Amor que transforma: da dor à esperança
Celso Luiz Prudente[1]
Éder Rodrigues dos Santos[2]
A obra “O Amor que Transforma: como encontrar forças para recomeçar” (Editora Academia, 2016) de Lu Alckmin, ex-primeira dama do estado de São Paulo, tem em sua perspectiva de pedagogia materna, a expressão narrativa e lírica de uma mãe que transformou o processo de dor e superação da perda, em uma lição de vida que influencia muitas mulheres no âmbito da maternidade. No ano de 2015, aos 31 anos, seu filho caçula, Thomaz, que era piloto, morreu vítima de um acidente de helicóptero em São Paulo.
O difícil momento lhe permitiu duas questões que foram fundamentais para o seu caminhar: o que é permanente? o que durará? Pergunta a autora. A literatura traz uma dimensão nova para o amor, que tem na fé e vivência, dois vetores do que ela chama originalmente de amor duradouro. Nessa construção literária percebe-se que Lu Alckmin já tem um lugar próprio na literatura. Ela fala como mulher e mãe para todas as mulheres que são mães. O livro demonstra que esse amor está alicerçado em uma perspectiva de coletividade.
A partir da superação da ausência do filho caçula, ela relata uma trajetória de lutas e capacidade de criar, pela linguagem escrita, um testemunho de vida que é um novo viés do feminismo: o feminismo afetivo, permitindo um novo protagonismo em que, a mulher seja sujeita da sua história, como protagonista do seu sentimento matriarcal.
A literatura de dona Lu não é apenas um relato, mas uma proposta para a superação. A generosidade de compartilhar esta trajetória, marcada por momentos de profunda meditação e apoio é a marca da sua literatura. A obra é uma terapia sublime para o momento mais difícil da maternidade, que é a perda de um filho. Dona Lu amplia a possiblidade de uma superação com a fé orgânica do amor materno que lhe é próprio. As expressões de sua elegância textual refletem-se na criação de imagens literárias, ou seja, uma originalidade que torna a sua literatura ainda mais impregnada de nuances de solidariedade.
Nesse momento de pandemia, de insegurança global, de famílias entristecidas pela perda de seus entes mais queridos pela COVID-19, esta obra ganha ressignificação e ocupa espaço de singular importância, sendo literatura mais que obrigatória, em virtude da necessidade de cuidados e amparos físico e mental. Para a autora, a perspectiva de morte não pode se constituir em um tabu para as famílias que, de acordo com sua experiência, necessitam conversar sempre sobre o tema.
A autora já alertava que é possível permitir que a pessoa continue vivendo de uma outra forma entre nós, quando tratamos do assunto, quando temos as boas lembranças dos feitos de quem se foi. É nesse ensejo que a literatura de dona Lu abre uma janela de possiblidades para dialogar com a africanidade do pensador Muniz Sodré, que ensina que para os povos de cultura Iorubá: a pessoa só morre quando é esquecida.
Como todas as mães que passaram por essa difícil experiência de perder respectivamente seu filho, a escritora assinala com convicção: “Eu sinto meu filho em todos os lugares onde vou”. Razão e emoção são faces da mesma moeda na estratégia da construção literária de Lu Alckmin. Percebe-se na obra, uma compreensão merleau-pontyana do invisível que se faz na consciência do corpo da mãe que vê no amor maternal uma eternidade, na medida em que faz na capacidade da superação um elemento de compartilhamento para outras mães. Assim, mais uma vez, ela possivelmente retoma Merleau-Ponty, na demanda de complementariedade das diversidades. A obra de dona Lu é inegavelmente um inventário sentimental estruturada na fé e no afeto maternal.
Sobre o processo de consolar o outro, dona Lu diz que recebeu palavras de consolação, mas que muitas vezes precisou reunir forças e inverter o processo. Ela é didática em fornecer ao leitor saídas para que esse ato sincero não se transforme em uma forma negativa de discurso e controle. O livro ensina que o outro que testemunha a dor destas mães, precisa respeitar o tempo próprio de quem passou pela dificuldade da perda, afinal, cada um desenvolve a cura interior de um jeito muito particular.
Há momentos em que se percebe em Lu uma construção cirúrgica de sua pedagogia, que forma originalmente uma categoria conceitual em sua filosofia sentimental. “O Amor que Transforma” é um conjunto de páginas regadas de emoções e lições emergentes nesse momento que tanto precisamos de referências para seguirmos em nossa jornada.
*Doutor em Cultura pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutor em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/UNICAMP. Professor Associado da Universidade Federal do Mato Grosso. Antropólogo, Cineasta. Curador da Mostra Internacional do Cinema Negro. Pesquisador do CELACC/USP. Apresentador e Diretor do Programa Quilombo Academia, da Rádio USP/SP. E-mail: [email protected].
Tecendo as redes
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Contemplei as leis e vi que são redes tecidas de tal forma que os pequenos insinuam-se através delas, os grandes as rasgam, e ficam presos nelas somente os homens de tamanho médio”. (William Shentsone)
Coincidentemente, ontem estive refletindo sobre o número exorbitante de leis que temos. E foi analisando-as que quase fiquei tonto. E isso por conta das leis ridículas que nos desorientam. E se você estiver pensando que estou brincando ou ridicularizando, sacuda a cabeça e mande seu pensamento para os quintos. E reflita sobre isso quando o telejornal, mais tarde, estiver falando de bandidagem. Reflita quando apontarem para o bandido recém-preso e disserem: ele já tem sete passagens pela polícia. Aí se pergunte: que lei pode permitir que um cara seja preso sete vezes por cometer vários crimes contra a sociedade? O Blaise Pascal já disse: “Incapazes de fortalecer a justiça, os homens legalizaram a força”. E fim de papo.
Vamos com calma porque o santo é de barro. Conduza o andor c
om cuidado. E nós, todos nós, somos responsáveis pelo santo. Mas devemos estar preparados para não ficar contando com o milagre. Faça-o você mesmo ou mesma. Mantenha sua mente sadia, e caminhe por estradas bem construídas. E as estradas estão na política. E por isso é importante que a construamos com respeito e reponsabilidade. Pare de gritar e xingar. Não iremos construir o país que queremos para o futuro, com arrufos e comportamentos de rasgadores de redes. Valorizemo-nos no que realmente somos. E somos o que pensamos.
Se somos donos dos nossos pensamentos vamos usá-los dentro da racionalidade. Respeitemos nosso próximo como a nós mesmos. Porque se você não se respeitar não há como respeitar os outros. E é aí que a jiripoca pia. Porque ninguém vai respeitar quem não o respeita. E se se prestar atenção se verá que é este o mundo que estamos vivendo. Porque é o mundo que construímos até agora. O que nos indica que necessitamos de mudanças. Mas mudar não basta. É necessário que estudemos as mudanças antes de executá-las. Então vamos mudar. E nada mudará enquanto continuarmos nessa política raquítica que continuamos alimentando com nossa ignorância política.
Pare de gritar e comece a pensar. Mas pensar como um pensador, e não como um visionário rasgador de redes. E não se iluda pensando que as mudanças são fáceis. Elas exigem preparo. Então vamos nos preparar. Vamos nos educar politicamente. Vamos tirar de nossas mentes a ideia de que a política é uma rede de engodos. Quando na verdade ela é o esteio da humanidade. Não há como crescer e progredir sem uma política de fato. Pense nisso.