John Searle e o cérebro numa cuba
João Paulo M. Araujo
Professor de filosofia da UERR
O experimento mental do cérebro numa cuba pode ser entendido como um update contemporâneo do problema do gênio maligno cartesiano, que por seu turno, está relacionado ao problema do mundo externo. Contudo, o intuito do experimento levantado pelo filósofo norte americano John Searle não foi trazer à tona questões céticas acerca do mundo externo, nem tampouco que isso implicasse em alguma forma de cartesianismo. Primeiro, porque (em tese) Searle defende um realismo direto (a ideia segundo a qual percebemos as coisas diretamente como elas são), e segundo, porque o experimento é útil na reflexão de questões presentes em seu livro (Seeing Things As They Are – 2015) como, por exemplo, a relação do conteúdo intencional com casos de percepção verídica, ilusória e alucinatória.
Dito isso, um esboço básico do experimento de pensamento é supor a seguinte fantasia: enquanto eu estou totalmente consciente de que estou vivendo no ano de 2022 na cidade de Boa Vista, a fenomenologia de minha experiência é consistente com a possibilidade de que eu posso, por exemplo, ser um cérebro dentro de uma cuba de nutrientes mantido ‘vivo’ num laboratório em qualquer parte do mundo no longínquo ano de 2222. Fantasias à parte, de acordo com Searle, nós somos de fato cérebros numa cuba, uma vez que o cérebro se encontra no interior de nossa caixa craniana. Assim, a diferença entre a vida real e a fantasia do cérebro numa cuba é que, segundo Searle (2015, p. 156) “minha ‘cuba’ da vida real está conectada ao resto do meu corpo e os estímulos que chegam até o meu cérebro provém de características do mundo real estimulando minhas terminações nervosas periféricas através da percepção e outras partes do meu sistema nervoso”.
O ponto fundamental nessa visão repousa sobre a suposição presumivelmente verdadeira de que processos cerebrais são suficientes para produzir fenomenologia e que o crânio como podemos notar é uma espécie de cuba. Este é um sentido diferente do experimento proposto por Putnam, a cuba segundo a qual o nosso cérebro está situado é a nossa caixa craniana e não um invólucro artificial. Outro ponto importante repousa sobre o livre-arbítrio que, de acordo com Searle, na vida real é ao menos uma possibilidade enquanto que para o cérebro trancafiado numa cuba artificial de nutrientes, todas as experiências incluindo as que estão ligadas ao livre-arbítrio são elas mesmas determinadas. Todavia, o experimento lida com a noção de que minhas experiências qualitativas e subjetivas, isto é, minha fenomenologia poderia ser exatamente a mesma do mundo real, embora eu estivesse radicalmente desconectado do mundo. Neste ponto podemos admitir que para Searle o conteúdo intencional da experiência do cérebro numa cuba poderia ser o mesmo conteúdo intencional na experiência do mundo real.
Em sua descrição do experimento Searle elenca algumas considerações a serem percebidas sobre o caso do cérebro numa cuba. A primeira consideração é que o experimento é estritamente em primeira pessoa. A fantasia não é que ele, ela ou você é um cérebro numa cuba. Podemos mutuamente verificar (até que se prove o contrário) que as pessoas aqui não estão em uma cuba artificial de nutrientes, pelo menos aos moldes de como o experimento é descrito originalmente. O mesmo não pode ser sustentado para casos de primeira pessoa. Numa passagem sobre esse ponto temos o seguinte:
A questão é que minha experiência de aparentemente ver que outras pessoas não são cérebros em cubas, e todas as minhas outras experiências, são consistentes com a possibilidade de que eu ainda posso ser um cérebro em uma cuba. O pensamento não é que alguém em algum lugar pode ser um cérebro numa cuba, mas que eu, aqui e agora, com essas experiências, poderia ainda ser um cérebro numa cuba. (SEARLE, 2015, p. 156).
