A derradeira vontade de Chico Fumeiro – Erasmo Sabino*Esta semana vi partir um amigo velho, companheiro de tantas jornadas. Além de pai exemplar, Francisco Sabino de Oliveira foi um artífice da alma humana e deixou a vida para fazer seu nome de guerra, Chico Fumeiro, ecoar pelos grotões do sertão, desde a aridez do Seridó às belezas inigualáveis da serra da Borborema.
Viajei a Equador, minha cidade natal, para o aniversário de meu Irmão Zenon. Mas o que era para ser uma reunião de família acabou se transformando num mar de lágrimas, no qual naufragaram as nossas emoções. Personagem que o sertão moldou como uma das suas maiores e melhores obras, nosso pai atendeu ao chamado do Criador e partiu para sua jornada celestial.
Chico Fumeiro sempre foi um bem-aventurado, capaz de nos fazer entender a bondade até mesmo depois da morte. Antes de ir embora para sempre, o roceiro de mãos calejadas, que depois se tornou vendeiro de fumo e uma das mais expressivas lideranças políticas de Equador, decidiu que ainda lhe restava uma missão sobre a face da terra.
Homem simples, mas de sabedoria impar, que sempre colocou o bem-estar de seus semelhantes acima de quaisquer outros, socorrendo quem lhe pedisse e estendendo a mão tantas vezes a tanta gente, conseguiu superar a morte para dar algum alento a pessoas de vida tão simples quanto a dele. Para isso fez de Zenon seu guia e mesmo já sem vida nos olhos, usou o filho como mensageiro de sua vontade.
Foi assim: já a caminho de sua ultima morada, havia ali na morgue, ao seu lado, outro corpo também sem vida. A família, pessoas muito pobres, desesperava-se com a situação. Não tinha recursos para o enterro.
Pois foi então que Chico Fumeiro, tocando o coração de Zenon, transmitiu-lhe sua ultima vontade: a de que aquele pobre chefe de família tivesse um sepultamento decente e digno e que as despesas fossem por sua conta. Ou seja, Chico Fumeiro usou a alma bondosa de Zenon para satisfazer sua vontade para socorrer a família do seu companheiro de infortúnio.
Pois foi assim que alguém humilde, sem recursos, acabou se encontrando com nosso pai depois da morte e dele, pelas mãos de Zenon, recebesse uma última oferenda. O que, certamente, selou uma amizade e os uniu na viagem pelo universo como companheiros dessa longa e eterna jornada.
E Zenon, que viu a alegria do seu aniversário ser entorpecida pelas lágrimas e tristeza, cumpriu a última e derradeira vontade de Chico Fumeiro. Um herói do sertão que agora se faz lenda por ter uma enorme bondade que sempre foi a razão do bater do seu coração.*Empresário
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A verdadeira polarização – Jaime Brasil Filho*É verdade que impeachment não é golpe. Também é verdade que o argumento das “pedaladas fiscais” é um mero pretexto para viabilizar o impeachment. Conheço como são administrados formalmente os recursos públicos e sei bem como são identificadas as irregularidades e impropriedades formais nas contas públicas. As tais pedaladas são fichinha perto do que os gestores vêm aprontando ao longo dos anos. Queriam alguma coisa para pegar a Dilma, acharam isso.
É verdade que Dilma, ela mesma, não cometeu nenhum crime com a consistência necessária para perder o cargo. Também é verdade que o PT e aliados reproduziram em larga escala e em profundidade tudo aquilo que condenaram durante os anos em que estiveram na oposição. A corrupção sistemática e capilarizada não é negada nem pela própria Dilma.
É verdade que impopularidade não é motivo suficiente para se tirar um governante no poder. Deveria ser, mas no sistema brasileiro não é. E também é verdade que Dilma cometeu um estelionato eleitoral e mentiu descaradamente, e acabou fazendo tudo aquilo que ela disse que seus adversários de campanha iriam fazer, e que ela jurou que não faria.
