Novo normal, velhas práticas
Linoberg Almeida*
A pandemia da Covid-19 revela nossas mais perversas mazelas. Estamos mergulhados em problemas médicos e sanitários, ao mesmo tempo em que aspectos diversos da convivência humana escancaram outras crises que convivemos ano após ano, sem solução à vista. Gente confundindo empatia com simpatia, o mal banalizado ao extremo com festinhas escondidas regadas a lives, falsas disputas políticas… E eu que sempre tive pé atrás com o adjetivo “novo”, só renovo esperanças se, de uma vez por todas, não voltarmos àquele “normal”.
E eu lá quero o normal de antes? A norma por trás dos humilhados olhos de quem precisa de 600 reais na fila da Caixa por horas ou em aplicativos, sem smartphone ter, é ser parte dessa crise humanitária. A silenciosa tragédia social é fruto da gritante omissão histórica. Tem quem diz ser hora de unir e semeia desunião; diz-se imbuído de dever cristão, mas age como Nero tocando lira vendo Roma pegar fogo. Essa é a brutalidade de um sistema político perverso que hoje pena por não conseguir comunicar didaticamente, quando mais precisa, por ter preferido reforçar sua imagem institucional a qualificar a emissão de informações à população.
Nesse ir e vir de tanta coisa, a mobilidade urbana tem desafios complexos quando relacionados ao sistema de transporte público. O normal é ônibus lotado, linhas mal planejadas, falta de integração, e com a “nova ordem”, as distâncias aumentaram. Sair do Sílvio Leite ou Cruviana para Aparecida ou São Francisco é uma missão quase impossível, e nem pense em ir do Canaã para o Satélite sem perder mais de uma hora. Já eramos isolados e enganados. Aumentaram a passagem em janeiro, prometendo nove novos ônibus climatizados e lá se vão 124 dias e nada. Eu não esqueço, e não é pelos 15 centavos. Vão aparecer com cheiro de eleição, vão botar a culpa no vírus, mas as velhas desculpas não dizem como distanciar em ônibus antigos, lotados, em horários reduzidos.
Parece normal se calar, pois ouvi um tradicional político local tratar das inconsistências na aquisição de milhares de cestas básicas como Fake News, repetindo discurso da prefeitura. A mesma prefeitura que, depois de denúncias, se viu obrigada a publicar portaria organizando a distribuição. Ele espera ser um possível indicado ungido pela gestão; a mim cabe seguir levantando as pedras do que não quer ser visto, e olha que vi 10 problemas, além dos critérios de entrega.
Eu não quero um normal que permite, em plena pandemia e calamidade, que se bote na rua dezenas de pais e mães de família sob a roupagem de “se é comissionado, é de livre exoneração” com sinais de perseguição política. É inoportuno, inconveniente e imoral, tendo recursos em caixa para pagar esses cidadãos que desenvolviam gestão social. Se eu e Dr. Wesley Thomé criamos condições para que empregos de terceirizados, pagos com orçamento municipal, fossem mantidos nesta crise pelo projeto de lei n.º 604/2020, não seria normal me omitir. E tudo veio à tona no dia do trabalhador, quando políticos dão parabéns nas redes sociais, alguns daqueles mesmos que gostam de “reformas” trabalhistas e previdenciárias. Preferi me juntar a advogados e defender cidadãos desempregados no 1° de maio.
A emergência evidente é um inédito contrato social boa-vistense. Precisamos superar o abismo que não está marcado pela avenida Venezuela, como muitos creem. Há quem precise de assistência social onde você nem imagina. Ampliar horário de atendimento dos postos de saúde e não atender doentes, não os testar e pressionar servidores não é normal. Temos que sair da cegueira do senso comum e abraçar as realidades da cidade como elas se apresentam. O novo normal é ter coragem de não ignorar a oportunidade e fugir de velhas práticas.
*Professor e Vereador de Boa Vista
Você sabe o que é a síndrome da produtividade pandêmica?
Leonardo Costa*
O período Pós-Revolução Industrial foi marcado por uma densa referência ao trabalho, tanto na estruturação social como na produção do sujeito contemporâneo. Com a crise da sociedade centrada no trabalho, sobretudo no ano de 2020, alguns valores e categorias são repensados e demandam uma nova abordagem, já que a maioria de nós, antes privados desse sabor, descobriu o ócio.
