Dos ataques aos povos indígenas à auto-homenagem
Sebastião Pereira do Nascimento*
A partir dos anos 2000, quando o Brasil adotou efetivamente a expansão do agronegócio, o país vem sendo recordista mundial no uso de produtos agroquímicos, desde fertilizantes à herbicidas e pesticidas, inclusive com a utilização de produtos (maléficos à saúde humana e ao meio ambiente) banidos em outros países e a venda ilegal de agrotóxicos proibidos pela lei brasileira.
Junto a essas questões, o agronegócio também tem contribuído fortemente para a escassez de alimentos, concentração de renda, grilagem de terra, desmatamento e o aquecimento global. Além do mais, as grandes agroindústrias vendem a ideia de que o uso de produtos transgênicos e maior quantidade de agroquímicos são necessários para aumentar a produção agropecuária alegando ser necessário alimentar a população. No entanto, dados do IBGE mostram que quem mais alimenta o brasileiro é a agricultura familiar, constituída por pequenos produtores, povos tradicionais e extrativistas.
Mas, apesar disso, a produção familiar tem sido bastante reduzida pelo país, visto a negligência dos governos (federal e estaduais) que priorizam o agronegócio em detrimento a agricultura familiar, a qual é, também, potencialmente guardiã da biodiversidade e da meta brasileira de intervir no aquecimento global, sendo capaz ainda, se fosse bem assistida, de erradicar a fome e a extrema pobreza no campo, diferente do agronegócio que segue o velho modelo colonial-escravista, levando o país a mero exportador de bens primários, onde as exportações de commodities transformam o alimento em mercadoria, sem se preocupar com o meio ambiente, a qualidade sanitária dos produtos e a necessidade de alimentar as pessoas.
Diante desse cenário, considerando a justificativa de um possível esgotamento de fertilizantes para o agronegócio no Brasil, o governo Bolsonaro trabalha para acelerar a aprovação do Projeto de Lei (PL) 191/20, que regulamenta a exploração de recursos minerais em terras indígenas. Proposta que atingirá profundamente os direitos fundamentais dos povos indígenas e gerará um verdadeiro desastre socioambiental. O texto tramita em caráter de urgência na Câmara dos Deputados e poderá sair até meados de abril, após a análise, à revelia dos povos indígenas, dentro do Congresso. Com efeito perlocucionário, a alegação do governo é que o Brasil tem uma dependência de 80% de fertilizantes, que são importados de países europeus, e que com a possível aprovação do PL, o Brasil poderia ser autossuficiente nesses insumos.
Contudo, a produção de fertilizantes no Brasil é algo muito questionável, principalmente quanto à extração e ao beneficiamento de potássio — mineral que tem diversas aplicações como adubo na agricultura. Primeiro, segundo os especialistas e o IBRAM, instituto que reúne mais de 120 mineradoras no país, para extração do potássio no Brasil não há necessidade de ser feita em terras indígenas, pois há no país maior abundância desse minério fora dessas terras tradicionais. Outro fato é que a extração de potássio torna-se um processo caro e depende da qualidade do mineral. Além disso, mesmo que o projeto seja aprovado, nem sempre a exploração poderá ser autorizada. Pois precisa da licença ambiental da Agência Nacional de Mineração (ANM), e tem ainda a questão dos Estados, se vão autorizar ou não. E, mesmo que haja extração do minério, as indústrias de fertilizantes vão necessitar de outros componentes inexistentes no Brasil e que precisam ser importados. Portanto, apesar dos custos economicamente é mais viável importar fertilizantes do que produzir aqui no país.
Então, fica claro que a intenção de Bolsonaro não é tornar o país autossuficiente de fertilizantes, mas sim abrir as TIs para diferentes tipos de mineração. Para se ter uma ideia, de acordo com o sistema que monitora requerimentos de mineração em terras indígenas e em áreas de proteção ambiental, atualmente tem protocolado 3.562 pedidos ilegais de mineração nessas áreas. Segundo o monitoramento, a terra Yanomami é a mais solicitada pelas mineradoras. Só este ano, o sistema informa que foram protocolados 21 requerimentos de mineração em terras indígenas e 14 em unidades de conservação de proteção integral na Amazônia. Apesar da lei 9.985/00 proibir qualquer tipo de atividade mineradora nessas áreas, atualmente existem 1.233 pedidos para exploração em 49 unidades de conservação na Amazônia. São mais de 3 milhões de hectares requeridos para extração mineral registrados na Agência Nacional de Mineração.
