Mãos de Narciso
Walber Aguiar*
É que Narciso acha feio o que não é espelho.
Caetano Veloso
Máquinas fotográficas, celulares e câmeras entravam em ação. Era mais um movimento de doação, de entrega de benefícios. Cestas básicas eram retiradas do carro e entregues aos homens e mulheres absolutamente necessitados. Redes sociais estavam ali, prontas a capturar o cenário fisiologista da piedade, do verniz devocional, do externalismo farisaico.
Ora, a arte política estava em baixa. A economia enfrentava o caos e a corrupção, como que enterrada nos caixões baratos e nos cemitérios periféricos. Assim, o assistencialismo fazia brotar da aridez existencial e econômica minguados seiscentos reais para a patuleia que gemia e chorava diante do terror da fome, da solidão imposta pela quarentena, do vírus desgraçadamente invisível.
Não era o fim do mundo; apenas o escatológico frente ao delírio dos “evangélicos” sem graça e vazios; do povo que, espremido nos templos sem vida, fazia contabilidade de terremotos, mapas estatísticos da fome e da guerra, das pestes e catástrofes naturais. Ainda não era o fim, apenas um prenúncio, o começo do advento apocalíptico, a ponta do iceberg daquilo que estava por vir.
Destarte, no meio do cenário dantesco, alguns irmãos davam com a mão direita e fotogravam com a esquerda. Entregavam com um olhar piedoso, mas filmavam para postar no facebook, no instagram e nas diversas redes sociais. Aproveitavam o advento da pandemia para espalhar as cestas básicas do alarde e da divulgação. O que era pra ser simples, bom e secreto ganhou contornos de sofisticação, eloquência farisaica e toque estridente de trombetas, uma banda de música pronta para desfilar diante dos spots e do glamour assistido da miséria humana.
Assim, o sermão do monte foi esquecido, deixado pra trás, trocado pelo brilho das telinhas, pelas mãos de Narciso, que, com o ego devidamente incensado, quebrava o princípio de Jesus, a ética do secreto e da discrição, entristecendo a Deus e ferindo de morte o espírito do evangelho.
Dar é uma graça que poucos desejam, um exercício praticado por aqueles que receberam de Deus o privilégio de derramar-se diante do próximo, de se doar ao outro, numa perspectiva de alteridade, esvaziando-se de todo salto alto e vaidade pessoal. Decerto, que a divulgação cabe nos projetos mais amplos, quando interessa a contribuição para alguém que está doente ou até mesmo para a compra de passagens ou feijoadas beneficentes. Ainda mais em ano eleitoral, quando a bondade se confunde com a propaganda dos candidatos.
Ora, percebemos mais grandeza e solidariedade humana no samaritano, naquele que não tinha nenhum compromisso com a religião, com a divulgação de um Jesus pálido e descontextualizado da vida. O samaritano pareceu ser o próximo do que fora vitimado pelos ladrões de estrada, pois agiu sem nenhum interesse, sem os condicionamentos legalistas do farisaísmo, sem as trombetas daqueles que estendem tapete diante da dor e da miséria humanas.
Assim, no dia em que você der algo a alguém, mesmo que seja um abraço ou um sorriso, não esqueça de Mateus 6:2-4. As mãos de Narciso carregam vaidade e aridez. Ogrande jardineiro rega as mãos que plantam a vida…
*Advogado, poeta, historiador, professor de filosofia e membro da Academia Roraimense de Letras
E-mail: [email protected]
Telefone: 95-99144-9150
Corrupção é pior e mais grave durante a pandemia
Roberto Livianu*
Atos de abuso de poder visando a obtenção de vantagem, em “condições normais de temperatura e pressão”, ou seja, em tempos de normalidade institucional, significam gestos de profunda deslealdade social, que causam erosão nas instituições democráticas, agudizam ainda mais o já profundo quadro de desigualdade social.
Ou seja, praticar corrupção em tempos de normalidade, com as instituições do sistema de controle operando de forma estável, já é grave e odioso diante das nossas circunstâncias sociais vulneráveis, dramáticas, críticas. Que se pode dizer destas práticas criminosas, fraudulentas, desleais em tempos de fragilidade? Por exemplo: praticar furto ou fraude contra alguém de luto. Terrível! Que dizer então da excepcionalidade que lembre as circunstâncias de uma guerra?
Aliás, no plano econômico, estudiosos já afirmam que as consequências da pandemia serão mais gravosas para o mundo que as crises do crack da bolsa de 1929 e da 2ª Guerra Mundial, eventos de força devastadora gigante e singular.
Pensando nisto e conhecendo nossa triste realidade, ao ser aprovada a Lei Nacional da Quarentena (13979/2020), quando se decretou a calamidade, afrouxando-se as regras das licitações para as contratações públicas, foi imposta a obrigação de serem criados sites específicos para a prestação de contas pelos entes públicos acerca das contratações emergenciais durante a pandemia.
Infelizmente, a maioria dos entes públicos não está cumprindo a lei (o que deve ser cobrado pelo MP), apesar de ser o Brasil membro fundador da OGP em 2011 (Open Government Partnership), o que nos impõe perante o mundo o dever de ser modelo em matéria de transparência.
Lamentavelmente, os problemas não se resumem à falta de prestação de contas. Já se divulga que em 11 dos 27 Estados há investigações sobre atos de corrupção relativos a abusos relacionados à pandemia, cujo número de vítimas fatais no Brasil já caminha para 12.000.