É verdade que o nível de corrupção que hoje se presencia é o maior que se tem conhecimento. Sim, porque os níveis anteriores permanecem desconhecidos em sua maioria, mas existiram. Todos os principais agentes e personagens políticos de todos os principais partidos, do governo ou da oposição, aparecem citados em algum esquema de corrupção, em algum momento.
É verdade que os governos Lula e Dilma foram, e são, neoliberais e ao final, a despeito de algumas efêmeras compensações pontuais, retiraram permanentemente, atacaram, e atacam, inúmeros direitos dos trabalhadores. Também é verdade que os pretendentes com mais chances ao lugar de Dilma são neoliberais também, e nada de diferente farão para melhorar a vida dos trabalhadores.
É verdade que Dilma atacou, e ataca, o meio-ambiente e negligencia os direitos indígenas. De herança desenvolvimentista dos anos 1950, Dilma admira e prestigia personagens como Kátia Abreu, que, por sua vez, prestigia quem segue o abominável modelo de agronegócio que consome dinheiro público e destrói o patrimônio natural.
É verdade que todo esse processo de escândalos tende a esvaziar a legitimidade de Dilma para permanecer no poder. Também é verdade quem nem Temer, Cunha, Renan ou Aécio teriam essa legitimidade.
Eleições gerais poderiam trazer de volta, ainda que parcialmente, a legitimidade popular perdida diante de tantos escândalos, mas a possibilidade de que os atuais eleitos aceitem colocar seus cargos para avaliação popular é remotíssima.
É verdade que o sistema de corrupção que se baseia na troca de favores entre políticos e empresários existe há décadas. Mas, também é verdade que esse sistema existe na prefeitura mais singela, passando pelas capitais, Estados e DF. Quem irá fazer a Lava Jato nesses entes da Federação? Quem irá fazer a Lava Jato de Roraima, de Boa Vista?
É verdade que nas manifestações contra Dilma não se via presentes as grandes massas populares de trabalhadores, justamente aquela parcela que decide as eleições. Também é verdade que nas manifestações em apoio à Dilma tampouco essas massas eram majoritárias.
Durante todo esse longo e desgastante processo, a pesquisa que mais contribuiu para esclarecer essa falsa polarização entre grupos políticos, que ao fim e ao cabo são igualmente neoliberais, foi feita pelo Data Popular divulgada pela revista Piauí, e que passou ao largo da atenção da grande mídia. A pesquisa foi divulgada no dia 23 do mês passado. Esse instituto, segundo a revista, se especializou em levantar dados referentes aos brasileiros que estão na base da pirâmide social, ou seja, os brasileiros das classes C, D e E.
Como introdução a revista afirma que em ambas as manifestações, contra e a favor de Dilma, “perto de 80% dos manifestantes tinha ensino superior, cerca de 30% tinha carteira registrada, e mais da metade ganhava mais do que 5 salários mínimos. Do que se concluiu que, de um lado e de outro, quem estava na rua era parte significativa da elite.”
Segue a Revista Piauí sobre a pesquisa: “ ‘A defesa do impeachment se dá na mesma proporção em todas as classes sociais. Mas as razões de cada grupo para pedi-lo são diametralmente opostas’, explica Renato Meirelles, presidente do instituto. ‘Os brasileiros estão bem menos divididos quanto ao impeachment do que sobre o que deve ser o futuro do país.’ Segundo ele, a classe C está mais indignada com o encolhimento de benefícios como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Prouni e o Pronatec do que propriamente com a corrupção. ‘Para eles, a Dilma tem de sair porque não cumpriu os compromissos de campanha e não conseguiu ampliar esses benefícios.’ Esse público, portanto, defende o Estado eficiente, mas provedor – que Meirelles chama de ‘estado vigoroso’ –, enquanto nos estratos de maior renda ocorre justamente o oposto. ‘Os 20% mais ricos, em geral, querem um estado enxuto.’ É aí que está o fosso ideológico que realmente importa, e é com esse tema que o país terá de lidar assim que o impasse do impeachment for resolvido. Como o Estado brasileiro está quebrado e o ajuste será inevitável, o embate fatalmente será traumático.’ ”
Ou seja, em tese, os menos escolarizados estão mais lúcidos do que os brasileiros de nível superior. As grandes massas já perceberam que essa polarização é falsa, e que o que eles querem é que haja um governante que não seja neoliberal, que atenda as demandas históricas do povo brasileiro e não será com Dilma nem com nenhum desses que aparecem no atual cenário que isso se dará.
