A UNIÃO ESTÁVEL E OS SEUS PRINCÍPIOS
*Dolane Patrícia e **Hemille Michele
A família é o lugar onde aqueles que caíram podem se levantar. É o cenário onde o perdão triunfa sobre a mágoa e a reconciliação prevalece sobre a hostilidade. É o que diz a frase de um autor desconhecido e que retrata a realidade de uma instituição que precisa ser valorizada.
Muitas pessoas ao iniciar uma família optam pela união estável em vez do casamento, por isso, a união estável precisa de princípios.
O princípio possui vários significados, dentre os quais, descreve Guilherme de Souza Nucci (2008, p.62): “O conceito de princípio jurídico indica uma ordenação que se irradia e imantam os sistemas de normas (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 85) servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.”
Destarte, o Código Civil, procurando seguir alguns aspectos essenciais do direito da família, incorporou boa parte as mudanças legislativas que haviam ocorrido da legislação anterior e atualizou a regulamentação dos aspectos essenciais, à luz dos princípios constitucionais. As relações jurídicas privados familiares devem sempre se orientar pela proteção da vida e da integridade biopsíquica dos membros da família, consubstanciada no respeito e asseguramento dos seus direitos da personalidade.
Um princípio importante é o do reconhecimento da família como instituição básica da sociedade e como objeto especial da proteção do Estado, de acordo com o artigo 226 da Constituição Federal, no caput e seguintes, onde trata sobre a família ter, como base da sociedade, a proteção do Estado.
Existe ainda o Princípio da Igualdade Jurídica dos cônjuges, destacado artigo 226 §5, CF onde diz que: § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Nesse contexto, a regulamentação acabou com o poder marital da mulher que antes era restrita a tarefas domésticas. No código civil de 1973 o homem era o chefe da família.
Em razão da igualdade estabelecida na CF/88, o código civil estabeleceu somente os direitos do casal, afastando as diferenças existentes, pois atualmente a mulher deve ser colaboradora do homem, e não subordinada.
Ainda é possível destacar o Princípio da igualdade entre filhos, corroborado pelo artigo 227, § 6 da CF diz que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Esse artigo estabeleceu o direito de igualdade dos filhos, afastando a discriminação dos filhos havidos ou não no casamento e abrangendo também os adotivos.
No que tange ao Princípio da dignidade da pessoa humana, segundo Guilherme Calmon (2008, p.70): “É certa que a dignidade da pessoa humana possui duas dimensões no âmbito dos bens jurídicos mais importantes da pessoa humana, como a vida, a integridade psicofísica, a honra, a intimidade a proibição de prisão arbitrária, da deportação. “
A ideia da dignidade da pessoa humana está vinculada integralmente à existência de direitos fundamentais e à conquista de uma série de direitos inerentes à vida.
Hoje, a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, que está presente em vários ordenamentos jurídicos de vários países. No Brasil, é fundamento da República, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal.
Diante de tudo isso, não poderia deixar de mencionar que quando se opta pelo casamento em vez da união estável, alguns direitos ficam mais nítidos e algumas questões se tornam menos inquietantes, no entanto, se a opção for mesmo pela união estável que não haja a inversão de valores e nem a ausência de princípios.
*Advogada, juíza arbitral, especialista em Direito de Família, Processo Civil e pós graduanda em Direito Empresarial, Tributário, Neurociência e Alta Performance.
**Advogada especialista em Direito constitucional
Pautando a sociedade: Valorização da cultura Afro em Roraima
Evandro Pereira
Por muitas décadas, o Brasil considerou como sendo ações culturais, linguagens artísticas como artes cênicas, dança, música, circo, artes visuais, audiovisual e literatura. Foi a partir da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, realizada em 2005 em Paris (França) que ampliou-se o conceito sobre outros segmentos culturais, identificados no cotidiano das cidades. O Brasil começou a fazer parte da Convenção em 2006, quando inicia importante processo de valorização das culturais tradicionais.
A invisibilidade de diversas áreas da cultura está vinculada ao histórico preconceito da sociedade, construída a partir do colonialismo e da espoliação de territórios, como ocorreu com as populações afro-ameríndias e comunidades tradicionais. As imposições da sociedade, dita moderna, não considerou por muito tempo os povos de terreiro e as religiões de matriz africana na agenda das políticas públicas, desvalorizando a diversidade cultural que deve incluir democraticamente todas as culturas existentes no país como dos povos indígenas, quilombolas, ciganos e demais culturas populares.
Roraima em seu Conselho Estadual de Cultura, por exemplo, criado em 1993, não dispõe de uma cadeira específica para as populações afrodescendentes, assim como não tem para os indígenas. Tal fenômeno comprova a distâncias das políticas públicas e das ações verticais dos governos locais. No interior do próprio Conselho há um silêncio sobre esses temas, pois, possivelmente, ainda persiste a ideia de uma cultura branca, de raiz eurocêntrica. Um processo que vem mudando com a ampliação do debate, organização e da formação política de muitas lideranças. Muitas pesquisas estão sendo produzidas sobre a cultura afro em Roraima,
fato que contribui para esse processo.
