Opinião

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Limpeza em suas mãos

Linoberg Almeida*

Frases racistas como ‘negro quando não suja na entrada vai sujar na saída’, ou ‘negro parado é suspeito, correndo é ladrão’ e o clássico ‘só podia ser preto’, ditas em tom de piada, sempre fizeram parte da minha e de tantas vidas. Mas, antes do “lá vem ele de mimimi” tão na moda, este texto não é só sobre racismo. É sobre moral e sobre detalhes nada pequenos que fazem toda diferença.

A coisa está preta? Eu sei que você vai dizer que estou exagerando mas desagradável, obscura também descreveriam uma situação complicada. Sexta, vi extrato no diário oficial sobre a compra sem licitação por 5,3 milhões de reais de testes rápidos para detectar a covid-19 pela prefeitura de Boa Vista, sem quantidade e nada disponível no portal da transparência. A pandemia só reforçou o hábito de mostrarem somente o que querem que a gente veja.

Preto no branco? Difícil, pois, enquanto a prefeitura insiste em brincar de gato e rato com dados, fazendo de conta que é transparente, em outros estados é possível identificar o valor de cada teste como os 90 reais em São Paulo ou 88 reais em Manaus. Olha só, a empresa que há anos limpa a cidade acabou de ganhar mais um aditivo no valor de 1,8 milhão de reais, este já na pandemia, o que daria para testar umas 20.000 pessoas. A cidade faz suas escolhas.

Trabalhadoras pretas e indígenas seguem limpando a sujeira do mundo com água e sabão desde que me entendo por gente, expostas a vírus anteriores a esse que compromete pulmões. Não conseguir respirar precisa ser o limite da corda que arrebenta sempre para o lado mais fraco. Pilatos lavou as mãos para fugir de suas responsabilidades. Quantas vezes você se fez de Pilatos, “lavando as mãos”?

Talvez uma das categorias de servidores públicos mais invisíveis é o agente de trânsito, importante para garantir segurança às pessoas pelas ruas da cidade que tanto mata. Sol a sol, responsável por orientar, fiscalizar e controlar trânsito de pedestres e veículos, aqui 96 agentes são escanteados por gestão que favorece radares antes de fazer educação pela vida. Empurrar escala sem diálogo, oferecer condições insalubres de trabalho, arriscando a vida em quatro saveiros, duas spacefox, uma van, em espaços que aglomeram, com indícios de assédio moral não parece coisa de quem valoriza servidor.

Da cor do pecado? Só se for o da avareza, com esse apego excessivo e descontrolado a bens materiais e ao poder. E não adianta no chegar das eleições viver com “Deus no Comando” na boca, se suas ações conduzidas a uma idolatria dando contorno divino ao que não é. Horário nobre na TV é para vangloriar gestão ou educar população? Dizer que fez e faz exaustivamente, sem atingir público-alvo, atiça ira de quem anda sem paciência. Antes que digam ser inveja, penso que a soberba é dos pecados mais caros pois cega, e quem elege nem sempre sabe o poder que tem para esvaziar essa vaidade.

Limpeza e transparência podia ser contribuição de quem vota. Completou 10 anos a lei da ficha limpa e povo segue votando em “quem rouba mas faz”, em quem está condenado por improbidade. No entanto, lei sozinha não vai afastar da vida pública quem comprovadamente não cumpre as normas que regem o país, gente que se vale de sua posição pública para atender interesses que não são os da população que os e as elegeu. Ficha suja não pode nem ser nome de praça, escola, rua, quiça ser eleito e reeleito como uns e umas são.

Como para bom entendedor tantas palavras bastam, já deu para perceber que é hora de desmascarar ímprobos e faxinar tudo, no sentido literal. Quem anda no poder escondendo coisas encontra guarida em omissões, preconceitos, imoralidades nossas. O remédio é deixar piada de mal gosto de lado e, tomar gosto por papo sério coletivo, numa revisão estrutural tão necessária, pondo a vida humana em pratos limpos.

*Professor e Vereador de Boa Vista

Some os dias

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Não acrescente dias à sua vida, mas vida aos seus dias.” (Harry Benjamin)

Cara, você já prestou atenção no que as pessoas falam? Às vezes rimos do que ouvimos, mas não prestamos atenção ao dito. Você já imaginou o que é passar um dia como o de hoje, numa ilha, confinado dentro de casa, com uma chuvinha friinha e chata, lá fora? Que só permite que você vá até a varanda e sem poder ver nem mesmo os carros passando lá em baixo? É uma parada considerada, e nem sei por que, federal. Mas deixa isso pra lá.

Não imagine assim, tão tristemente. Afinal estamos na Ilha Comprida. A Ilha é toda plana. Não tem nenhuma elevação. E tem setenta e quatro quilômetros de extensão. Mas quem está como eu, num apartamentozinho no centro da cidade, fica realmente preso. Lá na frente estão elevações imensas que ficam no Município de Iguape. Lá das bandas de lá, rumo a São Paulo. Gostou “das bandas de lá?” Mas vamos falar sério. Nem me viro para o lado de lá, porque não consigo ver o mar, por conta dos edifícios ali na frente. Os quero-queros não vêm, nos dias chuvosos. No Pronto Socorro quase nenhum doente, pelo menos ali na porta. O Espaço Cultural Plínio Marcos está atendendo com exames de suspeitos de vírus. A academia de ginástica está fechada. E as casas de comércio, não podem abrir. E as que abem nos obrigam a só entrar mascarados. E já pensou em andar mascarado na chuva?

Foi pensando e observando tudo isso que resolvi vir conversar com você. Sei que é um assunto chato pra dedéu, mas não tenho outro. E quem paga o pato é você que tem que ficar torcendo o nariz com minha chatice. E como tenho um grupo enorme de pessoas a quem eu gostaria de abraçar hoje, mando um abração geral. Amigos e amigas que gostaria de ver neste momento. Mas, não fiquem preocupados. Vocês vão se assustar, mas assim que o corona deixar, irei aí dar uma abração em todos. Estou treinando, dentro de casa. Vai ser um abraço quebra-costela.

O espaço aqui não é suficiente para citar nomes dos do grupo. Mas um abração para o pessoal da FOLHA. Para os amigos e parentes. E, particularmente, para o amigo Plínio Vicente, Samara Diniz, Leilá, e tantos outros que me trouxeram saudade neste momento. E os que estão de fora do papo, estão sentados aqui do lado esquerdo do peito. Mas cuidado. Não estou me despedindo. Estou só vivendo o dia friinho de hoje, como ele deve ser vivido numa prisão domiciliar, sem que tenha havido crime. E tudo por conta da amizade que tenho por todos os amigos de verdade. A dona Salete acaba de me chamar pra secar a louça que ela lavou. Abração pra você. Um dia nos veremos. Pense nisso.

*Articulista

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