Lembranças amargas que torturam sempre e fazem sofrer
Francisco de Assis Campos Saraiva*
Era uma manhã calma de céu nublado e tudo parecia diferente naquele dia 11 de março de 2017, sábado. Nem mesmo as aves do céu alegravam com seu canto rotineiro nas árvores ornamentais de minha residência. No íntimo sentia algo diferente, como que prenunciando um fato desagradável que estava para acontecer. E na tarde desse mesmo dia chegava a pesarosa notícia, pelas redes sociais, enviada pela Fundação Nordestina de Cordel (Funcor), informando a morte de seu Diretor Presidente e fundador, poeta cordelista Pedro Nonato da Costa, vítima de acidente vascular cerebral na manhã desse mesmo dia. E que o velório estava acontecendo na sede da Funcor, na Rua Jornalista Antônio Diniz, 1776, bairro Parque Itararé, Teresina Piauí. A fatídica notícia chegava como um pesadelo para os colaboradores de sua obra cultural e de seu ciclo de amizade. Alto Longá perdia um de seus filhos mais ilustres, que encantou em versos de cordel as belezas da terra que o viu nascer, bem como do cenário piauiense em geral. E assim divulgou com suas obras, para todo o Brasil, o que há de mais belo e fascinante no Estado do Piauí. Senti sua morte como se fosse à de um irmão que nos deixava para sempre. Pedro Nonato da Costa era uma criatura simples, humilde, prestimosa e sabia cativar as amizades como ninguém. Durante mais de uma década fui colaborador da Revista Cultural de Repente, que editava mensalmente, que era do agrado de todos. Com sua partida, a revista deixou de existir, quando a mesma já circulava por mais de duas décadas. É uma pena! Sinto falta de sua divulgação, principalmente da matéria dos escritores José Soares de Albuquerque, Milton Borges, David Ferreira, Nestor Henrique Mesquita, Gil Alves dos Santos, Francisco de Almeida, Antônio Francisco Sousa, Ací Campelo, Antônio Alves Monteiro e outros mestres da cultura, escritores que valorizavam a boa obra.Esta é a sua Síntese Biográfica: Pedro Nonato da Costa, nascido a 3 de abril de 1962, no Município de Alto Longá – Piauí. Filho de Raimundo Nonato da Costa e Maria dos Anjos Alves da Costa. É o décimo quinto filho do casal. Casado com Luzia Sotero de Abreu da Costa, com quem teve os filhos Francisco Wagno Sotero Costa e Luís Carlos Sotero Costa. Cantador repentista, compositor, poeta cordelista, editor, ator e radialista. Gravou quatro CDS: Sonhos de Cantadores. Causos e Cantorias. Pai e Filho Contando História e Saudação ao Vaqueiro. Foi fundador e presidente do Sindicato dos Cantadores e Poetas Populares do Piauí. Realizou mais de vinte Festivais de Violeiros. Criou a Revista de Divulgação Cultural “De Repente”, em dezembro de 1994 e a Fundação Nordestina de Cordel – Funcor, em 1999. Medalhas: Mérito Renascençado Estado do Piauí. Mérito Oficial da Polícia Militar. Mérito Cultural dos Estados do Piauí e Ceará. Cidadão Teresinense. Comenda de maior divulgador da Cultura Nordestina no Festival Internacional de Trovadores e Repentistas de Quixadá-CE. Ganhou os Concursos em Cordel: Teresina, 145 anos, em 1997. Metrô de São Paulo, Cordel “A Cidade Sobre os Trilhos” em 2003. Livros: “Poemários de Cordéis”, publicado pela Editora da UFPI. “As Modalidades e as Técnicas do Repente.” “A Maestria do Rei do Repente Domingos Fonseca”. “A História do Brasil em Literatura de Cordel, de 1500 a 2010”. Era Diretor Presidente da Fundação Nordestina de Cordel. Membro da Academia de Letras do Vale do Longá – AVAL. Academia Longaense de Letras, Cultura, História e Ecologia – ALLCHE e Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC. E foi assim que divulgou para todo o Brasil, com mérito e conhecimento, a cultura da amada terra Alto Longá-Piauí e de todo o Estado Piauiense. Poeta Pedro Nonato da Costa foi membro do Conselho Estadual e Municipal de Cultura do Piauí. Seus trabalhos foram divulgados para todos os recônditos de nossa Pátria, do mais próximo ao mais distante, como Pedro Costa – Dom Quixote do Cordel. Hoje, após um ano de sua morte, sentimos pesarosamente sua ausência e a lacuna que nos deixou para sempre. Certa vez assim se expressou: “Meu querido Alto Longá, terra dos humildes inteligentes, dos tribais índios Longás. Foram nossos ascendentes, e Deus nos presenteou com os sítios das nascentes. Em Alto Longá que nasce Rio do Porco e Campeira, o Rio Pouca Vergonha, Canabrava, Laranjeira, Caiçara, Flor