Cidadãos e ogros – Bruno Peron*É digno de consideração que o convívio nos lugares comuns do Brasil está cada vez mais difícil e, em muitos casos, inviável. Alguns chamam esses lugares de espaços públicos, locais de interação ou ambientes de troca; outros são antropologicamente mais sofisticados: regiões de encontro na diferença.
Ressalto essa dificuldade porque, em muitos de meus textos, escrevi sobre a meia-cidadania, tão barata mas danosa ao país. Barata porque a maioria dos brasileiros cresce despreparada para o progresso e o trabalho por falta de atenção de governantes e familiares; e danosa porque já prevemos aonde isso conduz nosso país e que podemos esperar de nossa gente…
Quando introduzi a noção de meia-cidadania (leia, por exemplo, os textos Instrução cívica e Disfarce de meio-cidadãos), pensei naquele monte de gente que cresce sem instrução para que se porte minimamente bem nos lugares comuns do Brasil que mencionei acima. É fato que todos têm algum tipo de instrução, por isso não existe o “sem educação”; no entanto, falo sem hesitação que os “mal-educados” aumentam em número e tomam conta.
Desta vez, minha preocupação está ampliada, visto que a brecha entre os supereducados e os mal-educados alarga-se no Brasil. Aqui não se vê um meio-termo ou um ponto de convergência para que sua população entenda-se nos lugares comuns. Recordo que o historiador Manoel Bomfim meditava sobre as ondas de doutores que flutuam sobre o mar de analfabetos.
Teimo em concordar com esse ilustre pensador sergipano, que foi tão fascinado com o Brasil quanto desencantado com sua classe política. E, de maneira igualmente realista, lamento que a distância seja tão grande entre os seres supereducados e os bichos que povoam nossas cidades. Há cidadãos que devem tolerar o convívio com ogros nos lugares comuns.
Contudo, a tolerância para esse convívio tem, para muitos, um limite. É por isso que pessoas blindam seus carros, mudam-se a condomínios, levantam cercas elétricas e investem em segurança privada; ainda, põem seus filhos em escolas caras, frequentam lugares de escol, deixam de investir no Brasil, enviam seu dinheiro ao exterior e passeiam mais em shoppings que ao ar livre. Há muitos indicadores da existência de dois Brasis dentro de um.
Logo, muitos diriam que tudo isso é apenas efeito da diversidade. Mas esquecem que, nos lugares comuns, há regras de convívio e que o outro merece ser visto e respeitado. Não se trata, portanto, de anular a pluralidade cultural que enriquece o Brasil, mas orientá-la a que formemos muito mais cidadãos de bem que ogros pouco instruídos e nocivos ao Brasil. Nem uso aqui o critério financeiro de classificar como mais rico ou mais pobre, uma vez que há benfeitores de poucos ingressos e seres danosos abastados.
Não tenho dúvida de que esse ajuste aumentaria o entendimento entre pessoas, reduziria o recurso a violência, ampliaria as oportunidades de gozos materiais e espirituais, orientaria melhor os motoqueiros (a escória do trânsito no Brasil), baixaria a altura dos muros entre as casas, melhoraria a confiança em agentes de segurança pública, daria educação cívica similar a todos, investiria em negócios no Brasil para gerar emprego e incitar a competitividade, e não deixaria o menor motivo para “rolezinhos”.
Esse cenário, porém, tem hoje traços de utopia. Há um tipo de gente bastante pernicioso que se prolifera no Brasil sem receio de políticos nem de governantes. A crise que nosso país atravessa – assim, lamento contrariar a visão de muitos – não é só da cúpula do poder, mas principalmente cívica, basilar e instrutiva. Cada brasileiro é enormemente culpado, ainda que se esconda atrás da alienação de seu dia-a-dia e em frente da televisão.
