Quem foi educado para ser pai?
Flávio Melo Ribeiro*
Em geral, os meninos não são educados para cuidar dos outros, no máximo olhar os irmãos e não deixar que nada de ruim lhes aconteça. Na adolescência, o menino é incentivado a sair, se divertir, buscar os amigos e cobrado para estudar. Muitas vezes, é orientado a não se envolver emocionalmente com ninguém, com a justificativa de que é novo e que não deve se prender a um relacionamento. Porém, essa será a pessoa que se tornará pai. É interessante questionar: qual a educação que se dá até hoje aos homens para eles serem pais?
Alguns anos atrás, fui convidado para ministrar uma palestra sobre a relação pai e filhos e só foram convidados pais e avós. Cheguei a pensar que não teria público, no entanto, me surpreendi: compareceram 240 homens querendo entender melhor como estavam suas relações com seus respectivos filhos e filhas. Isso mostra, de certa forma, uma carência nessa área, visto que existe muito material voltado para as mães e pouco voltado para o papel de pai. Muitos dos questionamentos feitos naquela noite foram em virtude do afastamento dos pais no dia a dia da educação dos filhos. Queriam saber o que fazer em determinadas situações que lhes eram novas porque as esposas estavam solicitando que assumissem, mas lhes faltava uma base sobre o que fazer.
Essa realidade já aparece na própria educação dada pelos pais porque o menino, muitas vezes, é afastado dos afazeres e organização da casa. Só que esse tipo de educação vai refletir diretamente enquanto adulto e pai de uma criança. Tanto que, em geral, o pai cuida da criança levando em consideração mais a realidade dele do que a dela. Ao brincar com os filhos, busca brinquedos nos moldes dos quais brincava quando pequeno. Porém, as lembranças do adulto em relação a sua infância são a partir dos seus cinco anos. Antes dessa idade, o adulto lembra-se de alguns flashes. Isto significa que vão se lembrar de brincadeiras de quando tinham por volta dos oitos anos e que são incompatíveis com um bebê ou uma criança de três anos. Porém, é nesse período que se vê pais cuidando de filhos de forma inadequada. Como os pais que são representados nas fotos que circulam nas redes sociais que deram um jeito de acomodar o bebê junto ao seu peito, deixando-o virado para frente, para que possa se distrair prestando atenção no monitor enquanto o pai compete em algum jogo pela Internet ou brincadeiras brutas para a idade do filho. Muitas vezes, o filho se diverte mais, pois encara como uma aventura nova e pode fazer coisas que sua mãe nunca lhe permitiu fazer.
Faz-se premente pensar numa reeducação dos meninos que os prepare para serem pais.
*Psicólogo CRP12/00449
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O invisível existe
Wender de Souza Ciricio*
Em 1975, um seriado estrelado pelo ator David McCallum mostrava um cientista que dedicou parte de sua vida a alcançar a invisibilidade. Ao criar a fórmula em seu laboratório, ele mesmo resolveu ser cobaia da experiência. E deu certo, incrivelmente, ele virou o Sr. Invisível. O melhor de tudo é que ele usou sua inusitada experiência para combater o crime e, mesmo sem ser visto pelos fãs, tornou-se herói.
Por causa desse seriado, ser invisível passou a ser o ideal de vida de muitas pessoas, afinal parecia tudo menos complicado, mais leve e prazeroso. Alguns achavam que sendo assim poderiam conhecer o mundo sem gastos e sem danos e ainda, ironicamente, serem bonitos como o herói invisível. O que não mediam é que, naquele passado e nos dias de hoje, estamos cercados de pessoas invisíveis. Existem muitos invisíveis que, infelizmente, não são heróis, são apenas desesperados atrás de algo e de alguém. Algo que os tirem da penúria, da solidão e da miséria e de alguém que lhes estenda as mãos e aprenda, no mínimo, seus nomes.
