A percepção é dada ou aprendida?
João Paulo M. de Araujo
Em filosofia, muitos dos clássicos problemas filosóficos permanecem insolúveis. Suas formulações parecem possuir uma estrutura tão sofisticada que seus caminhos inevitavelmente nos conduzem a respostas questionáveis e isso quando não incorremos em aporias. Por outro lado, outros problemas a partir do avanço da investigação empírica ganharam respostas satisfatórias via experimentação. No dia 7 de julho de 1688 o cientista e político irlandês William Molyneux enviou uma breve carta para John Locke na qual podemos adaptar da seguinte forma: Imagine uma pessoa cega de nascença, mas que através do tato consegue distinguir entre uma esfera e um cubo. Agora, vamos supor que esta mesma pessoa através de uma intervenção cirúrgica consegue enxergar, isto é, passa a ter experiências perceptuais visuais de objetos no mundo. Será que ela conseguirá distinguir a mesma esfera e o mesmo cubo usando apenas a visão, isto é, sem recorrer ao sentido do tato? Esta questão ficou conhecida como o problema de Molyneux e até pouco tempo atrás não tínhamos uma resposta peremptória que direcionasse seu caminho para a afirmação ou negação do problema formulado.
Por razões desconhecidas Locke nunca respondeu a carta de Molyneux, contudo se levarmos o empirismo a sério, é muito fácil deduzir que um empirista responderia negativamente a esta questão. Em outras palavras, o empirista precisa sustentar que a pessoa que era cega não poderia distinguir entre a esfera e o cubo relacionando-a apenas com a visão; para existir tal relação seria necessário recorrer à experiência, uma perspectiva que seria descartada numa concepção que se comprometesse com uma explicação associacionista da experiência, o que, por seu turno, se configuraria como uma resposta afirmativa ao problema. O psicólogo canadense Donald Hebb e o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty também responderam negativamente ao problema de Molyneux. No seu clássico livro The Organization of Behavior, Hebb observou que a experiência visual de pessoas recém operadas de catarata congênita é muito pobre. Não é possível para essas pessoas verem objetos como inteiro, isto é, com características distintas e imediatamente evidentes, isso ainda demora um bom tempo. Por mais motivado que esteja o paciente, ele precisa procurar os “cantos” para distinguir formas da percepção visual. Como afirma Hebb (2002, p. 28) “há por semanas uma capacidade praticamente nula para aprender nomes para essas figuras, mesmo quando o reconhecimento tátil é rápido e completo”.
Este é um típico caso de resposta empírica/naturalista para um problema filosófico. Contemporaneamente outros investigadores do cérebro também seguiram esta linha de raciocínio com base em novas descobertas no campo da neurociência. Entretanto, em alguns casos a investigação filosófica também caminha junta com a investigação natural, no sentido que o pensamento filosófico pode estar alinhado com avanços das ciências empíricas. Em sua Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty (2015, p. 300) alinhado com os dados empíricos de sua época também observou que a percepção visual não é algo dado como muitos supunham, chegando a afirmar que “Os fatos mostram sobretudo que a visão não é nada sem um certo uso do olhar”.
Este uso do olhar remete a uma noção de que a percepção precisa de um aprendizado prévio, em outras palavras é preciso “aprender” a “usar” a visão; trata-se de treinar o olhar. Em sua teoria da percepção o filósofo americano John Searle não chega a discutir o problema de Molyneux. Todavia penso ser importante estabelecer essa ponte, pelo fato de que reforçaríamos a tese de que a percepção é aprendida. No caso de Searle, sua discussão caminha de forma semelhante, embora com outros problemas e objetos esboçados no contexto de sua teoria. Na discussão do tópico “visão e background: você precisa aprender como ver”, temos uma rejeição da tese de que “a visão é uma questão da recepção passiva de estímulos e de produção de experiências visuais pelo aparato neurobiológico” (SEARLE, 2015, p. 70).
O psicólogo americano James Gibson a partir de experimentos rejeita a tese de que a visão é uma recepção passiva de estímulos. Se tudo se resumisse a uma questão de recepção passiva de estímulos, duas pessoas com condições neurobiológicas normais, isto é, no que diz respeito ao aparato visual, deveriam perceber a mesma coisa ao serem confrontadas com algum tipo de objeto em seus campos perceptivos; mas sabemos que isso não é o caso. Searle também usa como exemplo episódios de pacientes cegos de nascença ou que perderam a visão ainda na tenra infância e que posteriormente tiveram a visão restaurada através de procedimentos cirúrgicos. O que poderíamos chamar de “visão normal”, não é algo que sempre esteve presente em nossa condição biológica, mas sim, algo que foi construído ou algo que será construído como nos casos citados por Hebb (2002) e Merleau-Ponty (2015). Por outro lado, tal construção só é possível porque possuímos uma pré-disposição natural para isso. As pesquisas mostram que o cérebro constrói o seu caminho ao longo do desenvolvimento através de um mecanismo de seleção privilegiando alguns “padrões” neuronais ao invés de outros. A psicologia da percepção está cheia de exemplos de figuras que dependendo da perspectiva ocorre uma apresentação de uma determinada forma em cada indivíduo. Em sua filosofia da psicologia, o filósofo austríaco Wittgenstein, se referiu a este fenômeno como um “ver-como” (Sehen als/Seeing as), trata-se de notar um aspecto, ou seja, ver que nada mudou e ainda assim, ver diferente. A sugestão de Wittgenstein é que nós interpretamos e vemos como interpretamos.
