Um filme em que você é o herói
Pedro Panhoca da Silva*
Já há um tempo que a Netflix planeja um novo tipo de entretenimento: um programa/filme/curta no qual o próprio telespectador é quem decide como o enredo continua.
Esse tipo de entretenimento não é novidade: existe pelo menos desde a década de 1930 na literatura e desde 1980 na indústria de games, seja nos jogos dos primeiros computadores como os Text Adventures (sendo Zork um famoso expoente) ou os livros-jogos (séries como Fighting Fantasy, Lone Wolf e outras dezenas delas) os quais muito jogador de RPG tinha como “ritual de iniciação”.
Assim como antigamente se evitavam filmes de super-heróis por falta de recursos, hoje se acredita que o famoso provedor global de filmes e séries de televisão via streaming tenha tecnologia suficiente para fazê-los, e com sucesso. Mas será que o boom vai ser o mesmo conseguido pelas produtoras que apostaram nas eternas rivais Marvel e DC? Alguns creem que seja uma visão utópica, pois o que o assinante gosta mesmo é de consumir passivamente o que lhe é oferecido. Porém, o conteúdo muitas vezes pode ser de alto padrão de complexidade, fazendo-o refletir como questões, tabus e regras podem ser questionadas hoje no mundo. Pois então: o consumidor quer mais do mesmo ou inovação no formato?
Uma boa noite de sono pode ser uma boa metáfora para tal. Comparando tal situação com um sonho (com o perdão do trocadilho, ela ainda o é), os “passivos” diriam que já que tomaram inúmeras decisões em seu dia, como que caminho é o melhor para se chegar ao cliente, qual tarefa precisa ser prioritária nos serviços do dia, o que comer no almoço, entre outras. De fato, nossa vida é interativa. Por isso, o sono deveria nos guiar e não ser guiado, deveria apenas ser obedecido, seguido, aceito. Já os mais “ativos” adorariam aprender a controlar também seus sonhos e torná-los lúcidos para poderem não só vivenciar 100% de seu dia, mas principalmente por poderem “realizar” atos impossíveis na vida real. Portanto, ambos têm bons argumentos.
De qualquer forma, só avaliamos o produto depois de finalizado. Custa à Netflix tentar, e seu público, avaliar. O certo é que se somos técnicos de futebol e mudaríamos a escalação de nossos times e jogadas em campo, e por vezes também somos roteiristas que fariam do enredo algo diferente.
Fazer o filme algo controlável? Se concorda, sorria e imagine essa novidade chegando em nossas telas. Se discorda, desacredite e torça para a Netflix também o fazer. Querendo ou não, já começamos nossas escolhas por aqui, não?
*Mestrando em Literatura do programa de Pós-Graduação em Letras da Unesp – Campus de Assis. Atualmente é professor de Leitura e Produção de Textos da Fundação Hermínio Ometto.
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Meninos para viver
Walber Aguiar*
“E há tempos o encanto está ausente / E há ferrugem nos sorrisos…” (Renato Russo)
Era inverno. Tempo de reflexão e muita água acumulada acima de nossas cabeças. Também era o momento de correr na chuva, de observar o voo camicase dos insetos na direção da vida e da morte. Meninos e meninas se lambuzavam na rua encharcada, na tentativa de extrair qualquer coisa nova dos dias apressados.
Ironicamente, naqueles dias rolavam comentários acerca do céu e da terra, da liberdade e da prisão, do pântano e das flores no lavrado. Falava-se muito de uma tal de redução da maioridade penal. Seria isso uma forma de absolver os homens e condenar os meninos? Ou uma espécie de inveja dos mais jovens?
Ora, onde está a educação de meninos e meninas? Falo de uma educação de qualidade, não de escolas com professores mal remunerados, desanimados e sem a estrutura mínima para desemprenhar suas funções. Falo de exemplos a serem dados, conduta ilibada, profundidade ética de homens públicos que querem devorar sem dar preparo, que querem vigiar sem amar, que querem punir sem usar a consciência e julgamento próprios.
Assim, a grade maioria dos jovens de dezesseis a dezoito anos, sem falar nos mais novos, carregam sobre si mesmos o devido castigo. A dor de pais desestruturados, a pobreza hereditária, o esfacelamento da conjugal idade, a falta de geração de emprego e renda. Ainda pesa sobre eles o fato de ter nascido num país que foi colonizado pela exploração, pelo saque, pelas propinas, por um jogo político sujo e venal, que, no entender de Rui Barbosa, faria com que o homem sentisse vergonha de ser honesto.
Ora, esse é um dos argumentos contrários à redução da maioridade penal. Muitos outros ainda serão desfraldados nos textos que se seguirem a este.
Os “homens” públicos que defendem a redução da maioridade penal pensariam diferente, se seus filhos e netos fossem os punidos, os infratores, os dejetos que a sociedade empurra para debaixo do tapete.
Numa sociedade composta por uma elite burra e vazia, os frutos ruins precisam ser curados. É muito fácil espremer e transformar em suco o subproduto de um pomar cheio de fungos morais e bactérias aéticas.
Era inverno. Meninos e meninas queriam apenas florescer e dar bons frutos…
*Advogado, poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras.
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Medicina do trabalho ou comércio?