Na segunda consideração de Searle, o experimento só faz sentido apenas sobre a suposição de que a fenomenologia é exatamente a mesma nos dois casos. Como seria minha vida se eu fosse um cérebro numa cuba? No que diz respeito às minhas experiências conscientes seriam exatamente as mesmas como são agora. Em outras palavras, elas seriam dotadas de conteúdos intencionais que, por seu turno, estão conectadas ao campo visual subjetivo, dotadas de características ontológicas e epistemicamente subjetivas. Porém, com uma pequena e decisiva diferença, estas experiências conscientes não possuem condições de satisfação em estados de coisas do mundo real.
Na terceira consideração, o experimento de pensamento não é necessariamente epistemológico. Possuir o caráter epistemológico é permitir discussões céticas que tragam questionamentos do tipo: Como eu sei que eu não sou um cérebro numa cuba? Este não parece um viés interessante para Searle; ele está mais interessado no modo como podemos separar o caráter ontologicamente subjetivo da experiência das características ontologicamente objetivas do mundo real que a experiência nos dá acesso mostrando como a percepção consciente fixa suas condições de satisfação.
Por fim a quarta e última consideração elencada por Searle diz que não há nada de cartesiano no experimento. Ora, esta é a parte mais duvidosa de acreditar, uma vez que a base de seu experimento é a tese do elemento comum entre a fenomenologia da experiência visual de um caso verídico de percepção e de um caso alucinatório, isso por si só já seria um traço de cartesianismo. Todavia, segundo Searle, o experimento não implica que o mental e o físico estão em dois diferentes reinos ontológicos. Searle apenas afirma que é perfeitamente possível para nós termos experiências conscientes, qualitativas, ontologicamente subjetivas e biologicamente dadas, que por sua vez, são fenômenos “físicos” como qualquer outro fenômeno biológico sem, no entanto, a experiência estar conectada ao mundo real. Assim, segundo Searle, a postulação de um cérebro numa cuba não implicaria em cartesianismo de nenhuma forma.
No que diz respeito ao estatuto das crenças, se eu fosse um cérebro numa cuba grande parte de minhas crenças seriam falsas, isto é, quase todas as minhas crenças perceptuais seriam falsas. Em uma versão extrema da teoria causal externalista do significado – ou seja, a visão que diz que o conteúdo intencional de minhas crenças e o significado de minhas palavras são inteiramente fixados por suas causas –, se eu fosse um cérebro numa cuba eu teria que acreditar que eu era um cérebro numa cuba. Isso ocorre porque o fato de que eu sou um cérebro numa cuba está causando o que quer que eu pense e fale. Segundo Searle, essa visão foi desenvolvida por Davidson e Putnam, e segue de suas versões de externalismo
que o conteúdo de minhas crenças é fixado por suas causas. De acordo com Searle, na visão de Davidson, é necessariamente o caso que a maioria de minhas crenças sejam verdadeiras. Isto se deve ao caráter externalista histórico do sujeito que está diretamente ligado à sua biografia. Se eu sou um cérebro numa cuba, eu devo acreditar que eu sou um cérebro numa cuba e esta crença também é verdadeira. Na perspectiva de Searle isso implica dizer que:
Sobre esta visão, quando eu digo para mim mesmo neste exato momento, “eu acredito que vivo em Berkeley, Califórnia, no século vinte e um”, o que eu realmente quero dizer e o que eu realmente significo é, “eu acredito que eu sou um cérebro numa cuba no século vinte e cinco”. Este resultado, eu penso, é uma reductio ad absurdum de suas versões de externalismo. (SEARLE, 2015, p 158).
