Viciados em games
Marlene de Andrade
“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:2)
Atendi uma senhora que está muito preocupada com seu filho de 14 anos dependente de um celular. Compartilhou que ele fica trancado quase que o dia todo no quarto e que quase não faz outra coisa a não ser ficar plugado em videogames.
Segundo o site VivaBem, a OMS afirma que uma pessoa é considerada viciada em games ao apresentar as seguintes características: “Falta de controle sobre o jogo (seja frequência, seja intensidade, seja duração); Prioriza sempre os jogos em relação a outros interesses da vida e atividades diárias; Continuação ou até escalada do ato de jogar, apesar de consequências negativas; O padrão de comportamento é de gravidade suficiente para resultar em prejuízo significativo em áreas pessoais, familiares, sociais, educacionais, ocupacionais ou outras áreas importantes de funcionamento”
O uso exagerado da internet para praticar jogos eletrônicos está se tornando uma realidade entre muitas pessoas, ocorre que, muitas vezes, essa prática pode se tornar um vício, visto que tudo que se faz sem moderação pode se tornar patológico, inclusive a diversão com games e uma pessoa viciada seja no que for, tem dificuldade em ter uma vida social normal.
Geralmente, essas pessoas possuem quadro depressivo, ansiedade e dificuldade de se sociabilizar, podendo, por isso, usar os jogos como fuga. E o pior é que podem também se tornar usuárias de drogas psicotrópicas lícitas como o álcool ou a outras drogas ilícitas.
Em vez de criticá-las, devemos tratá-las com amor e dignidade. Tudo que é feito com carinho tem um efeito muito maior do que o que se faz de forma ríspida e grosseira. Não adianta chegar ao viciado, por exemplo, em celular ou em qualquer tipo de drogas ou mesmo em videogames, com o dedo em riste. Qualquer vício é algo muito sério e, por isso, tudo que o viciado necessita é sentir que ele tem valor e ser devidamente acompanhado por profissionais experientes e perceber que é amado, principalmente por sua família.
O livro de Provérbios nos diz a esse respeito, o seguinte: “Pela sabedoria edifica-se uma casa…” (Provérbios 24: 3a).
Que existem dependentes em videogames e em celular é uma realidade, mas não é com estupidez que os familiares irão resolver esse problema e sim com amor, carinho e respeito.
Marlene de Andrade
Médica Especialista em Medicina do Trabalho – ANAMT/AMB/CFM
Médica Pós-graduada em Pericias Médicas – Fundação UNIMED
Técnica em Segurança no Trabalho – SENAI/IEL
Desfazimento de laços
Walber Aguiar*
a indiferença distancia as pessoas,
e há coisas que nunca mais voltam a ser
as mesmas de antes.
Drummond
Decerto que as coisas acabam. Diante do absurdo da existência, da relativização do existir, o tempo nos encurrala em algum canto da vida, em alguma esquina encharcada de sobriedade ou de delírio. Sim, as coisas se desgastam feito os dentes, o ferro na ferrugem, a alma que sente dor, o corpo frágil diante da velhice, a esperança frente à decepção.
Há uma compreensão ampla dos fossos, das valas, dos abismos interpostos entre nós e o outro. Um entendimento que ecoa na alma, ainda mais quando se percebe o existir na perspectiva do poetinha, quando afirma que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
E tudo que nos distancia, traz em seu bojo palavras mal ditas e mal empregadas, desgaste relacional pelas idiossincrasias, por algumas opiniões contrárias, extremadas, polarizantes. E se há distância, há raiva, ódio, desprezo, silêncio, indiferença.
E de repente do riso faz-se o choro, o pranto, a tristeza por um gesto ou coisa irrelevante, questiúnculas que poderiam ter sido evitadas. Aí lembramos da escola em que estudamos na infância, do campinho de pelada, do lanche repartido, do quibe comido na Praça Capitão Clóvis, do sanduíche devorado na Praça da Saudade.
As muitas lembranças fervilham, a lágrima renitente teima em cair, a alma se encolhe, a psique entra num estado de melancolia, enquanto os momentos são revisitados, enquanto a vida passa a limpo os borrões que serviram para o aprofundamento da relação, para sabermos à sombra da distância a preciosidade do amigo, a intensidade da ternura.
Assim, tudo se acaba, desgasta, corrói, apaga, evapora, desmorona. Por isso não deixe que opiniões contrárias roubem a preciosidade que perpassa o tempo. As ideologias passam, a amizade continua.
Não desfazer amizades bonitas por causa de ideologias extremadas e vazias, é um grande indício de maturidade…
*Advogado, poeta, professor de filosofia, membro do Conselho Estadual de Cultura e da Academia Roraimense de Letras
Vassouras sem cabo
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Varre, varre vassourinha
Varre, varre a bandalheira
Que o povo já está cansado
De sofrer dessa maneira”.
Terminei de tomar o café da manhã e olhei para aquela estantezinha de pernas longas. Aí comecei a sorrir, sem ser notado. Nem me lembro há quantos anos ela está ali, naquele canto de parede, nem por quê. Só sei é que é uma história pequenininha, mas muito interessante. Depois a contarei pra você. Vou contar só a origem da coisa.
Na segunda metade da década dos oitentas, um dia eu estava em São Paulo, visitando minha irmã, Zizelda. Depois do café da manhã, saí com meu cunhado, Cézar, para comprar o jornal. Quando chegamos à banca de jornais, encontramo-nos com um amigo do Cézar. Meu cunhado nos apresentou. Só que quando ele disse que eu era de Roraima, o amigo afastou-se e perguntou admirado:
– Cara, o que é que vocês fazem com tantos cabos de vassoura, em Roraima?
Eu não tive resposta e ele nos explicou, dizendo que a empresa onde ele trabalhava tinha acabado de mandar cinco mil cabos de vassouras, para a Secretaria de Educação de Roraima. Ficamos nos olhando sem entender o espetáculo. Conversamos, saímos e não paramos de rir, sem entender por que Roraima acabara de comprar cinco mil cabos de vassoura. Mas quando regressei a Roraima comecei a procurar
o engodo.
Quando contei o acontecido, para um amigo, da Secretaria, ele me levou até o depósito onde os cabos de vassouras ficavam guardados. E você não imagina quantos anos aqueles cabos de vassoura ficaram ali sem nenhuma utilidade. Muitos anos depois meu amigo me trouxe, como presente, duas estantezinhas que ele produzira com alguns daqueles cabos de vassouras.
Mas uma amiga, da Secretaria, já tinha me explicado o motivo da compra. O Governo comprara cinco mil vassouras para distribuí-las pelo interior. Só que as vassouras vieram sem cabos. Aí o governo comprara os cinco mil cabos. Só que quando os cabos chegaram a Roraima, as vassouras já tinham sido entregues sem cabo. E o pessoal, no interior já tinha providenciado cabos artesanais. Aí os cinco mil ficaram guardados e sem nenhuma utilidade. Até que um dia veio uma reforma no prédio, e os cinco mil cabos foram doados a quem interessasse. E meu amigo os ganhou para fazer botõezinhos para jogo de damas. Aí ele fez aquelas duas estantezinhas, e mas deu de presente. O Cézar já faleceu, mas sempre que nos encontrávamos ele me perguntava pelos cabos de vassoura, das vassouras sem cabos. Ainda temos muita história para contar. Mas vamos devagar com o andor porque o santo é de barro. E quando não é de barro, é de gesso. Por isso, muito frágil. Pense nisso.
99121-1460