Algum tempo atrás, visitando um aterro sanitário, o chamado lixão, me surpreendi ao ver tantos seres humanos disputando entre si mesmos e os urubus o lixo despejado. Ali estava uma parcela de nós humanos desfrutando do podre, do inadequado, do dejeto e do restolho. Pobres, descabelados e seres abaixo da linha de pobreza. De modo palpável, notei o que muitos da sociedade não enxergam: os legítimos invisíveis. Entendi que não é simples enxergar o invisível. Para isso temos que ir até eles. E lá, onde eles estão, cheira mal, é degradante e repugnante. Ir até eles nos obriga sair da zona de conforto e de qualquer resíduo de altivez e arrogância que possa nos consumir.
Outros invisíveis transitam sobre a terra. Enquanto alguns vivem a empáfia construída em cima de seus bens e seus diplomas, outros estão escondidos no quarto do silêncio, do vazio, da dificuldade de serem aceitos incondicionalmente. São invisíveis aqueles que não atingem os pré-requisitos de uma sociedade de consumo, rápida, desconectada da empatia e do altruísmo. Os invisíveis nem sempre estão atrás de bens, beleza e grife. Não está na cartilha dos invisíveis o culto ao corpo talhado e perfeito. Isso não é obsessão para eles. Ser visto, ser notado e amado sem restrições, como são, é o que descreve suas cartilhas. Eles querem ser dignos de nosso olhar.
Nosso sistema é pesado e rigoroso com a vida humana. Nossa apreciação vem quase sempre pelo viés da posse, ou melhor, não é invisível aquele que possui os bens qualificados pelo mercado determinista. Não existe o incondicional. O outro se torna visível pela lente de suas posses. Se não tem, então é excluído, é colocado na zona da indiferença. Que o diga o “caboclo”, o morador da periferia, o camarada que recolhe o lixo em nossas residências e muitos imigrantes. Qual seria a reação de um pai ao saber que sua linda loira, de olhos verdes, se apaixonou por um negro de cabelo crespo e difícil ser penteado? São tantos invisíveis.
Alguns anos atrás, estive na Índia, segundo país mais populoso do mundo. Vi nitidamente que existe um rigoroso sistema de castas sem qualquer possibilidade de mobilidade social, ou seja, quem, por exemplo, está na casta dos vaixás continuará, sem oscilar, sendo vaixá. Os dalits, antes chamados de intocáveis, é a casta de menor prestígio social, são os invisíveis, a escória, que não podem nem sequer projetar suas sombras em outras pessoas. Um depoimento, porém, marcou minha vida. Quando visitei a residência onde vivia Madre Teresa de Calcutá, prêmio Nobel da Paz, um indiano me disse que, em várias noites, ela saía em um pequeno caminhão e recolhia dalits que dormiam na rua depois de limpar as latrinas e recolher o lixo das ruas. Alguns cutucavam nela informando que eram muitos, e ela respondia: “Vamos, em nome de Jesus, recolher um a um, afinal são dignos, são humanos e são visíveis”.
Tenho aprendido que uma boa dose de humanidade, com coração revestido de humildade e pela causa de Deus, se nele você crer, podemos sem prepotência enxergar os invisíveis e dar a eles a percepção de que a vida tem valor, é palpável e fascinante. A sorte dos invisíveis depende muito dos visíveis.
*Historiador, psicopedagogo e teólogo
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Arqueologia de pessoas
Oscar D’Ambrosio*
Ruínas são tão fascinantes quanto barcos naufragados. É impossível não pensar naquelas pessoas que habitaram esses espaços e constatar como simples placas nas paredes ou informações em terminais de computador não conseguem expressar aquilo que elas foram e que sentiram, caindo numa esfera maniqueísta de terem sido bons ou malvados.
Vamos olhar para a imagem que ilustra este post. É o que resta da Casa da Torre de Garcia D´Ávila, um dos principais pontos turísticos da Praia do Forte, Bahia. Considerada a primeira grande edificação portuguesa no Brasil, é um dos principais monumentos do patrimônio histórico e cultural brasileiro.