O domínio do trabalho na estruturação social passa a ser substituído, pois nem todos podem trabalhar em home office, e surgem ideias que colocam o tempo livre, o ócio e o lazer no papel de elementos estruturantes do novo contexto social e isso a maioria de nós já percebeu de cara com o isolamento social que nos foi posto.
Há, entretanto, um fenômeno até então desconhecido de nós, sobreviventes do novo séc. XXI, que inclusive, caminha de encontro a ideia de ócio convivida por todos, a SINDROME DA PRODUTIVIDADE PANDÊMICA. Mas, afinal o que é isso?!
Você com certeza conhece alguém que nesta pandemia fez trilhões de planos de desengavetar ideias, fazer faxinas, estudar idiomas, malhar e orquestrou tantos outros planos até para ajudar a manter a própria sanidade mental diante do já jazido mundo conhecido que se desconstrói diante de nós.
A maioria de nós, antes da pandemia, tinha uma rotina puxada com uma “amalgama de trabalho, família e estudos” e, muito comumente, as 24 horas diuturnamente nos oferecida pela natureza não nos fazia justiça às necessidades infindas do conturbado dia-a-dia.
A inquietação do homem comum acaba sendo a sede pelo acumulo, a necessidade de se obter informação e/ou coisas que os torna mais competitivo frente ao seu principal rival: o outro homem comum. Há tantos homens e mulheres quanto se possa contar se acotovelando e irrequietos, ávidos por acumular currículo, e todos, é claro, com apenas 24 horas em seu dia e, obviamente, algo deverá ser negligenciado. O acúmulo pelo acúmulo, neste sentido, nada mais é que aprender por aprender e estes caminhos levam para a perda de propriedade, sobriedade e até mesmo a capacidade de realmente ter prazer em compreender, pois o aprendizado técnico ganha maior importância, pois em geral é esse saber tecnicista que garante salários.
O caso é que a necessidade de especialização, ao mesmo tempo seguida de uma intensa multidisciplinaridade (deve-se saber também um pouco de tudo), ganhou o mercado e o mercado faz do conhecimento o mesmo que faz com o capital: multiplica com a finalidade de buscar maiores ganhos e a tendência do futuro é uma acentuação desta perspectiva. Não raro torna-se natural a busca por dois empregos, por duas faculdades, a busca pela renda à parte com a intenção de talvez cultivar o tempo, mesmo sendo uma ilusão, hoje esta perspectiva foge e acabamos abraçados por ela, senão engolidos.
Na esteira do novo séc. XXI, os indivíduos antes escravizados pelo ideal “workaholic” foram apresentados ao ócio e, aparentemente, decidiram tirar o atraso dos projetos preteridos em nome do ideal tecnicista e laboral do antigo séc. XXI.
Surge nesse cenário o grupo de indivíduos dispostos a fazer o dia render “36 horas” com projetos outros, até esquecidos e renegados, mas redescobertos no encarceramento domiciliar e como a sanha por aproveitar tempo é grande, já que não sabemos quanto tempo mais o cárcere pandêmico irá durar. Os indivíduos, muitos até influenciados pela “autoajuda coach”, apareceram com a ideia de fazer o “pouco tempo fluir com a maximização dos resultados em seus projetos”, ledo engan
o. Isso aí é o que eu chamo a “SINDROME DA PRODUTIVIDADE PANDÊMICA”, até onde eu sei, fui a primeira pessoa a chama-la assim, mas se você, meu estimador leitor, souber uma forma de melhor identifica-la, fique à vontade.
Pode-se dizer que a questão aqui é a gestão do tempo. Analisar que é possível ter tempo para o conhecimento técnico e/ou pelo trabalho e a busca pelo conhecimento que melhor convém, mas se calcularmos a precisão de tempo que nos sobra e que realmente necessitamos, sobra pouco, pois além de tudo, necessitamos de uma vida social, da aventura, da autorreflexão, do tempo em família, da produtividade artística, do auxílio ao próximo, do trabalho e até mesmo de um tempo de despreocupação.