Lembremos que o nome de batismo do Palácio da Cultura em Roraima, espaço que sedia a Secretaria de Cultura e a Biblioteca Pública é uma famigerada homenagem à escritora paranaense Nenê Macaggi, autora da obra considerada por muitos como a precursora da literatura roraimense: A mulher do Garimpo (2012). Entretanto, é nessa polêmica obra, com vestes de romance, que a autora chama os indígenas de: sujos, feios, baixos, grossos, preguiçosos, fedorentos, que trocam facilmente suas famílias por espingardas ou por um saco de sal, vende crianças, não tem responsabilidade, não tem noção de dignidade, de honra, de amor fraternal, filial ou paternal (págs. 147-160).
O racismo e as agressões não param por aí. Nesse livro de Macaggi, ao relatar as experiências do personagem principal pelo Rio de Janeiro, a autora revela os estereótipos presentes na sociedade brasileira em relação aos povos afrodescendentes. Durante a infeliz descrição de um culto afro, ela que chama a todos praticantes de feiticeiros e macumbeiros, associa exu ao diabo e a satã (págs. 40-42), dizendo que a invocação a ogum é “um segredo terrível”, chama a dança dos praticantes de “macabra” e ainda apelida o batuque sagrado de toada “lúgubre, lamentosa e bárbara”. Em resumo, uma obra que merece ser repudiada por uma sociedade que pretende posicionar-se minimamente como plural, séria e civilizada. Macaggi, não à toa, foi chamada de Borba Gato de saias, pelo historiador Bessa Freire (UERJ). Diz ele em seu artigo: “O bandeirante Borba Gato usou a espingarda para matar índios. Nenê Macaggi, a palavra”. Infelizmente Nenê Macaggi é sinônimo de cultura no Estado de Roraima, fato que explica muito sobre políticas públicas culturais. É preciso reagir e mudar esse cenário.
A cultura afro tem conquistado espaço. Diversas organizações têm ampliado suas vozes na promoção da igualdade racial, unindo forças com outros segmentos também afetados pela cultura opressora e têm resistido ao momento presente de ameaças aos seus direitos. Essa é uma causa de todos e todas. O Brasil tem sua beleza e riqueza cultural na diversidade, somente pela união e enfrentamento é possível alcançar nossos objetivos e construir uma sociedade melhor.
Sociólogo, ex-coordenador da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Indígenas e membro do Comitê Pró-Cultura Roraima.
Impressionáveis
Afonso Rodrigues de Oliveira
“É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer”. (Aristóteles)
Há pessoas que se impressionam com tudo e por nada. É, de certa forma, uma carga emocional que carregamos desde os tempos dos cueiros. Há pais que adoram meter medos nos filhos. Todos os adultos com mais de cinquenta anos de idade viveram o drama do “bicho papão”. Mas, continuamos vivendo e agindo exatamente como nossos pais. Mesmo quando pensamos ser modernos e atualizados cometemos os mesmos erros, apenas com nuances de modernidade.
Quem não treme com medo dos castigos de Deus sempre que comete algum deslize? Do mesmo modo que acreditamos nos milagres dos outros. Lembrei-me disso agora, lembrando-me de um episódio simples que me acontecera, na saída do metrô da Sé, em São Paulo. Subi as escadas, como sempre, quase correndo. É um hábito meu, caminhar acelerado pelas ruas. Quando entrei na praça, uma senhora aproximou-se de mim. Segurava a mão de uma garotinha de mais ou menos uns sete anos de idade. Muito sem jeito, ela perguntou:
– Será que o senhor poderia me arrumar cinquenta centavos pra eu completar minha passagem?
Já estamos tão acostumados a tais abordagens nas imediações do metrô que mesmo lhe dando a devida atenção, respondi que não tinha trocado. Afastei-me e logo alguma coisa mexeu no meu consciente. Aquela mulher não tinha cara nem jeito de pedinte. Meti a mão no bolso e encontrei umas moedas que somadas davam mais de cinquenta centavos. Dei meia-volta e voltei. A senhora continuava encostada na parede, segurando a mão da garotinha. Fui até ela e me desculpei:
– Puxa, me desculpe, nem me lembrava que tinha umas moedas no bolso.
Passei as moedas pra ela. Ela agradeceu e desceu as escadas, com a garota. Parei e fiquei olhando, curioso. Ela foi à bilheteria e comprou a passagem. Balancei a cabeça e saí pensando em como muitas vezes deixamos de fazer um gesto nobre na simplicidade de doar, por preconceitos já estabelecidos. Saí e entrei pela rua 11 de agosto. Era fim de tarde e o pessoal saía, do Fórum João Mendes e do Palácio da Justiça. Era gente pra dedéu. No meio da multidão acelerada, avistei uma cédula de um real esparramada no meio do asfalto e todo mundo passando por ela, sem pisá-la nem a ver. Nem mesmo eu tinha como perguntar se ela era de alguém. Apanhei-a, e a garota que quase pisara nela sorriu pra mim. Ainda bem que era em São Paulo, onde você pode andar pela rua rindo à toa sem que ninguém repare em você.
Saí rindo, não pela felicidade de achar um real, mas pensando em quanta gente não teria se deixado influenciar pelo milagre ocorrido. Pense nisso.
99121-1460