Marlene de Andrade*
“Melhor é o pouco com o temor do Senhor, do que um grande tesouro onde há inquietação” (Provérbios 15:16)
Vivemos na era da tecnologia avançada e a Medicina tem tido muitas vantagens ao poder dispor de uma série de exames laboratoriais, mas o que não se pode é usar essa tecnologia em medicina do trabalho no lugar de fazer anamnese, ou seja, fazer a história do trabalhador e deixar de fazer o exame físico do mesmo.
Porém, o que mais estamos vendo hoje é o empregador tendo que arcar com uma série de exames desnecessários como, por exemplo, Eletroencefalograma. É importante esse exame? Evidentemente, que sim, contudo ele deve ser solicitado quando há suspeita de anormalidade na atividade cerebral, indícios de epilepsia, e entre outros, disfunção da consciência.
O exame clínico é dividido em duas etapas: a anamnese e o exame físico. A partir daí o médico tem todo direito de solicitar exames complementares, todavia do jeito que anda a medicina do trabalho parece que virou um jeito de ganhar dinheiro nas costas do empregador solicitando uma gama enorme de exames totalmente desnecessários.
Daqui a dez dias devo ser operada por um ortopedista de excelência, pois tenho uma artrose grave na região coxo femural/D que ao exame físico já dá para selar o diagnóstico, mas esse médico solicitou um RX simples de meu quadril para confirmação do diagnóstico.
Perguntei-lhe se não era necessário me submeter a uma tomografia computadorizada e ele bem incisivamente disse: não. É que o diagnóstico já estava para ele praticamente selado pela minha história e pelo exame físico.
Fiz o tal RX que é um exame bem acessível financeiramente e daí ele fechou o diagnóstico e solicitou a minha prótese sem “mimimi” e exames sofisticados e desnecessários. Claro que ele solicitou o risco cirúrgico, contudo nada além dos que o protocolo exige que seja feito. Isso que é médico consciente de seus deveres profissionais!
Então para que equipar uma clínica de medicina do trabalho com aparelhos de Eletroencefalograma, Eletrocardiograma, os quais, diga-se de passagem, serão laudados fora do estado o que muito, inclusive, questiono. Fazer colheita de sangue urina e fezes dentro da clínica que não é laboratório também questiono bastante. E isso tudo para quê? Ganhar um lucro em cima do empregador? Para mim, tais práticas também são uma espécie de corrupção. Ou será que não é possível obter informações sobre o estado geral de saúde do trabalhador a partir dos sinais e sintomas que ele nos traz?
Um coquetel de exames laboratoriais muitas vezes é desnecessário e para isso o médico tem que ter bom senso e solicitar esses exames para confirmar um possível diagnóstico, pois o que passar disso é corrupção e uma maneira desonesta de exercer a medicina do trabalho.
*Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT
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Educar é simples
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Educação não é uma questão de falar e ouvir, mas um processo ativo e construtivo.” (John D. Wey)
Ainda há quem ria quando digo que a maior universidade do mundo é a Universidade do Asfalto. Porque o processo educativo é construtivo. Nós o construímos no dia a dia, baseados no que nos foi dado como Educação. O Moisés Hause, (assim mesmo, com a), já dizia que o bom exemplo é a melhor didática. O que significa que para educar precisamos ser educados. Simples pra dedéu. E nossa educação está no balaio de gatos em que o Brasil está. A má formação nas escolas, até mesmo nas do ensino superior, é estarrecedora. A vulgaridade está assolando os meios culturais populares, de maneira arrasadora.
Recentemente um dos meus filhos pegou sua filha, na escola. Já no carro, de repente, a garota começou a xingar o Temer, e falar sobre os absurdos no governo dele. Meu filho perguntou onde ela teria ouvido aqueles absurdos, e ela respondeu:
– Foi a professora que falou pra nós, na aula.
E isso não é tão raro pelo Brasil afora. É muito mais comum do que imaginamos. E os prejuízos causados por esse descontrole na formação dos nossos adolescentes é incalculável. E podemos ver isso no comportamento das pessoas nas salas de espera onde quer que estejamos. Ontem eu estava numa agência bancária, quando um cidadão, com uma criança no colo, ia passando por mim e sua chave caiu no soalho. O homem virou-se, e eu avancei, apanhei a chave e a passei pra ele. Ele a pegou e, acredite, não foi capaz de, pelo menos, dizer, obrigado.
Episódios como esse acontecem frequentemente, nas ações em que damos atenção e respeito a pessoas que deveriam ser educadas. Exemplos singelos, mas que indicam o quanto devemos prestar mais atenção ao despenhadeiro em que estamos caindo. E seria bom que começássemos a prestar atenção ao descaso que estamos dando à língua portuguesa. Podemos ver isso lendo a imprensa e ouvindo os âncoras da mídia televisiva falarem coisas simples, mas que indicam o descaso. Tão simples que nem lhes prestamos atenção. Por exemplo: ontem ouvimos um âncora da televisão, dizer, no telejornal: “O evento acontece nos dias 6 e 7 de dezembro.” Deu pra sacar? Estamos correndo o risco de voltarmos a ser considerado o que éramos, para o exterior, no início do século XX: “O país dos macacos.” Cuidado com a educação que seu filho está recebendo nas escolas. Mas não deixe de fazer sua parte, porque as escolas não educam, elas apenas ensinam. A Educação é uma responsabilidade dos pais. Então vamos fazer nossa parte para podermos esperar um futuro melhor para os nossos filhos. Pense nisso.
*Articulista
99121-1460