Em Santa Catarina, onde houve decreto de prisão de dois secretários de Estado, da Casa Civil e da Saúde, investiga-se a compra de 200 respiradores por 33 milhões, pagos adiantadamente a empresa sem histórico de operação na área cujo CNPJ corresponde a estabelecimento voltado à satisfação de prazeres.
No Amazonas, onde se vive um pré-colapso no sistema de saúde, com 90% dos leitos de UTI ocupados em Manaus e 80% no Estado, o governador Wilson Lima é fortemente questionado por mau uso de dinheiro público, inclusive pela aquisição de respiradores com superfaturamento de 316%, comprados de uma loja de vinhos, e pelas imagens que correram o mundo das valas comuns para viabilizar 4 vezes mais enterros, com relatos de pacientes aguardando vagas dormindo em ambulâncias.
Responde a 2 pedidos de Impeachment na Assembleia Legislativa do Estado, aos quais o presidente Josué Neto dá seguimento, sendo que em 2017 o então governador José Melo foi afastado do Governo por compra de votos.
Assembleia Legislativa que na última 4ª aprovou lei que determina a abertura de todos os templos religiosos do Amazonas, na contramão do caráter laico do Estado e da determinação internacional da não aglomeração, sob o argumento de que a fé é o alimento da alma.
O governador, por decreto, tem mantido a ordem de fechamento dos templos e poderá eventualmente vetar a lei aprovada, sujeitando-se à derrubada do veto pelos deputados estaduais.
No Mato Grosso, o sócio de uma empresa de “fachada” em Rondonópolis que vendia respiradores falsos lesou a sociedade em R$ 4 milhões, tendo a prisão preventiva decretada, conseguindo-se recuperar R$ 3 milhões dos R$ 4 milhões da fraude.
No sul de Tocantins, as fraudes podem c
hegar a R$ 6 milhões e no Rio, as aquisições para atender o hospital de campanha foram plagiadas, evidenciando provirem da mesma origem, causando perplexidade geral a decisão do governador Witzel de determinar sigilo em tais contratações, o que somente se poderia cogitar em negócios com particulares –jamais envolvendo o patrimônio público.
Esse quadro é absolutamente grave e desolador e demanda trabalho vigoroso de todo o sistema anticorrupção.
O Instituto Não Aceito Corrupção, preocupado com a gravidade desta situação e o ainda grande desconhecimento de parcela significativa da sociedade em relação ao caminho para denunciar, resolveu oferecer uma ferramenta dentro de seu site para informar e para permitir denúncias em relação a atos de corrupção durante a pandemia, que será disponibilizada nos próximos dias. As denúncias, que poderão ser feitas anonimamente, serão encaminhadas ao MP para as devidas providências. Façamos nossa parte!
*Procurador de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). É ex-presidente e diretor do movimento Ministério Público Democrático (MPD). É colunista da Rádio Bandeirantes e da Rádio Justiça, do STF.
Dançando com a vida
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Qualquer coisa na vida vale a pena, se a alma não é pequena.” (Fernando Pessoa)
Viver a vida é estar em comunhão com ela. De mãos dadas, sempre, não a dirigindo, mas levando-a para o caminho da felicidade. Você já está cansado de ler e ouvir, o Charles Chaplin. Mas vamos repeti-lo para que demos mais atenção a cada palavra expressada no seu pensamento exposto aqui: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaio. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.” É o que devemos fazer no dia a dia de nossas vidas. A felicidade está onde estamos. Afinal somos nós que a devemos sentir e viver.
Eu caminhava pela praia, ontem, quando me lembrei de quantas pessoas gostariam de estar caminhando por ali, feliz com a beleza da Natureza, na sua simplicidade. Tínhamos acabado de fazer um churrasco com um frango. Mas tudo em ambiente restrito, claro. Estávamos comemorando, a dona Salete, eu, Alexandre, o Tácio, o Felipe, a Cristina e a Christyne. Um grupo familiar, comemorando nosso sexagésimo e segundo aniversário de casamento. Sessenta e dois anos de casados e felizes. Ganhei até presentes. Comemos o frango assado, e um copo de refrigerante, conversamos bastante e saímos para a caminhada na areia finíssima, da praia. Fomos até o parquinho, na praia e nos fotografaram na gangorra. Balancei-me na gangorra até com meu bisneto Felipe. E enquanto fotografavam, falavam, não gritando, apenas para chamar a atenção: olha o bisavô se balançando com o bisneto, legal!!
E foi legal mesmo. Eu nunca imaginara um dia me balançar numa gangorra com a dona Salete e um bisneto, sessenta e dois anos depois de casados. Fui feliz. E ela diz que também foi. Então faça isso, você também. Viva um ambiente feliz em sua família para poder transmitir felicidades a todos. Simples pra dedéu. O ônibus chegou, embarcamos e voltamos para casa. Terminamos a tarde rindo e comentando a festança. O que nos fez registrar um dia de intensa felicidade na simplicidade de viver em comunhão com o próximo. Porque somos todos humanos, e como tal, devemos construir o ambiente onde a infelicidade não possa entrar. É na felicidade dos momentos que construímos as veredas simples e penetráveis, pelas quais devemos viver a vida como ela deve ser vivida. Ame sempre. É no amor e com amor que construímos. E a vida é uma construção na qual somos os arquitetos do mundo. Somos todos artistas da vida. Então vivamos o Miguel Ângelo: “Nas artes as insignificâncias causam a perfeição. E a perfeição não é uma insignificância.” Pense nisso.
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