Assim, a partir de uma falsa narrativa, Jair Bolsonaro, que já vem de longe promovendo ataque às TIs, agora passa pressionar a aprovação deste PL — tão destrutivo quanto afrontoso —, o qual conta com apoio do presidente Câmara e ganha pressão exercida pelos garimpeiros, madeireiros, pecuaristas, grileiros e outros setores anti-indígenas.
Para completar o escárnio deste governo, outra afronta aos povos indígenas diz respeito a auto-homenagem, no último dia 16, assinada pelo ministro da justiça, Anderson Torres, o qual concedeu à Jair Bolsonaro (diante do seu histórico anti-indígena) a medalha de mérito indigenista, estendendo também a outros 25 pulhas, entre ministros e outras autoridades, além de indígenas considerados aliados do presidente, como Gerson Warawe Xavante e Irisnaide de Souza Silva (anti-indígena de Roraima). Como o professor Daniel Munduruku destaca, a honraria foi concedida a todos os “inimigos dos indígenas brasileiros” — a condecoração, instituída em 1972, é concedida a pessoas que se destacam pelos trabalhos de proteção e promoção dos povos indígenas brasileiros.
Bolsonaro, entretanto, carregado de um cinismo excessivo, tem sido antes e durante todo seu governo contra os povos indígenas. O qual prometeu não demarcar um único centímetro de terra indígena, vem defendendo ataques e a liberação do garimpo ilegal nas TIs, tem falado que não entra na “balela” de defender TIs, tem cortado verbas voltadas à proteção e promoção desses povos originários, tem falado da incompetência do exército por não ter exterminado os povos indígenas do Brasil, tem enfraquecido o apoio e as atribuições da Funai, e, dentre outras coisas, também já foi denunciado por crime de genoc
ídio contra os povos indígenas e contra a humanidade no Tribunal de Haia. Finalmente, faltando palavras para nomear essa corja de maus elementos homenageada, deixamos aqui o nosso protesto.
* Consultor ambiental e filósofo.
O canarinho caindo
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Para que levar a vida tão a sério, se a vida é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos”. (Bob Marley)
Pegue o bonde e vá até o final da linha. Porque a vida é assim. Estamos aí pra viver. Não adianta ficar reclamando, gritando e se aborrecendo com coisas que passam, com ou sem seus aborrecimentos. Por que pular do bonde? Eu fiz muito isso quando era adolescente. Quando o cobrador se aproximava eu pulava. Quase virei um equilibrista. Vamos nos divertir enquanto temos tempo. Divertir-se não é inutilidade. Faz muito bem à saúde e ao espírito. Mas nada de vulgaridade.
Não sei por que, mas minha cadeira à mesa fica na cabeceira. E fico o tempo todo olhando para o muro lateral, sem saber por quê. Aí fico tomando o café e contando os fios de segurança sobre o muro. Faço isso todos os dias, porque a pandemia me obriga. Será? Até na rua fico contando os paralelepípedos. Mania que me diverte. É gostoso brincar com coisas simples. E se você estiver rindo do meu comportamento, tente experimentar. Você vai se sentir mais útil a você mesmo, ou mesma.
Ontem estávamos no café da manhã, quando comecei a sorrir, para não assustar o pessoal. Mas não dava para conter o sorriso. Mas como todos já me conhecem, ficaram na deles, sem perguntas. Mas, para não os preocupar, expliquei: eu acabara de ver uma pedrinha rolando do muro, e caindo na calçada. Só que depois foi que percebi que a pedrinha era um canarinho amarelinho, descendo para catar migalhas na calçada do quintal. O que já é costumeiro.
Já falei pra você do que aprendi, com os animais, durante os três anos que passei na Ilha Comprida, em Sampa. E o que aprendi lá, vivo aqui, observando o comportamento dos cachorros, galinhas e, sobretudo, dos pássaros. Os pássaros ficam o dia todo caminhando pelo meu quintal, catando farelos para comer. E os canarinhos me chamam muito à atenção. Mas o que mais me atrai é o comportamento dos cachorros com os pássaros. Eles caminham o dia todo, lado a lado, sem arengas.
Observando isso pensei por que é que não somos iguais a eles? Por que os canarinhos caminham lado a lado com os cachorros, mas não conseguem fazer isso com os humanos? A falha está com quem? Talvez os pássaros estejam vivendo sua faze, na caminhada da racionalidade, mais avançados do que os humanos. Eles não voam quando nos aproximamos, porque não gostam de nós, mas porque têm medo de nós. Quem sabe, eles nos consideram irracionais. Vamos pensar sobre isso? O voo daquele canarinho foi muito importante pra mim. Me fez refletir sobre nossas diferenças. Fiquei feliz quando vi que não era uma pedra. Pense nisso.
99121-1460