Hospital da Criança Santo Antônio:
a humilhação nossa de cada dia e a lorota publicitária
Éder Santos
Vou reportar a cena a você, amigo leitor, que talvez ainda não conheça o drama diário de milhares de pais, mães e crianças que precisam desse que deveria ser um serviço da “capital da primeira infância”. A imagem de Boa Vista vendida para o mundo pelas elites políticas é de uma capital que tem “poder transformador do cuidado nos primeiros anos de vida”. A falácia da capital da primeira infância, Boa Vista, só não é mais constrangedora que aquela do orgulho de fazer a “maior paçoca do mundo”, como se a Prefeitura de Boa Vista garantisse, durante as festas juninas, a qualidade de vida ou que outros municípios tivessem interesse em quebrar o record mundial de BV City.
Vamos à indignante descrição: imagine que seu filho de quatro anos está com febre de 38,5 graus, vomitando e com dores de garganta. A desumanização começa quando você precisa estacionar o seu veículo próximo à porta da unidade de emergência, com o paciente e, logo o segurança te enquadra, sem ao menos perceber que tem uma criança desfalecendo ali. Você chega no local próximo de meio dia e torna-se mais um número. Senta-se nos desconfortáveis conjuntos de cadeiras azuis de plástico – caso estejam ocupadas, vai para o chão.
Depois enfrenta oito horas, entre atendimento inicial, exames e finalmente um diagnóstico. Diagnóstico dado com um ar de insegurança, pois a profissional de medicina “achava”, pois não “tinha certeza”. Você fica inseguro (a). Vai até ao setor de farmácia do Hospital – não tem Azitromicina. Sim, não tem antibiótico no hospital. Esqueceram de dizer esse detalhe no Fórum Nacional da Primeira Infância, realizado no pomposo Teatro Municipal em 2019, com a presença do ministro da Cidadania, Osmar Terra, aquele que defendeu a imunidade de rebanho durante a pandemia e foi acusado de pertencer ao “gabinete paralelo” do Governo Federal.
Vale ressaltar, que em 2022, houve aumento de 24,5% no orçamento municipal de Boa Vista em relação ao que foi executado no ano anterior. Total geral: R$ 1,7 bilhão para todas as áreas. Dinheiro para saúde tem – é um dos maiores percentuais do orçamento total, que fica com R$ 260 milhões. Só perde para a área da Educação, onde foram destinados R$ 290 milhões. R$ 206 milhões e falta antibiótico na farmácia.
Ao sair pela noite, desnorteado com seu filho ainda desfalecendo, você é obrigado a ir na primeira farmácia disponível que encontrar para comprar os remédios que faltam. Paga caro pela falta de remédios no serviço público. Resolve, então, procurar um médico conhecido da sua família, que prontamente atende na residência dele. Ele analisa seu filho, vê os exames e desconstrói o que os desatentos médicos do Hospital Municipal “achavam’’ que era a medicação correta. Revolta? Sim. Adianta? Não. A resposta cidadã deve ser dada nas urnas.
Essa é a vida concreta, longe da mídia criativa da PMBV. Essa dor é sentida na pele por gente da capital e do interior, incluindo crianças venezuelanas que tem direito a um atendimento de qualidade. Mas problema não é recente. Não é a migração venezuelana o centro do problema, muito menos os atendimentos aos indígenas e população de outros municípios. É de gestão mesmo. É de cuidado. Esses desafios sociais ampliaram o problema conhecido do morador de Boa Vista. Saúde não é prioridade. Prioridade para o município é esconder CPI do lixo ou regar as plantinhas do centro da cidade.
Drama que nunca mudou, apenas a publicidade do município que melhorou. O mesmo grupo político que está na gestão municipal, pergunta em ano eleitoral aos moradores dos municípios do estado de Roraima: “se Boa Vista pode ter qualidade nos serviços públicos, por que os outros municípios não merecem também?”
O povo pode responder ao [dublê de] prefeito e aos nobres vereadores: “os senhores têm coragem de levar seus filhos ou filhas para serem atendidos no Hospital Santo Antônio?” Tomara que suas crianças não adoeçam. Mas escolham um dia deixar o atendimento particular [pago via planos de saúde] e tenham essa experiência junto à população que lota aquele lugar em busca de ajuda. Levem-nos em um final de semana chuvoso. Sintam a dor do povo que vocês tanto desprezam, mas que em ano eleitoral, vivem ávidos por apoio e votos. A saúde municipal segue na UTI. Sem “Deus no Comando”, sem prefeitura, sem parlamento.
Jornalista, sociólogo, geógrafo. Pai e morador de Boa Vista.
Lavrado: uma palavra icônica no norte da Amazônia
Sebastião Pereira do Nascimento*
De acordo com o geógrafo Carl Troll, uma paisagem cultural pode ser vista a partir de um sistema funcional, sendo este o resultado de ações humanas (geofatores) que levam a ressignificar ou reconfigurar uma paisagem. Sendo que os fatores que constroem uma paisagem cultural se imbricam a partir de processos relacionais que refletem em transfor
mações temporais e conservam testemunhos de tempos passados, baseado numa dependência recíproca, configurando o que o geógrafo Aziz Ab’Saber chama de uma relação que envolve elementos naturais e culturais, onde o povo residente atribui significados materializados na paisagem ou até mesmo instigam a remodelação dela.
