Inova, Boa Vista
Linoberg Almeida*
Pura coincidência, mas um paraense, de sobrenome Tocantins, me questionou no Twitter sobre desenvolvimento científico-tecnológico como política pública na cidade da gente, logo quando fazemos três anos daquele fórum grandioso, com convidados espanhóis, num planejamento para a “cidade dos sonhos” humana e inteligente em 2020. Bom, 2020 chegou e onde foi parar o uso de tecnologias, comunicação, informação, integrando todos os setores no planejamento e desenvolvimento urbano que visem à melhoria da qualidade de vida das pessoas?
Eu estava no evento e a elaboração do planejamento estratégico pecava pela supervalorização do importado, dando a impressão de que saberes científicos de formação local não são validáveis para o “algo futurístico”. Esse degrau na colonização intelectual deve ser superado ao fazermos do considerado subalterno e marginal o lugar de onde surge a real interpretação da cidade que observamos, vivemos, experimentamos. Como propõe Manuel Castells, o espaço organiza o tempo e se vivemos nele, nada mais justo que o ocuparmos.
No evento ouvi que, em curto prazo, asfalto, faixa de pedestre e Wi-Fi nos postos estariam por toda parte. Acho que já sabes a resposta, pois o Wi-Fi das praças afastadas já não funcionava antes do “apagar das luzes”; nuns postos, uns têm a senha, noutros nem rede sem fio tem, os prontuários não são integrados e Hospital Geral segue recebendo vítimas de cruzamentos mal sinalizados. Identificar os 50 pontos mais perigosos e sugerir solução foi minha contribuição legislativa com base científica. Acolher e dar resposta é escolha política de quem faz gestão. Ela preferiu pardais milionários a agentes de trânsito e sinalização nas normas técnicas que não desmanche na chuva.
Teve palestra sobre dados abertos e lei da transparência, mas nesse “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” da prefeitura, sigo atrás de planejamento urbano capaz de disseminar o conceito de tecnologia, design, inovação, de jeito sustentável e criativo, numa gestão pública municipal que, não delete links ou exclua abas para se esquecer de assuntos. Temos inclusive que reposicionar nossa relação com a Câmara municipal; não é justo usar o parlamento para aprovar vontades do gestor e não fazer dos 21 ou 23 vereadores atores concretos da cidadania plena.
Promover, fomentar e dar continuidade a atividades científicas e tecnológicas como conduta estratégica no inovar e empreender como ferramenta para a transformação social é possível na cidade. Já poderíamos ter cuidado com idosos, atendimento remoto de pacientes, saber onde ônibus e linhas estão antes de ir para o ponto, valor de obras detalhadas, costureiras cooperativadas produtoras de máscaras em aplicativos criados para geolocalizar. Nada de Jetsons, coisa de hoje mesmo, capaz de mudar os rumos dessa crise sanitária e do nosso novo normal.
Não dá para tratar de ensino a distância quando a grande maioria dos professores não foi apresentada ou teve treinamento para isso. Ter acesso à internet não basta. Reinventar o professor, a família tendo que lidar com dever de casa, a carga horária, o estresse, a cobrança, o público e o privado pedem estratégias mais humanas e inteligentes. Aprender em casa só rola quando te ensinam a apreender o ensinado, sem esquecer da saúde mental de todos.
Internet das coisas, capital intelectual que gere valor econômico, dados e informações que podem mudar nossa prestação de serviços na mobilidade, segurança, saneamento, iluminação, até a maneira como nos relacionamos com quem nos representa… Existe sim outro jeito de ter qualidade de vida e empoderar cidadãos, por meio da colaboração entre eleitos, você e instituições diversas, num sistema capaz de soluções inovadoras. O problema talvez seja nos desacorrentamos desses pacotes prontos que nos vendem e construirmos juntos a nossa cidade do futuro.
*Professor e Vereador de Boa Vista
Como nos relacionarmos com o meio ambiente de nosso planeta?
