Em meio às convulsões, há um farsante em regozijo
Sebastião Pereira do Nascimento*
Mal a pandemia dá sinal de enfraquecimento, o mundo entra novamente em convulsão, desta vez causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. A pandemia, gerada pela covid-19, desde do início de 2020, já matou mais de 6 milhões de pessoas no mundo (em dois anos), no Brasil mais de 653 mil. A guerra, em função da divergência entre os números de mortos, em 16 dias já é incontável o número de pessoas mortas dos dois lados (civis e militares) e fez mais de dois milhões de refugiados ucranianos.
Assim como a pandemia, que tomou uma larga proporção, a guerra vem tomando proporção mundial, em razão das sanções contra a Rússia, que incidem na questão econômica e na proibição das importações russas de petróleo, gás e carvão. Por outro lado, tanto a pandemia do coronavírus quanto a guerra atual poderiam ser evitadas. No caso da pandemia, em alguns países como, por exemplo, Brasil e Estados Unidos, tomou largas proporções principalmente pelas atitudes insanas de seus governantes agindo em favor do vírus. Nos USA, inicialmente com o Donald Trump e no Brasil com Jair Bolsonaro, ambos desprovidos de idoneidade moral e da capacidade intelectual que faz com que não entendam que são Homo sapiens.
No Brasil, onde o coronavírus que ainda é uma ameaça (assim como em outras partes do mundo), é evidente que teve uma parcela da população onde, agindo como uma boiada ao entrar a porteira, muitos refutam sendo preciso chicotadas para que voltem ao rebanho, assim é essa população que ajudou ostensivamente disseminar o vírus da covid-19. Um grupo de pessoas incivilizadas que, muitas vezes, precisou sentir na própria pele para voltar ao curral, isto é, para tomar as medidas sanitárias contra a doença virótica.
Voltando à guerra atual, apesar dos poucos dias de conflitos, já deixou um rastro de destruição, não só nos dois países beligerantes mas também nos países que vêm recebendo parte dos mais de dois milhões de refugiados ucranianos. Algo que já assistimos de perto aqui no Brasil, sobretudo em Roraima, com os refugiados venezuelanos. Embora numa escala menor, mas de uma violência brutal semelhante, quando nos primeiros anos vimos milhares de pessoas — sob o sol escaldante pela BR-174 — fugindo da fome e da miséria de seu país. Aqui, apesar da agressividade e do xenofobismo de uma parte da população, foi possível dividirmos o que tínhamos para recebê-los, muitos até que nada tinham, mas que ofereciam a sua maior riqueza: o calor humano. Atitude que intencionava dizer aos imigrantes: mi casa y tu casa. Em tradução livre: minha casa é tua casa.
Noutro contexto, Bolsonaro que odeia comunista, mas nem só pelo interesse de fertilizantes — que ele vem usando como subterfúgio para a aprovação do projeto que propõe regras para mineração em terras indígenas —, vem simpatizando com o presidente russo (Vladimir Putin), num alinhamento que faz lembrar o caso em que o governo russo, revelado pelo serviço de inteligência dos Estados Unidos, influenciou a eleição presidencial estadunidense em 2016 e tentou influenciar a eleição em 2020, por meio de alegações infundadas sobre Joe Biden.
O Brasil de hoje é um país tomado por uma avalanche de desordens praticadas por um chefe de Estado perdulário, tomado de uma vaidade descomunal onde, junto com seus adeptos tentam esconder, tapando o sol com peneira, as falcatruas deste governo. Se o Brasil de hoje tem algo pior, esse é o desgoverno de Jair Bolsonaro. O qual a história o tratará sempre que se referir sobre violência, genocídio, racismo, misoginia, sexismo, corrupção, destruição ambiental, ataque ao povos originários, etcéteras.
Infelizmente, é isso que mais se fala atualmente, dentro e fora do país do Brasil, algo que amiúde se confunde com duas das mais atrozes fases no país: o estado escravista e a ditadura militar. Duas (agora três) fases repugnantes que mancharam a história do Brasil. No entanto, há ainda quem possa elogiar tais barbáries e colocar o dedo em riste para defender um governo macabro. Porém, é bom se perguntar quem são essas pessoas? Como elas agem diante do contexto moral? O que as nutre existencialmente?
