Opinião

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A Identidade Pessoal

João Paulo Araujo

Uma maneira de entender a atividade filosófica é afirmando que o que move a filosofia são as suas questões. Alguns filósofos chamam de problemas ou até mesmo de puzzles (quebra-cabeças). Uma questão genuinamente filosófica não se deixa resolver tão facilmente. Há mais de dois mil anos atrás, Platão em sua República lançou mão da seguinte pergunta: o que é a justiça? Hoje em pleno ano de 2022 ainda podemos nos perguntar o que é a justiça e muito provavelmente não nos daremos por satisfeitos com as respostas apresentadas. Esse exemplo serve para pensarmos na perenidade de uma questão filosófica, isto é, como ela permanece viva ao longo dos séculos.

A tradição filosófica está recheada de questões e problemas filosóficos tais como Deus, causação, livre-arbítrio, consciência, tempo, mente-corpo, mundo externo etc. Um desses problemas filosóficos que intrigam bastante os filósofos é o problema da identidade pessoal. A identidade pessoal é um daqueles clássicos problemas metafísicos que busca compreender o que é uma pessoa ou indivíduo. Colocado de outra forma, o que significa dizer que eu sou eu mesmo? A identidade aqui é pensada na primeira pessoa e não do ponto de vista de uma etnia ou grupo de pessoas. Não se trata de uma identidade qualitativa quando, por exemplo, olhamos para duas coisas aparentemente idênticas do ponto de vista perceptual, como no caso de dois carros vermelhos. A identidade aqui é algo mais rigorosa.

No sentido usado pelo filósofo alemão Leibniz, trata-se de uma identidade numérica. Mas o que isso significa? Significa que A só é igual a B se, e somente se, todas as propriedades que A possui, B também possui. Sendo este o caso, não estamos falando de duas coisas idênticas, mas apenas de uma única coisa. Assim, podemos nos perguntar: quais são os critérios da identidade pessoal? Quando estamos diante de um espelho e nos deparamos com a nossa imagem, parece que os critérios são meramente físicos. Nos identificamos com a imagem que está ali refletida. Todavia, quando olhamos para uma foto de quando éramos crianças, também nos identificamos. Parece que no tempo decorrido de quando éramos crianças até o presente ‘algo’ permaneceu apesar das inúmeras mudanças. Esse ‘algo’ podemos chamar de critério para a identidade pessoal, ou seja, algo que possa garantir a identidade nas mudanças ocorridas ao longo do tempo. 

Grosso modo podemos eleger dois critérios, um físico e outro psicológico. Os critérios físicos apelam para características e evidências como aparência física, impressões digitais ou até mesmo DNA. Ora, a aparência de uma pessoa pode mudar ao longo dos anos. Dificilmente reconheceríamos um amigo de infância do qual há mais de 30 anos não tivemos nenhuma notícia ou contato. Uma impressão digital parece ser um critério muito forte, porém, quando olho para minhas impressões digitais reconheço que são minhas digitais, mas não me reconheço enquanto indivíduo como sendo um conjunto de digitais. O mesmo se aplica ao meu DNA, que por sinal poderia ser replicado num clone idêntico do ponto de vista qualitativo de minhas características físicas, embora vazio do ponto de vista de uma biografia humana, ou seja, do conjunto de minhas experiências vividas até então.

Com isso resta-nos os critérios psicológicos. Exemplos de critérios psicológicos são crenças, desejos, medos, memórias e até mesmo a consciência entendida como um fluxo contínuo de nossa existência. Os três primeiros são bem genéricos, posso ter crenças, desejos e medos que outras pessoas também possuem e, portanto, não podem ser elementos rigorosamente eleitos para caracterizar minha identidade. Já as memórias parecem ser um critério mais robusto. Poderíamos até afirmar que somos o que nos lembramos e o que nos esquecemos. Nas palavras do escritor argentino Jorge Luís Borges “Somos nossa memória, somos esse museu quimérico de formas inconstantes, essa pilha de espelhos quebrados”. Entretanto, as memórias não satisfazem o critério da identidade pela falta de confiabilidade. Afinal, como eu sei que certas memórias correspondem a eventos factuais do passado? Alguns de vocês já devem ter sido corrigidos por alguém próximo acerca de algum episódio ocorrido na infância. Posso, por exemplo, ter a memória de que caí de uma arvore e quebrei o braço quando muito pequeno. Em parte, essa memória é verdadeira pelo fato de quebrei um braço na infância, mas não foi caindo de uma arvore, e sim de uma camionete. Aqui nos deparamos com uma questão epistêmica; parece que critérios de primeira pessoa não são suficientes para determinar o valor de verdade de nossas memórias. Em outras palavras, precisaríamos de algum tipo de testemunho para validação daquilo que nos lembramos.