Leonardo Costa*
Em 1972, a Conferência de Estocolmo, primeira grande reunião de chefes de estado organizada pela ONU para tratar das questões relacionadas à degradação do meio ambiente, marca o início das tentativas de melhorar as relações do homem com o Meio Ambiente buscando formas de equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos naturais.
Na década seguinte, o tema volta a ser debatido com o trabalho da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, o que culminou com o Relatório Brundtland que criticava o modelo econômico adotado pelos países industrializados e replicado no resto do mundo pelo uso desenfreado dos recursos naturais sem preocupação com a capacidade de recuperação de nosso planeta. Nesse momento, o homem comum foi presentado ao conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, sendo este definido como “O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
Mas foi somente no fim dos anos 80, quando o colapso do bloco comunista capitaneado pela URSS pôs fim à guerra fria e tirou do horizonte de preocupações humanas a possibilidade de uma hecatombe atômica foi que a humanidade começa a dar verdadeira atenção aos alertas dos ambientalistas que já há décadas alertavam governos e sociedade sobre as calamitosas consequências da exploração descontrolada dos recursos naturais.
Estendendo o debate para além dos círculos de intelectuais, a questão ambiental entra então na pauta dos governos, fato materializado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, popularmente conhecida como Eco92, realizada no Rio de Janeiro e o advento do Protocolo de Quioto tiveram o condão de chamar atenção para a causa antropogênica do aquecimento global.
Não tenho, no entanto, a crença ingênua de que houve simplesmente um despertar de consciência ecológica nos governantes de diversos países, pelo contrário, foi a percepção de que as ações humanas já causavam graves problemas ao meio-ambiente que propiciou o clima político necessário para que o tema entrasse na pauta de ação dos governos.
Mesmo com todo o “entusiasmo” estatal mundo à fora, apenas em 2018, uma população de mais 6.657.000 indivíduos foi exterminada no território da Amazônia brasileira, segundo dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente. Este massacre, no entanto, não gerou comoção e revolta, nem motivou a realização de um tribunal de guerra pelo simples fato de as vítimas não serem seres humanos. As mais de 6,5 milhões de árvores assassinadas na Amazônia em 2018 – um dos menores índices de desmatamento já registrado naquela região, diga-se de passagem – não foram capazes de despertar nos humanos qualquer sentimento de culpa, compaixão, empatia e nem a mínima reflexão moral sobre o ato.
Invadir uma floresta é como invadir um território estrangeiro e derrubar árvores é o mesmo que trucidar pessoas, mas por que só nos importamos com a vida quando é a de nosso semelhante da mesma espécie? As árvores e todas as demais formas de vida que dependem delas para existir são inocentes desarmados e são atacados e exterminados todos os dias sem que nos importemos. A elas não são construídos memoriais nem dedicados dias.
Um ser vivo que não se move, não se comunica por sons nem tem um sistema nervoso não é considerado em nosso sistema de valores com
o algo vivo, pelo contrário, é tratado como coisa. A árvore viva, plantada no solo, é por nós considerada exatamente igual ao pedaço de madeira que compõe o tampo de nossas mesas.
Atribuímos à arvore viva o mesmo valor que o pedaço inerte de seu cadáver – coisa que de fato já não tem nenhum valor a preservar, pois para nós ambos são apenas objetos, apenas em estados diferentes de seu processamento. A árvore quando viva é para nós madeira a ser processada e o tampo de nossa mesa é madeira já trabalhada e reduzida à sua função sem que nesse intervalo tenha havido qualquer reflexão de cunho moral sobre essa ação.
Matar árvores para reduzir seus corpos a pedaços de madeira a ser utilizado na confecção de nossos móveis é natural, assim como é natural criar animais submetendo-os à contínuo sofrimento e abusos apenas para comer a carne de seus corpos. Nossas necessidades põem em marcha nossas ações e nesse curso de ação, tudo que satisfaz nossos interesses é usado sem que reflitamos sobre o impacto do que fazemos e nem sobre o valor das vidas que subtraímos.
A contínua destruição de florestas e outros biomas pelo desmatamento para extração de madeira, abertura de pastos e ocupação humana está na raiz do acelerado processo de extinção de milhares de espécies em todo o planeta.