Contudo, em face desses infortúnios, é possível ver uma luz lá na frente quando olhamos para as próximas eleições. É possível voltarmos para a realidade, mas que não seja a mesma de Bolsonaro, o qual ao longo desses três anos de desgoverno nada fez senão agir sorrateiramente no intuito de dilacerar o país: conduzindo um plano econômico neofacista, atacando as instituições públicas, a ciência, a educação, a cultura e fazendo troca abusiva de ministros e apadrinhados (cada um pior que o outro), ora para levar a cabo o seu projeto nefasto, ora para se proteger ou proteger seus filhos da alça da justiça, já que a corja inteira vem sendo investigada (em inquéritos separados) por corrupção, lavagem de dinheiro, disseminação de notícias falsas e outras falcatruas.
Como forma de satisfazer seus regozijos, Bolsonaro, que durante vinte poucos anos como deputado federal locupletou-se das vantagens do congresso sem nada contribuir de bom para o país, agora vem esbanjando o erário em viagens de lazer, onde, segundo levantamento por meio da Lei de Acesso à Informação, só no mês de dezembro, em Santa Catarina, Bolsonaro e família gastou R$ 899.374,60. Somando essa viagem às outras viagens sem propósitos institucionais (passeios de moto, exposições no litoral, campanha política fora de hora e alguns eventos solenes), o valor sobe para R$ 4.219.792,67, entre maio de 2019 e agosto de 2021. Os dias no litoral e os passeios de moto representam 74% do valor desembolsado dos cofres públicos.
Para não dizer que nada está sendo feito, o Tribunal de Contas da União (TCU) vem investigando os gastos do presidente com o cartão corporativo. A iniciativa ocorreu após pedido do senador Fabiano Contarato (PT) que, em janeiro de 2021, divulgou dados que mostraram gastos de R$ 29,6 milhões no cartão corporativo em três anos de mandato. Cerca de 19% mais do que foi gasto juntos nos dois mandatos de Dilma Rousseff e na gestão de Michel Temer.
Contudo, ainda que alguns gastos sejam “legais”, mas é algo que se sustenta na imoralidade e su
pera os limites da isonomia e da razoabilidade, sobretudo nesses tempos de pandemia e inflação galopante em que a população mais pobre sofre com o desemprego e com a falta de alimento e além dos constantes cortes orçamentários, principalmente nos setores públicos que mais contribuem para promoção social da população. Para qualquer cidadão moral, isso é antes de tudo condenável.
* Filósofo e consultor ambiental.
Banditismo, uma questão em classe
Recentemente a gravação de um professor da Rede Estadual de Roraima viralizou. O presidente da República em pessoa comentou o caso em sua live semanal e disse esperar que o governador do estado tome providências.
Uma amiga chamou minha atenção para o caso ao relatar que o professor está sendo linchado publicamente e que sua família sofre ameaças. Não sei o teor completo da aula, mas, embora o áudio esteja descontextualizado – o que compromete o entendimento –, no trecho a que tive acesso, o professor parece apresentar uma posição inadequada. No entanto, a repercussão foi descabida e a punição antes da devida averiguação e encaminhamentos extrapolou o limite do razoável.
No áudio, o docente afirma que os bandidos entendem sua atividade criminosa como um trabalho. Em resposta ao comentário, um aluno cria uma situação hipotética: se alguém trabalhou honestamente por dez anos para conquistar o sonho de ter um carro bom, e um bandido o rouba… Isso seria certo? O professor responde descabidamente ao questionamento: ele, o bandido, estaria fazendo o trabalho dele. Não é possível saber como o argumento se desdobra. De toda forma, esse não parece ser o centro do debate. Na verdade, desde o início, o professor parece questionar a ideia de “cidadão de bem”; que, suponho, havia surgido entre os alunos.
A noção de “cidadão de bem” busca dividir a sociedade brasileira entre pessoas que cumprem seus deveres cívicos e outras que rompem o contrato social. As últimas, nesta lógica, deveriam ser banidas da civilização, podendo se tornar alvos de abusos como a tortura. Em boa medida, trata-se de uma ideia que justifica a realidade cotidiana de periferias e penitenciárias brasileiras.
Em todo país sério, um cidadão que comete um crime deve ser investigado, julgado e punido dentro do seu marco legal. Para isso, não deveria haver nenhuma diferenciação entre classe social, cor de pele ou ideologia. No Brasil, ao falarmos em criminosos, traficantes e bandidos muitas pessoas pensam instintivamente em jovens pretos e pardos das periferias. E pior, assumem que estes sejam descartáveis.