Em sua teoria da percepção, Searle endossa completamente esta concepção wittgensteiniana, pois, esta explicação não é diferente do que está propondo Searle em sua atual teoria da intencionalidade perceptual. Possuímos todo o suporte fenomenológico daquilo que poderíamos caracterizar como uma “ontologia social”, isto é, a ideia de que a cultura e formação educacional juntamente com os desenvolvimentos de nossas experiências podem afetar nossas capacidades visuais, dado os diferentes backgrounds que as pessoas podem apresentar. Neste ponto Searle toma como exemplo as obras de arte (pinturas, desenhos etc.). Dada uma determinada obra de arte podemos extrair diferentes interpretações a partir de um mesmo estímulo. Esta condição em que o mesmo estímulo pode produzir diferentes resultados na percepção Searle (influenciado por Wittgenstein) chamou de “ver-como” (seeing-as). A questão em torno do ver-como, está relacionada ao fato de que o mesmo estímulo é mantido constante, e ainda assim, ele pode produzir diferentes experiências (SEARLE, 2015, p.74). A intencionalidade da experiência visual é uma condição decisiva para que o “ver-como” (seeing-as) seja possível, e consequentemente mais uma vez corroborar com a tese de que a percepção é intencional. Em seu livro Seeing things as they are, Searle apresenta muitas pinturas para exemplificar esse caráter da intencionalidade da experiência visual e do ver-como. Nesse sentido, o background de capacidades visuais está relacionado com a ideia de que a percepção é aprendida na medida em que a mesma se ajusta ao mundo com suas condições de satisfação.
João Paulo M. de Araujo
Professor de filosofia da UERR
Seja o que você é
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Enquanto a cor da pele for mais importante do que o brilho dos olhos haverá guerra.” (Bob Marley)
Não acredito que você vá conseguir alcançar o que reclama, enquanto ficar gritando pelo que pensa que quer. Tudo o que você realmente quer e deseja está em você mesmo, ou mesma. Valorize-se e você não precisará reclamar. O Nelson Mandela disse: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” E não há como contestar isso. Enquanto não formos um povo realmente civilizado nunca seremos iguais, nem mesmo nas diferenças. O Leandro Karnal também falou isso, bem recentemente: “A epidemia revela de forma quase violenta, a desigualdade. Classes média e alta enfrentam o ódio, classes baixas enfrentam a fome.” Enquanto houver distinção entre cores, níveis sociais, haverá lutas e desigualdades injustificáveis. Enquanto você aceitar, batendo palmas, cotas em universidades, pelo fato de você ser negro, não haverá igualdade. Reflita sobre isso e não se aborreça com os idiotas que julgam você pela cor da sua pele e o formato do seu cabelo. Seja o que você é e não o que os outros acham e querem que você seja. Vamos parar de querer resolver os problemas do mundo com arrufos. A evolução da humanidade sempre foi através das guerras e das revoluções. E, talvez por isso nunca conseguimos evoluir. E a maior evolução nunca foi respeitada como deveria ser. A Educação é o maior e mais eficiente instrumento para a evolução. E por isso continuamos parados, esperando que revoluções garantam nossa evolução. Vamos pisar no breque e caminhar em marcha segura, para o futuro. Mas temos que saber que futuro queremos. E o que queremos devemos construir. E o importante é que cada um de nós faça sua parte como ela deve ser feita. E isso não depende da cor da nossa pele, mas do nosso esforço para realizar. E todos nós temos a força de que necessitamos para vencer. E por isso não devemos ficar perdendo tempo com coisas fúteis que não nos levam a lugar nenhum. Faça tudo que você puder fazer para colaborar com as autoridades, para o desenvolvimento da nossa Educação. Porque sem ela nunca seremos o que devemos ser. E só seremos civilizados, sem a necessidade de defender a cor da nossa pele. Vamos amadurecer para vencer. E todo o poder de que necessitamos está em cada um de nós. Então não precisamos sair gritando pelas ruas, lutando pelo que escondemos em nosso desconhecimento. Napoleão Bonaparte já disse: “Devemos construir mais escolas para não termos que construir mais presídios.” Cuidemos dos nossos filhos, para o futuro deles e dos filhos e netos deles. Pense nisso.
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