A ação da espécie humana sobre a terra alcançou proporções inimagináveis e isso nos obriga a uma reflexão: é certa a forma como nos relacionamos com o meio ambiente de nosso planeta? Com que direito de decidimos sobre a vida de todas as outras formas que conosco dividem esse mesmo lar?
Nossa compreensão ética sobre o valor moral de nossas ações sobre o meio ambiente é extremamente limitada, vivemos em estado de cegueira na medida em que somos incapazes de refletir sobre o direito dos demais ENTES NATURAIS afetados por nossas ações.
Aqui lhe convido, meu estimado leitor, a uma reflexão sobre os limites da ética e dos códigos morais que construímos ao longo dos séculos, no que entendemos ser a marcha do processo civilizatório. Toda nossa suposta evolução sempre foi voltada apenas para nossa própria espécie, sem qualquer preocupação com os demais entes vivos neste planeta. É a hora de repensar nosso sistema de crenças para que possamos acomodar em nossas mentes e corações a compreensão de que os outros seres vivos também merecem ser alvo de nossa compaixão e objeto de nossas reflexões morais.
*Professor Especialista em Planejamento Estratégico e Análise de Negócios em Ambientes Digitais
O cadinho da cultura
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Embarca morena, embarca.
Molha o pé, mas não molha a meia.
Viemos de muito longe,
Fazer barulho na terra alheia.”
Já que estamos iniciando uma nova semana, vamos navegar na piroga de semanas passadas. Muitas já estão bem afastadas de nós. Mas, mesmo assim, continuam sentadinhas e brincando nas nossas mentes. Estão sempre acendendo o cadinho da cultura, lembrando-nos de momentos que devem ser lembrados. Lembrei-me disso quando, por acaso, peguei uma agenda já fora de agendamento. E lá estavam lembranças que, embora possam, não devem ser jogadas no baú do esquecimento.
Quando falo na importância que teve a “Teia-2008” para a cultura brasileira, sinto saudade. Aí caio no cadinho. Cultura é o cadinho no qual se fundem todas as culturas. É uma mistura de conhecimentos desconhecidos, que deveriam ser mais respeitados. Aí me pergunto: porque acabaram com os movimentos culturais, nas Teias? Por que não levamos em consideração a importância que a cultura tem nos encontros com criadores culturais ignorados e, de certa forma, desprezados?
Nas reflexões “abracei-me,” aqui na varanda do apartamento, com pessoas importantes que nem sei se ainda estão no nosso mundo. Na saudade, abracei uma mulher importante que nos mostrou como a cultura é importante quando sabemos vê-la e vivê-la. Lembrei-me da Dona Zefinha, a parteira de Caruaru. Ela era, então, Presidente da “Associação das Parteiras de Caruaru.” Uma pessoa simples que nunca deveria ser esquecida.
Continuei ali, na varanda, contemplando o firmamento e lembrando-me do momento feliz que vivemos, naqueles dias, participando de um dos momentos mais importantes para a nossa cultura, no Teia-2008, em Brasília. Do nosso encontro com o então Ministro da Cultura, Juca Ferreira. Com o Célio Turino, que nos visitou em Boa Vista. Os encontros foram tantos que nos mexem na cabeça. Mas não podemos esquecer os vultos da cultura brasileira que conhecemos e cumprimentamos, naqueles momentos indescritíveis.
Enquanto pensava, senti saudade. Aí me lembrei de figuras inesquecíveis que nos acalma o pensamento com frases que amenizam a dor saudável. O Bob Marley: “Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos.” Lauda Natel, também nos acalma: “Saudade é a presença da ausência.” E foi nesses pensamentos que consegui segurar a saudade para que ela não me escorregasse pelos olhos. Sorri e vivi a ausência na presença das lembranças. Sentado aqui, ao computador, mando meu abração para a querida Catarina Ribeiro, Sergio e tantos outros que entraram no meu coração através dos Pontos de Cultura. Pense nisso.
*Articulista
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