Portanto, se tratando da paisagem do lavrado de Roraima, é indiscutível o quanto esse ecossistema se afirma nestes processos relacionais homem-natureza, mas que, no entanto, é tão pouco compreendido pela própria população urbana roraimense ou até mesmo por parte da comunidade científica local. Contudo, para conhecer melhor essa paisagem é preciso ter em mente uma visão holística do estado de Roraima, o qual se estende entre o Domínio Amazônico e Escudo da Guiana.
Da sua porção central para o sul, a referência regional é o domínio morfoclimático da Amazônia, onde Roraima se encaixa parcialmente. Da sua porção central para norte os ecossistemas roraimenses fazem parte de uma grande área que se estende do rio Orinoco até a região leste da Colômbia (sobrepondo-se em parte ao domínio amazônico), passando pelo norte do Pará e Amapá, Guianas e Suriname — o Escudo da Guiana propriamente dito. Na porção central do estado, o relevo roraimense é suave, com cotas entre 80-200 metros de altitude — com presença de colinas (tesos) originadas pela dissecação da drenagem em torno dos sistemas lacustres interconectados por buritizais —, e regiões serranas mais ao norte, cerca de 900 – 1200 metros de altitude. Na porção extremo norte, Roraima apresenta unidades geomorfológicas mais definida pertencentes ao Escudo da Guiana. Uma região de rochas antigas cerca de 1,9 a 2 bilhões de anos, constituída por extensas serras e relevos tabulares (tepuis) — dispostos sobre terrenos sedimentares e cristalinos — de 1500-2500 metros de altura.
A hidrografia é predominantemente autóctone, influenciada ao norte e noroeste pelas serras Parima e Pacaraima, divisoras de águas que drenam em direção ao rio Orinoco (nascente na Serra Parima) por um lado, e para os rios Branco e Negro pelo outro. Por exemplo, os rios Caroní (formado pelos rios Kukenán e Yuruaní) e Caura nascem nos tepuis e drenam para o Orinoco; os rios Maú, Cotingo, Panari e Uailan nascem nas serras do Parque Nacional Monte Roraima e fluem para os rios Tacutu e Branco.
Na porção noroeste de Roraima, nas proximidades das Serras Parima e Imeniaris, nascem os rios Parima e Auari, os quais formam o rio Uraricoera na Serra Uafaranda. O Uraricoera flui para leste e se encontra com o rio Tacutu, que nasce na região da Serra Wamuriaktawa na Guiana e corre de sul para norte numa fossa tectônica (graben). Ambos os rios vão formar o rio Branco, que toma direção sul até se encontrar com o rio Negro na sua margem esquerda. E assim são os demais rios de Roraima, que desde as suas cabeceiras ao norte e noroeste da região, são afluentes do rio Branco ou de seus tributários.
A vegetação de Roraima é constituída por áreas fechadas e abertas. As áreas fechadas são constituídas por florestas com várias fisionomias. Ao sul são matas em continuações à vegetação hileiana, alta e úmida. A sudoeste ocorrem áreas parcialmente abertas e alagáveis durante as chuvas. As demais áreas a oeste e noroeste são florestas de terra firme; mais ao norte as matas ocorrem em áreas de altitude. Ao leste para o nordeste, com cerca de 37.000 km², situam as áreas abertas, as quais formam um conjunto vegetacional único ao norte da Amazônia, permeado por arbustos esparsos, arvoretas, ciperáceas (predominantes) e gramíneas, lagos e buritizais. Parte desta formação aberta se estende também à Guiana até o rio Rupununi, e parte às regiões de altitude ao sul da Venezuela que fazem fronteira política com o Brasil, onde compõe os ecossistemas da gran-sabana com tepuis.
Nesse cenário desuniforme, registra-se uma riqueza de mais de 1.300 espécies de animais vertebrados nos ecossistemas roraimenses. Considerando que ocorrem na Amazônia Brasileira cerca de 2.120 espécies de vertebrados terrestres, então cerca de 60% dos vertebrados amazônicos vivem em Roraima, distribuídos heterogeneamente nas áreas abertas, na mata e áreas de altitude (algumas espécies podendo ser endêmicas).
Portanto, é nessa porção entre o sistema amazônico e o escudo da Guiana que encontra-se o LAVRADO de Roraima. Uma região de áreas abertas situada majoritariamente em Roraima é uma das maiores deste tipo na Amazônia, as quais recebem diferentes nomes, por exemplo, campos do Ariramba no rio Trombetas, campos de Santarém no rio Tapajós confluência com o rio Amazonas, campos de Humaitá-Puciari entre os rios Purus e Madeira no Amazonas e parte em Rondônia.