*Doutor em Políticas Culturais por Birkbeck College – University of London, e mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidad Nacional Autónoma de México; autor de oito livros em versão eletrônica, incluindo Aresta da razão (2013), Aresta da prudência (2014) e Aresta da desilusão (2015)Contato: http://www.brunoperon.com.br——————————–No outono da vida – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Os soluços longos dos violinos de outono ferem-me o coração com monótono langor”. (Voltaire)Acordei romântico. Não liguei o televisor. Fui até a estante procurar o livro da Roberta Cruz, para ler algo romântico. Procurei, procurei e aí me lembrei que o livro da Roberta está em Boa Vista e eu, aqui em Sampa. Cocei a cabeça e continuei mexendo nos livros. Aí encontrei o Alcides Werk. Percebi que estava viajando distante, entre Roraima e Amazonas. Afastei-me da estante e peguei minha agenda, velha companheira. Abri-a à toa e dei de cara com um trecho da poesia do Voltaire, que eu mais admiro. E viajei distante.
Inclusive pela mente dos seres humanos. Procurei entender por que as Forças Aliadas, na Segunda Guerra Mundial resolveram usar os versos do Voltaire como senha para a invasão à Normandia. Pus meus cotovelos sobre a mesinha do computador e continuei navegando. Sorri e saí do lodo.
Resolvi que nada, nem ninguém, me tiraria desse sonho de outono que acordei vivendo-o. Resolvi viver meu dia como ele quer ser vivido. Joguei, carinhosamente, o Voltaire no papo, e vamos em frente. Faça isso também. Não permita que nada, nem mesmo seus pensamentos, tire você da alegria discreta que você está vivendo. Porque nada é mais agradável nem mais salutar que você acordar feliz e sentindo saudade alimentada com a vontade de viver intensamente aquele dia. Nunca se deixe levar nem influenciar pelos maus acontecimentos que lhe são apresentados a toda hora, no seu dia a dia.
Agora me toquei. Será que já passei do outono de minha vida? Se passei, faz tanto tempo que já nem me lembro mais. Mas o que isso importa? O que importa é que vivamos cada momento de nossas vidas como se fosse o último; mas não pensando que é o último. Porque isso faria com que você se preocupasse com o que deveria fazer você viver intensamente o momento que está vivendo. Sei que está parecendo enrolado, mas não é. É simples pra dedéu. Não sei como você acordou, hoje. Mas isso não importa. O que importa é o que você é e sabe que é. Porque nada neste mundo pequeno em que vivemos, é mais importante do que você, se você se souber importante.
Acredite, não há nada nesse mundo que justifique a infelicidade. Então seja feliz, sempre. Ame as pessoas com elas são, porque é o que vai realmente dizer o que você é. Lembre-se de que ninguém tem o poder de fazer você se sentir feliz ou infeliz, se você não estiver a fim. E se é assim, o poder está com você e em você. Use-o dentro da racionalidade. Só você tem o poder de dirigir seu destino. E comece valorizando cada minuto da sua vida. Pense nisso.
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ESPAÇO DO LEITOR CORREÇÃO O comentário do leitor Edvan Matias França, publicado na edição de ontem, era relacionado à entrevista do secretário municipal de Segurança Urbana e Trânsito, coronel Raimundo Barros Oliveira, que tratava da fiscalização de excesso de velocidade, e não quanto à aplicação de multa a condutores que possam invadir as ciclovias.ATRASO Em relação ao atraso na entrega de correspondências pelos Correios, o leitor Felismino Nascimento comentou: “Uma financeira me enviou um cartão de crédito para substituir o que estava vencendo, mas só percebi isso quando vi que estava sendo cobrada anuidade de um cartão que eu não tinha. Para minha surpresa, somente ontem os Correios o entregaram em minha residência. Lamento, pois já vivemos uma fase boa em que a instituição era livre de questionamentos e eficiente”.CONSIGNADO“Agora não é mais a empresa Consignum que gerencia os contratos dos consignados. Tentei ver minha margem hoje e o site foi redirecionado para a empresa Fenixsoft, como era no governo anterior. O problema é que quem não mora na Capital tem que se deslocar para Boa Vista se quiser cadastrar uma senha de acesso. Absurdo”, comentou o servidor João Silva sobre a falta no repasse dos descontos de empréstimos consignados dos servidores para as instituições bancárias.