entretanto uma luz veio em minha mente me relembrando que o pouco tempo que gastei com ele foi de fato pouco, mas foi de qualidade, teve substância, teve coerência e profundidade. Nesse pouco tempo doei para ele porções da Bíblia, de salmos e de Deus. Ele tomou seu último café comigo para ter a certeza de que tomaria café com Deus todos os dias, para sempre. Quem vai te convidar para o último café? Que motivos pessoas teriam para te fazer esse convite?

*Psicopedagogo, historiador e teólogo [email protected]

Somos animais, sim – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“De todos os animais, o homem é o único que não pode subsistir sem o governo.” (IBN Khalbun)

Não fosse assim e não seríamos o que somos. E o que somos é difícil de entender. Então, vamos debulhar o milho e comer os caroços. Depois que cheguei à Ilha Comprida, comecei a observar o comportamento dos animais, considerados irracionais. Os cachorros, então, têm me deixado boquiaberto. Acho que já lhe falei do dia em que estive na ponta norte da Ilha e me encantei com o comportamento de um cachorro. Na ponta da Ilha, o mar despeja uma quantidade de resíduos considerados lixo. É uma devolução do que os animais racionais jogam no mar, como se ele, o mar, fosse uma lixeira. E no meio dos resíduos vêm muitas plantas aquáticas, das que vivem no fundo do mar. Mas o que nos chamou a atenção foi o comportamento do cachorro. Como ele entrou no meio das ondas com o comportamento de ser humano. Tomou o banho, saiu, enxugou-se nas folhas trazidas pelas ondas, foi embora.

Ninguém mandou nem permit
iu que aquele cachorro fizesse aquilo. Ele foi porque quis ir, e pronto. E por que não fazemos isso, como seres humanos? Por que temos que pedir permissão até mesmo a nós mesmos? Por que não sabemos viver sem o controle dos outros? Então vamos aprender a respeitar os outros, já que não podemos viver sem eles. Nunca tome uma decisão pensando só em você mesmo, ou mesma. Sua decisão pode estar beneficiando, tanto quanto prejudicando, alguém. 

Pense nisso sempre que for eleger alguém, mesmo que seja fora da política. Quando elegemos estamos efetivando o que indicamos. E o mais racional é você escolher sem necessitar de indicações. Uma indicação pode estar levando você à vereda indicada pelo sapo da Alice. Mesmo sabendo que somos o único animal sem capacidade de decidir por si mesmo, devemos tentar desobedecer à condição de subordinados. Quando nos deixamos influenciar pelas indicações, estamos na gangorra da necessidade. O importante é que amadureçamos para saber o que queremos na racionalidade. E a racionalidade abrange e acolhe toda a humanidade. O que faz com que sejamos todos iguais. As diferenças devem ser respeitadas por serem diferenças. 

As mudanças climáticas fazem parte do Universo. E nós, simples seres humanos, fazemos parte de uma pequena parte de um pequeno universo ainda em transformação. Então vamos fazer parte, colaborando para a transformação, sem a preocupação com as mudanças. E devemos começar a mudar mudando nosso comportamento em relação ao nosso próximo. Vamos nos respeitar como somos. E só faremos isso respeitando as diferenças entre nós. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460