É de se concluir que existe muito espaço para retomarmos com mais força ainda as bandeiras da igualdade e da justiça social.
Esta, apesar de todas as contradições e situações políticas traumáticas, é uma oportunidade histórica única de separar o joio do trigo, de colocar no mesmo saco os neoliberais, os assumidos e os dissimulados, e fechar unidade em torno de projetos que possam destruir as bases cruéis e perversas que sustentam uma das mais desiguais sociedades do mundo: a sociedade brasileira.
*Defensor Público ———————————–Saudade e sentimento – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorrega pelos olhos”. (Bob Marley)É claro que podemos sentir saudade sem derramamento de sentimento. Lembrei-me disso ouvindo, pela manhã, uma série de músicas com a Maria Betânia. E nessas horas viajo pra dedéu. E fui longe. Lembrando de quando os novos baianos chegaram a São Paulo, há uns sessenta anos. Uma verdadeira revolução na música brasileira. Um momento inesquecível. E como os novos sofreram discriminação dos velhos ferrenhos. Houve um âncora de uma famosa rádio paulistana que sempre que se referia à Betânia dizia: “Essa aí nunca vai passar de uma Maria Carcará”. O cidadão que dizia isso é nome de rua na região do Espraiada. Lembrei-me disso, sorri e preferi não navegar nessa canoa furada. Mas fui até a janela e olhei o contraste naquelas duas construções maravilhosas. Uma construída no século XIX, a outra no século XXI. A primeira é o Palacete Conde de Sarzedas, hoje museu do Tribunal da Justiça de São Paulo.
Sempre que venho à janela fico admirando os dos prédios. O Palacete foi construído como uma construção monumental para a época. O novo prédio foi construído, e tive a honra de assistir à construção, num formato com mais de vinte e cinco, ou vinte e seis, andares. Numa construção maravilhosa como se estivesse abraçando o Palacete. Olhando-os daqui, é a impressão que temos.
Aí fiquei pensando como se sentiriam os donos do Palacete se o vissem hoje. Não sei se mediriam as dimensões nas diferenças construídas com o passar dos tempos. Novos tempos, novas épocas e velhas eras. Todos fazem parte da vida que nem sempre sabemos viver. Nem sempre estamos preparados para gerir as diferenças.
Olhando e pensando no decorrer do tempo, olhei para o velho prédio do Fórum João Mendes. Se você olhar pra ele, hoje, vai ver que a partir do quarto andar, a construção tem novo formato e cor diferente. E as diferenças estão nas mudanças sofridas, ou vividas, pelos avanços do desenvolvimento social. Até o início dos anos cinquentas aqueles andares de cor diferente dos quatro andares iniciais, não existiam. À época, eu trabalhava numa loja, ali vizinha do Fórum. Foi quando me apaixonei por aquela escultura dos dois garotos, um jornaleiro e um engraxate, que tempo desses sumiram com a queda da árvore. Mas, finalmente, depois de tanto tempo, eles voltaram, para nossa alegria.
Não sei quanto tempo fiquei à janela com esses pensamentos. Sorri, virei-me, e vim bater esse papo insosso, com você. Mesmo que você não tenha gostado dele, suporte-o. Ele faz parte de minha vida. Pense nisso.
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