O Batman e a cura profunda
Marco Antonio Spinelli*
Na cena inicial do novo filme do Batman, vemos o decadente metrô de Gotham City no dia das bruxas, com vários delinquentes vestidos de Coringa que vão atrás de um pobre nerd andando na hora e vagão errados a caminho de casa. O rapaz tenta fugir, mas é imobilizado pelos valentões que começam a espancá-lo. Os espectadores não perdem por esperar e aparece o Homem Morcego mandando parar com aquilo, os caras perguntam: “Que p… é você?”. O mascarado responde: “Vingança” e espanca a gangue com sons de cacetadas e ossos quebrando.
Começo esse texto com esse ligeiro spoiler porque ele tem tudo a ver com o que vai ser uma mudança de tom e aprofundamento psicológico desse personagem no decorrer desse novo filme da saga.
Batman é um Herói Ferido. Não tem superpoderes, só a grana da família, à qual não dá a mínima. Batman se machuca, interna e externamente. É mortal, deprimido, solitário e tenta fazer justiça e tornar nosso mundo um lugar melhor, como seu pai, assassinado num beco escuro de Gotham City ,junto com a sua mãe. Bruce Wayne é bem personificado por Robert Pattinson. Já ouvi tradicionalistas vaiando a troca de Cristian Bale pelo vampiro da saga Crepúsculo. Eu diria que Christian Bale fazia um Batman mauricinho, com uma dicção de quem fala inglês com uma batata quente na boca. Robert Pattinson, além da óbvia proximidade entre Vampiros e Morcegos, tem a cara de louco e a máscara de tristeza que eu espero ver no rosto de Bruce Wayne, o pobre menino rico, odiando o dinheiro que herdou com a morte de seus pais. Batman é a Vingança de Bruce Wayne. Cada bandido espancado nos becos é um representante do assassino que matou seus pais diante de seus olhos. Batman, como muita gente, transforma a sua dor em fúria e necessidade de vingança. Ou, pior ainda, imagina que a sua ação vai fazer diferença, metendo medo nos foras da lei e nos corruptos.
Os vilões da saga do Batman são interessantes porque são uma espécie de imagem em espelho do Homem Morcego. Eles também tem a infância traumática e infeliz, ou uma perda violenta que os transforma em figuras monstruosas, mas dispostas e mostra a espetacular hipocrisia da nossa sociedade do Espetáculo e de nossas personas tão bem polidas, escondendo corrupção, privilégios e comércio de almas debaixo de discursos de boa vontade e combate à corrupção. Soa familiar, não? Charada denuncia essa hipocrisia. O Coringa também.
Batman passa o filme perseguindo o vilão desse filme, o Charada, inspirado no serial killer que aterrorizou as famílias no final dos anos sessenta, o Zodíaco. Charada vai matando políticos, juízes e policiais com mensagens denunciando suas mentiras e manipulações profundas. Trata Batman como um parceiro em sua Cruzada. Através da Deep Web, monta um exército de seguidores motivados a explodir Gotham City, destruindo toda a sua ordem corrupta e manipuladora.
Tem uma cena crucial quando Batman pega um cara vestido de Charada que tentava matar as pessoas refugiadas no ginásio da cidade, o Comissário Gordon pergunta ao terrorista: “Que p… é você?”. O cara ri com os dentes ensanguentados e responde: “Eu sou a Vingança”.
Gandhi dizia que essa história de aplicar o Olho por Olho iria deixar todo mundo caolho ou cego. Batman percebe que combater a violência com mais violência, ou tentar transformar sua dor em Vingança só iria multiplicar sofrimento e mais dor. Uma dor que se alimenta de si mesma, que os Budistas chamam de Sansara.
Aqui vai mais um pequeno spoiler: quando percebe a inutilidade de enfrentar a violência com mais violência, ou purgar sua dor com mais dor, ele salta no ginásio inundado, recolhe as pessoas apavoradas e as guias para fora dali com uma Bat-Tocha. É uma cena belíssima, do Batman abrindo e iluminando o caminho como um Moisés abrindo o Mar Vermelho, as pessoas seguindo seus passos na direção da luz.
O melhor uso das feridas que todos ganhamos em nossa jornada nesse mundo, da infância à velhice, é transmutar nossa dor em cuidado, acolhimento, e usar nossos impulsos heróicos para abrir caminho no mar de estupidez onde estamos afundando. Essa é a profunda mudança de tom desse novo Batman. Transformar a Vingança em Compaixão. Esse é o único jeito de não criar mais sofrimento num mundo já tão sofrido. *Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta younguiano e autor do livro “Stress o Coelho de Alice Tem Sempre Muita Pressa”
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta younguiano e autor do livro “Stress o Coelho de Alice Tem Sempre Muita Pressa”
Seja grande para os aborrecimentos
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Perdoe, seja grande para os aborrecimentos, pobre para a raiva, forte para vencer o medo e feliz para permitir a presença de momentos infelizes”. (Aristóteles Onassis)
Você está preparado para a presença dos momentos infelizes? Momentos que exigem muito preparo mental e racional. Quando estamos preparados não nos intimidamos com a presença. E é aí que vencemos a batalha. Mas exige preparo. Então vamos nos preparar. E tudo depende de cada um de nós, no que realmente somos.
Não era esse o assunto do dia. Mas, no café da manhã um dos meus filhos ligou o televisor. E estávamos no horário dos noticiários da manhã. E imagine quais eram os assuntos repetitivos? Isso mesmo. Roubos, assaltos, crimes hediondos, e por aí a fora. Aí fiquei imaginando até quando iremos seguir essa linha de lições para o mal? Eu não estava a fim de ficar ouvindo notícias desastrosas, mas tive que ficar na minha. E enquanto isso fiquei imaginando sobre o mal que isso traz na formação das novas gerações.
E não estou exagerando. Recentemente falei aqui, sobre um comentário que ouvi de um produtor de filmes, do cinema norte-americano. Ele falava sobre o ataque às torres gêmeas. Falando sobre os ataques, o produtor disse que iria manei
rar mais nas violências, nos seus novos filmes. E o que ele nos mostrava era que o cinema norte-americano ficou durante décadas e décadas, ensinando como destruir os Estados Unidos. Até que um dia, o Bin Laden chegou e mostrou que aprendera. Simples pra dedéu.
Repeti o assunto, mas não faz mal. Não pude fugir à tentação, com o exemplo que nossa comunicação está nos dando. É dificílimo a gente ouvir uma notícia agradável, a não ser a do salvamento de algum cachorrinho. Mas nada é tão ruim que não possa ser melhorado. É só pararmos um pouco nos arrufos e pensar mais na Educação. E sobre tudo, como educar. Porque: “A educação é como aplaina: aperfeiçoa a obra, mas não melhora a madeira”. Só quando entendermos isso, seremos capazes, para educar com racionalidade. Porque nadar na irracionalidade é simples pra dedéu.
Dê um tempinho. Preciso de alguns minutos para voltar ao equilíbrio. Estou me sentindo como se estivesse tentando caminhar sobre uma corda bamba. Ainda bem que o pessoal se retirou da mesa do café e, disfarçadamente, desliguei o televisor. Aliás, na verdade não desliguei a televisão. Nada contra ela. O que me preocupa, realmente, são os acontecimentos que estão chegando às nossas mentes e que deveriam ser vistos, e trazidos de maneira racional. De um jeito que informasse, mas não incentivasse os racionalmente despreparados. Pense nisso.
99121-1460