do Grilo, Rio Longá e Gameleira. A FUNCASA há seis anos, funciona o ano inteiro, com oficinas de arte, e o Museu do Vaqueiro, mantendo o passado vivo, do folclore brasileiro. Valmira e Assis Cabral, com muita desenvoltura, alguns colaboradores, vem mantendo a estrutura, e o museu do vaqueiro, mantendo o passado vivo, do folclore brasileiro. Além do meio ambiente, social e cultura, mantendo essas oficinas, arte teatro e coral, são ações desenvolvidas, nesse Centro Cultural.” Em dezembro de 2016 discorreu em uma linda homenagem ao livro que editei: Crônicas e Memórias e um Nordestino Roraimense. Na primeira estrofe ele assim reporta: “Francisco de Assis Campos Saraiva é um cidadão Roraimense, natural de alto Longá, do Agreste Piauiense. Quem vive servindo a Deus, com trabalho é que se vence. Grande colaborador da Revista De Repente. Mesmo morando distante, todo mês está presente, com artigos valiosos falando de nossa gente”. Esse grande mestre se foi, porém nos deixou um acervo cultural precioso da melhor qualificação. A Prefeitura Municipal de Alto Longá tem como atual Prefeito um jovem natural da Boa Terra, dinâmico administrador, Henrique César Saraiva de Arêa Leão Costa, que vem desenvolvendo um trabalho profícuo ao agrado dos habitantes da terra, tornando-se merecedor dos mais elevados encômios. Temos esperança de que o jovem Prefeito e seus vereadores venham a imortalizar a memória de Pedro Nonato da Costa, que tanto enalteceu a nossa terra com sua admirável inteligência, como Poeta Cordelista de reconhecido valor. Aqui findo com uma mensagem “in memoriam” a esse inesquecível amigo, com a imensa saudade que ficará para sempre em nossos corações.
*Oficial R1 do Exército, Escritor e Empresário e Membro da ALB e da ALLCHEE-mail: [email protected]
De volta no tempo
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“O tempo não passa, nós é que passamos”.
Aqueles dois garotos estão ali há várias décadas. Ontem à tarde estive olhando pra eles e me lembrando do tempo em que os conheci. Eram exatamente como são. Não me lembro em que ano aconteceu, mas numa noite fria o vento forte danificou as árvores da Praça João Mendes. Um galho caiu sobre a estátua e a derrubou. A estátua representa duas crianças em serviço, bem no estilo dos anos cinquentas. Só quem viveu a época lembra bem como era um jornaleiro que vendi jornais nas ruas. E lembra-se das crianças engraxates que levavam às costas ou pendurada no braço, a caixa de engraxar.Naquela manhã, quando acordei e olhei, pela janela, para a Pra&ccedi
l;a João Mendes, vi o estrago que o vento tinha feito nas árvores. Fui até lá e a escultura das duas crianças, o engraxate e o jornaleiro, estava virada na calça. Tinha sido derrubada pelo galho derrubado. Dias depois ela sumiu-se. Só recentemente ela foi devolvida à Praça. É uma escultura simples, mas apaixonante. Não resisti e, parecendo um piegas, fui vê-la ontem à tarde. Valeu à pena. Parei, contemplei-a e fui para casa. Mas logo adiante, quando entrei na Conde de Sarzedas, dei de frente com uma cena absolutamente contrária à da escultura, embora representando, também, duas crianças aparentemente com a mesma idade das da estátua. Revolta-me sempre que assisto a cenas tão deprimentes quanto aquela. E isso bem na porta das casas dos representantes de Deus. Ou mais precisamente, na porta de uma igreja evangélica. A rua é bem movimentada com calçadas estreitas e sujas. Eram três da tarde e dois meninos de aproximadamente doze anos de idade dormiam sobre a calça, num estado deprimente. Sujos e maltratados, um dos quais com a boca aberta junto ao piso, num sono que indicava indução à droga. Mesmo acostumados a ver tantas cenas deprimentes no dia a dia das cidades, não podemos deixar de nos impressionar com tais imagens. Saí rua a baixo fazendo uma análise entre as imagens das crianças de bronze, na estátua, e a das crianças humanas, dormindo na calça às três da tarde, quase atropeladas por pedestres indiferentes. As quatro crianças envolvidas no cenário representavam um estado de vida de certa forma indesejável. Aquelas crianças na estátua não eram de vida fácil. Aquelas dormindo na calçada, na porta de uma igreja e desdenhadas pela população em tráfego, estavam numa situação deprimente. Mais deprimente quando representavam a degradação despercebida pela sociedade, no decorrer dessas tantas décadas. Pense nisso.