Por outro lado, um narcotraficante que possui fazendas e se apresenta na sociedade como empresário pode ser um maravilhoso pai de família e, ao mesmo tempo, um assassino de sangue-frio. Alguém que sonega impostos e pratica violência doméstica pode ser um ótimo empregado e vizinho. Um servidor público que desvia verbas de merendas, pode ser um marido amoroso e um cristão devoto. E, mesmo assim, todos levam uma vida pública como respeitáveis “cidadãos de bem” – ao menos até que sejam descobertos −, ou não? Por que dificilmente pensamos neles como criminosos em potencial?
Criminosos devem responder por seus crimes. Não é justo que pessoas sejam roubadas, assim como é condenável a extrema desigualdade social que campeia pelo Brasil. No entanto, para que a justiça seja feita, com seus devidos pesos e medidas, temos que renunciar ao sentimento de vingança, que muitas vezes vincula preconceituosamente o crime à pobreza.
Em nosso país a maioria das pessoas trabalha duro e recebe pouco pelos seus esforços. Por isso, é compreensível o ódio e a revolta ante o banditismo. Mas não podemos apoiar que esses sentimentos se transformem também em crimes, seja em benefício próprio, ou em nome do “cidadão de bem”. Da mesma maneira que não é justo corrigir um erro com outros.
Rodrigo Chagas é Cientista Social e professor na Universidade Federal de Roraima.
Só julgue na presença
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo existe uma ligação entre eles”. (Ítalo Calvino)
Sempre sinto muita saudade quando assisto a algum programa sobre a beleza do Rio de Janeiro. E como a “Saudade é a presença da ausência”, fico viajando pelos tempos gostosos, maravilhosos, que vivi no Rio. A mesma saudade que sinto quando falam de São Paulo. Duas cidades que foram muito importantes na minha formação. Fico triste quando sou obrigado, porque tenho que assistir noticiários sobre as barbáries ocorridas nas duas cidades. Porque é no que ouvimos, que analisamos. Mas deixo aqui uma sugestão: quando for ao Rio de Janeiro não deixe de visitar o “Museu do Amanhã”. Sempre que vou ali, sinto uma emoção forte, com as mudanças do ambiente, onde vivi momentos maravilhosos, na minha juventude. As diferenças com as inovações, orgulham quem conheceu o ambiente antigo.
Vamos conhecer o nosso amado Brasil como ele realmente é, e não pelo que dizem, através de notícias fantasiosas, o que acham que ele é. Sempre fui um observador inveterado. Talvez por isso conheço tanto o Rio e Sampa, nas observações feitas, caminhando pelas ruas, apenas para observá-las. Faço isso com frequência, em Boa Vista. Talvez por isso a ame tanto. Fico feliz percebendo as inovações, sobretudo nas construções. Estou ansioso para que essa antipática pandemia se mande, para eu poder caminhar mais pelas ruas de Boa Vista.
Vamos mudar a conversa. Para quem não me conhece, sou um escultor, ainda longe de ser o tal, mas esculpo. E o que mais chama atenção dos críticos, é que só esculpo mulheres. Mas não confunda isso com desvio. É que a mulher é, para mim, o maior e mais encantador modelo para o artista. E um dia pode até ser que eu venha a ser um artista. Já fui criticado, pelo fato de ficar observando muitos as mulheres. Já sofri vexames com isso. Bem recentemente eu estava almoçando num restaurante, e fiquei olhando muito para o rosto de uma mulher sentar ali ao lado. E só me manquei quando a mulher se levantou e retirou-se. Na saída ela me olhou feio como se estivesse me repreendendo. Não a conheço nem ela a mim. Mas peço minhas desculpas, porque não houve má intenção. Apenas eu estava admirando traços lindos no seu rosto. O que certamente um dia usarei num dos meus trabalhos.
Se um dia, você, mulh
er, perceber que eu estou olhando para seu rosto, não se aborreça nem se preocupe. Estou apenas admirando sua beleza, sem nenhuma má intenção. Estou parado nas esculturas, mas quando voltar à ação, usarei as belezas admiradas em você. E é só isso. Pense nisso.
99121-1460