E se ao invés de buscarmos um único critério buscássemos vários para satisfazer a questão da identidade pessoal? O filósofo inglês John Locke ofereceu uma caracterização bastante intuitiva. De acordo com Locke, o que assegura a nossa identidade pessoal é a nossa capacidade de pensar a si próprio como si próprio (itself as itself). Em outras palavras, somos seres pensantes e inteligentes, que têm o poder de raciocínio, reflexão, tomada de decisões etc. A grande malha que liga tudo isso é a consciência, inseparável do pensamento nos diferentes tempos e lugares. Locke chamou isso de mesmidade de um ser racional (sameness of a rational being). É essa mesmidade que recai sobre a noção de um ‘eu’, sujeito ou self.

Em contrapartida, o filósofo escocês David Hume caracterizou a noção de identidade pessoal como problemática e fez duras críticas a noção de um ‘eu’ identitário. Como um bom filósofo empirista, Hume afirma que o ‘eu’ ou self não pode ser encontrado na experiência, sendo a mente humana, portanto, uma ficção. Para Hume, a mente é uma espécie de teatro onde diversas percepção aparecem e desaparecem. Nunca conseguimos apreender aquilo que chamamos de ‘eu’, pois, todas as vezes mergulhamos no mais profundo de nós mesmos, nunca conseguimos achar algo de permanente, tudo se sucede o tempo todo num feixe de percepções desordenadas. Segundo Hume, as dificuldades em torno da identidade pessoal podem ser mais gramaticais do que filosóficas.

Foi Wittgenstein, filósofo austríaco, quem dedicou a vida a estudo da linguagem na filosofia. Para ele, toda linguagem pressupõe uma forma de vida e essa forma de vida torna explícito os diversos usos que fazemos com as palavras. Assim, Wittgenstein acreditava que os problemas filosóficos seriam no fundo problemas da nossa linguagem. Em seus Notebooks, Wittgenstein afirmou que “o eu é o que há de profundamente misterioso”. É quando tentamos apreender nossa identidade pessoal a partir da noção de um ‘eu’ que percebemos as dificuldades. Do ponto de vista referencial ao que exatamente ‘eu’ se refere? Vamos imaginar uma situação em que alguém chega em casa batendo na porta e falando: “abre aqui, sou eu!”. É muito comum em algumas situações a outra pessoa perguntar: “eu quem?”. Neste caso, seria o ‘eu’ apenas um pronome de primeira pessoa?      

João Paulo Araujo

Professor do Curso de Filosofia da UERR

O bom relacionamento

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Tenho um relacionamento fabuloso com os amigos, com os membros da família e colegas de trabalho. Eles todos gostam de mim”.  (Louise Hey)

Fiquei feliz, assistindo, no fim de semana, a uma reportagem numa emissora de televisão. A entrevista era com o jornalista Fernando Estrela. A entrevista levou-me a um passado de décadas. As amizades que tenho aqui em Roraima me enchem de orgulho. Mas a entrevista lembrou-se de um quarteto nas novas amizades criadas nos primeiros anos da década dos oitentas: Fernando Estrela, Sandra Tarsitano, Fernando Quintella, e Plínio Vicente. Um grupo entre todos os do grupo que muito me honram, nesta “Terra de Boas Vidas e Vistas”.

A pandemia mascarada está dificultando meu contato com os grandes amigos. Mas o bonde está passando e logo mais estaremos nos contatando e me honrando com as amizades, que me enriquece o espírito. Um abração “quebra-costela” a todos os que moram do lado esquerdo do meu pequeno peito. Pequeno, mas que tem espaço para acomodar todos os que chegam. Então vamos caminhar, hoje, pelos caminhos do amor e da amizade que mantêm firme a grandeza no respeito, na sinceridade e sobretudo no caráter.

Somos, e estamos, felizes por estarmos juntos no amadurecimento da humanidade. Mesmo sabendo que este caminho é lento, mas que um dia chegaremos lá. A caminhada é longa e quase sempre provocadora. E é aí que está nossa grandeza, na escolha das veredas para a caminhada, mesmo sabendo que elas, as veredas, são tortas e penosas. Mas são os trancos que nos engrandecem. Os erros nos ensinam. Os acertos nos enriquecem. E as amizades são um esteio forte para o enriquecimento do espírito.

Estamos numa segunda-feira, segundo dia da semana, e que nos ilude pensando que ele é o primeiro. O que nos leva a brincar conosco mesmo, reconhecendo nossa fraqueza que nos alerta para o certo. Vamos viver, hoje, o que aprendemos ontem, mesmo que a lição tenha sido no balançar da redinha. O que é muito raro, hoje em dia. Mas não faz mal. A redinha pode estar nas lembranças de belos e bons dias que vivemos no passado. Que é o que devemos levar do passado: os bons momentos vividos. E eu adoro fazer isso.

Não se deixe levar pela azáfama do trabalho árduo. O trabalho é um enriquecimento da alma. Porque ele, o trabalho, só desgasta o físico quando não é aproveitado pela alma. Então, não importa o que você estiver fazendo hoje, o que importa é que você faça bem feito, no que faz. “Não se mede o valor de um homem pela tarefa que ele executa, e sim pela maneira de ele executá-la”. (Swami Vivecananda). Então vamos fazer sempre o melhor. Pense nisso.

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