Como ficarão os projetos não terminados dos que hoje se tornaram superprodutivos? Todos sabem que ninguém consegue ficar fluente em um novo idioma em apenas algumas semanas, para ficarmos apenas em um único exemplo. Se nada mudar na concepção intrínseca da nossa relação do tempo com os diversos afazeres diuturnos em nossas vidas, a sensação de vazio existencialista continuará a fazer de nós apenas as mesmas máquinas de acumular currículo do antigo séc. XXI.
Mas tudo isso, ao fim e ao cabo, vale a pena? Talvez a maioria diga que sim, pois hoje se acredita que é vantajoso protelar as necessidades de vida em detrimento do bem financeiro (bem “maior” nos roda hoje e infelizmente acaba por nos definir como pessoas) e que hoje ganha atalho pelo conhecimento. Não se pode descansar, o que é natural para qualquer ser vivo, pois logo se é tomado como indivíduo cansado, ultrapassado, extinto e preguiçoso, pois aquele que não vê no final do túnel apenas o pote de ouro está fora da realidade onde se deve matar um leão por dia. A questão toda, é que há aí uma roda gigante viciada, pois, este ciclo tende a ser eterno: mais informação, menos tempo, mais trabalho, menos família, outro tanto de informação e menos conhecimento de vida prática.
Somos seres com uma enorme capacidade de aprendizado e adaptação e, até onde sabemos, somos os únicos seres na terra dotados de consciência e capazes de produção intelectualista, artística e tecnicista, mas a capacidade de modelar essas habilidades deve estar ligada também ao impreterível prazer do acaso de suas modelagens, e não a busca incessante por elas.
*Professor Especialista em Planejamento Estratégico e Analise de Negócios em Ambientes Digitais
A marola despolitizada
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Reconhece-se um país subdesenvolvido pelo fato de nele ser a política a maior fonte de riqueza.” (Gaston Bouthoul)
Você já imaginou quantos já enriquecemos com nosso voto inocente? Mas nem sempre inocente. Não é pequeno o número dos que votam, para enriquecer. O que os coloca no pensamento do Gaston. Mas vamos parar de blá-blá-blá. Estamos nos aproximando de novas eleições e ainda não aprendemos a cumprir nosso dever nas urnas. O Coronavírus está nos mostrando o quanto devemos amadurecer. Estamos preocupados com o vírus e não prestamos atenção aos resultados políticos que ele nos mostra. Não prestamos atenção ao despreparo de políticos que deveriam ser verdadeiros líderes. Estamos vivendo, na política, um dos momentos mais decepcionantes.
E como ainda não somos, nem estamos, preparados para o cumprimento do nosso dever, continuamos navegando em piroga furada. Continuamos nos levando por falatórios dos que não sabem falar. Porque falar bem não significa usar palavras fantasiosas. Ainda continuamos na cultura ultrapassada que nos diz que a fala é um instrumento do bom político. Quando na verdade é o contrário. O bom político é, naturalmente, um líder. E o líder não é líder pela sua capacidade de falar, mas de liderar. Um político não dever vir a público tagarelar com tagarelas adversários.
Temos dois exemplos que deveria ser levados em consideração como exemplo de fala política. Abraham Lincoln era Senador nos Estados Unidos, no século dezenove. Um dia, numa discussão no plenário, um adversário disse que ele era um senador de duas caras. Lincoln olhou para os colegas e falou: “A resposta fica com os senhores: os senhores acham que se eu tivesse outra cara iria sair por aí, com essa.” Uma resposta eminentemente política que provocou o riso nos colegas, e anulou o comentário tolo do adversário. Não é o arrufo na resposta que anula o poder da pergunta, mas a inteligência. Quando Costa e Silva era Presidente da República, certo dia, numa visita a uma grande produtora de aviões, um repórter perguntou ao presidente, algo sobre a produção de aviões no Brasil. O Costa e Silva virou-se para o repórter e respondeu: “Pergunte isso para o Ministro.”
Não podemos dirigir um país com falatórios nem arrufos. O que importa mesmo é a liderança no cargo que ocupa. A responsabilidade com a dívida contraída com o eleitor. Todo político tem uma dívida com os eleitores que o elegeram. E é uma dívida enorme, independentemente do número de votos recebidos. Vamos falar menos e fazer mais no que deve ser feito, para o engrandecimento do nosso Brasil. Ele merece. Pense nisso.
*Articulista
99121-1460