Pouco se sabe sobre ela além de ter começado a ser construída em 1551, por Garcia D´Ávila, que chegou à Bahia em 1549, com o primeiro governador geral, Thomé de Souza, no cargo de almoxarife da coroa real. Após ter destaque a história da colonização e defesa do Brasil, em 1835, com a extinção do regime dos morgados, o castelo foi abandonado.
Tombado pelo Iphan em 1938, guarda infinitos mistérios. Além de sua arquitetura, infelizmente não totalmente conhecida, é guardião dos segredos de milhares de pessoas, enterrados e perdidos para sempre. Gostaria de ser um arqueólogo de pessoas e trazer de volta essas narrativas e poder contá-las às elegantes siriemas que habitam hoje o local.
*Doutor em Educação, Arte e História da Cultura e Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp, onde atua na Assessoria de Comunicação e Imprensa.
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Aproveite sua vez
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Ninguém pode viver sua vida por você. Ninguém pode conseguir o sucesso por você. É sua vez” (OgMandino)
Aproveite cada vez da sua vida. E a cada instante há uma nova vez. O importante é que você saiba aproveitar cada momento, como ele deve ser aproveitado. Pensei nisso quando voltava do supermercado, pela manhã. Mas só vou lhe contar o que aconteceu, mais tarde. Agora, vamos falar do momento mais agradável dos últimos dias com a dona Salete. Ou mais precisamente, entre a dona Salete e eu, porque sempre me sinto feliz quando vejo que ela está feliz.
Iniciava-se o fim de tarde, ainda parecendo muito cedo. Aí resolvemos dar um rolê pela praia. Ela, o Alexandre e eu, o que podemos considerar “O trio”. E lá vamos nós encantados com a beleza da praia paradisíaca, o som aconchegante e encantador vindo das marolas. Momento que enriquece a alma.
Caminhamos pela praia, molhamos os pés na água friinha e acariciante das ondas pequenas e carinhosas. As horas passavam sem que percebêssemos. O Sol caía lenta e preguiçosamente na cama do horizonte, desenhando-nos um quadro encantador de cores inebriantes. O encanto mantinha-nos anestesiados com a dose do encanto. Aí me lembrei de que já existia o celular com o qual eu poderia fotografar a maravilha para os sonhos do futuro. Alexandre ensinou-me como fotografar e embriaguei-me. Quase não parei mais. As luzes da cidade começaram a se acender. Mas o dia continuava claro, com certeza, tentando me fazer feliz com o que contemplávamos. A dona Salete parecia encantada. O Alexandre deslumbrava-se com o deslumbre da mãe, encantando o pai. Estávamos realmente vivendo um fim de tarde, numa felicidade indescritível. A Ilha é realmente um ambiente paradisíaco.
As nuvens inda ardiam nas chamas da luz solar, quando os ponteiros do relógio nos disseram para voltarmos para casa. Entramos na Avenida Beira Mar e caminhamos pelas calçadas da praia. Lojas já fechadas e os restaurantes em plena atividade. Muito movimento, muito encanto. Paramos e ficamos contemplando a extensão da praia que mede nada mais nada menos do que setenta e quatro quilômetros. Uma extensão de encanto incomensurável. Salete e eu caminhamos, mentalmente, pelas praias de nossas infâncias e adolescências. Mas as lembranças do passado não poderiam superar a felicidade do momento que estávamos vivendo, nesta Ilha maravilhosa. Reiniciamos a caminhada rumo à casa, quando de repente, encontramos uma mulher brincando com uma cadela igualmente linda. A Salete perguntou:
– Como é o nome dela?
– É Lola.
– Lula?!
– Não, senhora. Eu respeito minha cachorra.
Pense nisso.
*Articulista
99121-1460