No caso do lavrado, a literatura corrente cita diversos nomes para estas áreas abertas, por exemplo, campos do rio Branco, savana, cerrado ou bioma. Do ponto de vista semântico talvez seja indiferente o emprego destes vocábulos para se referirem às áreas abertas roraimenses, mas dos pontos de vista geográfico, ecológico e cultural cabem aqui algumas considerações: i) campo, limpo ou sujo, é termo genérico para designar apenas qualitativamente muitas áreas abertas brasileiras, por exemplo, campos sulinos, campos gerais ou campos de altitude, mas não dá o contexto ecológico, ii) com relação ao cerrado, o mais próximo está a uma distância de pelo menos 1.900 km de Roraima, o domínio do cerrado – as semelhanças do lavrado com o cerrado são apenas fisionômicas, iii) bioma, é um termo proposto para expressar vegetação clímax do ponto de vista ecológico-botânico, equivocadamente ao nosso ver utilizado para denominar áreas geográficas, iv) savana é outro termo inapropriado para situar contextos regionais em suas unidades maiores onde se inserem, porque se refere indistintamente a quaisquer áreas abertas; historicamente este termo talvez seja mais apropriado como referência a ecossistemas africanos de áreas abertas.
Como s
e referir então às áreas abertas de Roraima? Há dois aspectos relevantes neste contexto. Primeiro, há que se observar como os habitantes da região se referem a estas áreas. Os índios e demais moradores não indígenas reconhecem os ambientes próprios das áreas abertas roraimenses e utilizam o termo lavrado para se referirem ao espaço geográfico onde vivem. Sendo, portanto, inconveniente atribuir outros nomes a estas áreas se os próprios moradores não o fazem, isto porque a identidade cultural gerada por esta convivência é indissociável da paisagem. O outro aspecto a considerar, é que as áreas abertas de Roraima têm atributos paisagísticos estruturais próprios, os quais geram identidades ecológica e geográfica diferenciadas dentro da grande região morfoclimática amazônica onde estas áreas se inserem. Por estas razões e ainda por considerarmos que nomes regionais designam melhor as paisagens representativas de uma região, adotamos o termo LAVRADO para nos referirmos a este enclave de áreas abertas roraimenses ao norte do domínio morfoclimático da Hileia (Informações baseadas In: Carvalho, C. M. & Nascimento, S. P. 2021. Vertebrados Terrestres de Roraima. Edição: Biologia Geral e Experimental, 156p. www.biologiageralexperimental.bio.br).
*Zoólogo e Consultor Ambiental.
Cheios de maus hábitos
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Primeiro fazemos nossos hábitos e depois nossos hábitos nos fazem”. (John Dryden)
Como seres humanos ficamos a vida inteira amadurecendo hábitos, sem distingui-los de manias. Garanto que você já ouviu alguém da família dizer que você é cheio de manias, quando o que você faz mesmo é alimentar os hábitos que você criou. É uma confusão infernal, porque você não tá nem aí para os comentários a respeito dos seus hábitos. E é assim que eles, os hábitos, vão criando você sem você perceber. E acaba se tornando um cara cheio de hábitos, mas nada habilidoso.
Não se apoquente, porque somos todos assim. Afinal, somos todos iguais. Não sei se ficaria bem eu aconselhar você a criar bons hábitos. Fica por sua conta. Mas, pelo que me parece, o importante é que você verifique se tem algum ou alguns hábitos. E se eles são bons ou maus. Nada de preocupações. Tudo que acontece nas nossas vidas faz parte da vida. Então vamos viver a vida, que é o que nos interessa realmente.
Já estamos na segunda metade do ano. E não devemos ficar perdendo tempo com os maus momentos vividos nos momentos anteriores. O importante é que saibamos viver, daqui para frente, com o que aprendemos com os trancos passados. Viva cada momento do seu dia, hoje, como um aprendizado para o amanhã. Não se esquecendo de que a felicidade está dentro de você. É só você a descobrir e usá-la como um instrumento de vida. Simples pra dedéu.
Não crie nem alimente os maus hábitos que, com certeza, estão armazenados na sua mente. Porque tal armazenamento não inferioriza você. Afinal, são hábitos. E eles fazem parte da vida. O importante é que você seja suficientemente maduro na racionalidade, a ponto de identificar seus hábitos e vivê-los, ou não, de acordo com a importância deles. Porque eles tanto podem ser do bem quanto do mal. Não fosse assim e não teríamos tantos desonestos entre nós. Já pensou nisso? Então pense.
Mas não fique coçando o queixo pensando nisso. Apenas reflita e verifique se alguns dos seus hábitos são bons ou maus. Mas nada de preocupações. Apenas procure viver com racionalidade, o que é difícil para quem não se sente no seu verdadeiro mundo. Procure viver o dia com amor, sinceridade, alegria e dedicação ao próximo. Elementos que nos indicam as veredas da racionalidade. E são veredas que, com certeza, nos levarão ao nosso mundo de origem. E como lá não existe unidade de tempo, não importa, nem interessa, o tempo que você ainda ficará por aqui, sobre esta Terra. Tudo vai depender única e exclusivamente de você. O poder está com você e na sua mente. Cuide-se e vá em frente. Pense nisso.
99121-1460