No que concerne ao conteúdo perceptual intencional e sua relação com o experimento do cérebro numa cuba temos o seguinte: Se em grande parte a fenomenologia se relaciona com o conteúdo intencional, e se a fenomenologia é a mesma nos dois casos, então parece que Searle está comprometido com a visão de que o conteúdo intencional é também o mesmo no cérebro numa cuba. A minha questão é como isso não implica numa forma de cartesianismo. O que é que distingue o conteúdo intencional do experimento de pensamento do conteúdo intencional do caso verídico? A resposta de Searle é direta: Causação intencional. Numa longa passagem de seu texto ele nos dá o seguinte exemplo:
Suponha que no caso do cérebro numa cuba a minha experiência de vermelho é sistematicamente causada por estímulos elétricos de vermelho e minha experiência de linha reta é causada por estímulos elétricos de linha reta. Por que eu não estou percebendo o estímulo elétrico de vermelho e o estímulo elétrico de linha reta? Para responder a esta questão, temos que deixar claro que a noção de causalidade que uso na explicação do conteúdo intencional perceptual é causalidade intencional total. No caso verídico, o objeto de percepção não é apenas alguma velha causa, mas o objeto que é apresentado para mim na experiência perceptual. Mas no caso do cérebro numa cuba, a causação não é causação intencional. A causação é somente causação neurobiológica, que é essencial para qualquer experiência perceptiva, mas não é ela própria o objeto da experiência. (SEARLE, 2015, p. 159).
Segundo Searle, quando se trata de causação intencional, a experiência perceptual precisa ser experimentada como sendo causada por seus objetos e o conteúdo intencional ocorre como parte de uma rede (network) de conteúdos intencionais. Desta forma, quando eu vejo vermelho, eu vejo como uma cor distinta de todas as outras cores de que tenho conhecimento. Além do mais, eu vejo tudo isso como parte de uma realidade que existe inteiramente independente da percepção que tenho delas. Quando pensamos no cenário do experimento de pensamento do cérebro numa cuba, a fenomenologia é a mesma, como admite Searle, mas não há objetos que satisfaçam o conteúdo intencional fixado por aquela mesma fenomenologia. Na fantasia do cérebro numa cuba parece que estamos de fato experimentando objetos que causam nossa experiência perceptual. Entretanto, não há objetos, o todo dos acontecimentos é o equivalente a uma alucinação, existe conteúdo intencional, mas não existe objeto intencional.
Cuidado com seu inimigo
Afonso Rodrigues de Oliveira
“É tempo de estudar a reflexão em meu espelho até que eu reconheça que o inimigo mais daninho que tenho… sou eu”. (Og Mandino)
E a dificuldade está em aceitarmos que somos nossos inimigos. E embora o Og Mandino não tenha se estendido, sugiro que use sempre o seu espelho interior. Porque é nele que você vai realmente se ver no que você é. Numa reflexão preciosa descobrimos sempre que os maus, tanto quanto os bons acontecimentos, são reflexos dos nossos pensamentos e atitudes. De nada adiante ficar botando a culpa nos outros. Embora saibamos que os erros fazem parte do aprendizado, também sabemos que nem sempre sabemos aprender com os erros. Até mesmo nas escolas não refletimos quando tiramos notas baixas sobre um assunto, e só aí aprendemos o certo.
Tudo é muito simples desde que não compliquemos. E é nas complicações que erramos. E erramos porque ainda não aprendemos que não devemos complicar. Por que discutir um assunto quando podemos apenas refletir sobre ele, e respeitar o opositor? A coisa é tão simples que não lhe damos atenção. O que já é um erro que nos coloca como nossos inimigos. Seja mais comedido nas suas atitudes e ações.
Você pode estar com a razão, e isso lhe dá o direito e dever de ficar na sua. Porque é como você vai ser visto, se se posicionar em você.
Você já conhece o episódio do Cabo Sivirino? Conta a história que o navio navegava em alto mar, em noite alta e escura. De repente apareceu, lá na frente e distante, uma luzinha fraca. O timoneiro avisou ao comandante do navio, que mandou uma mensagem em direção à luz distante:
– Você está na minha rota. Afaste-se.
Logo veio a resposta:
– Desvie quarenta e cinco graus a noroeste.
O comandante enviou nova mensagem, mas irritada:
– Você está na minha rota. Afaste-se!
Já na terceira mensagem o comandante, bem irritado, gritou:
– Aqui quem fala é o comandante! Se você não se afastar, eu mando abrir fogo!
Logo veio a resposta calma:
– Aqui quem fala é o cabo Sivirino. Se você não se desviar quarenta e cinco graus a noroeste, vai colidir com o farol!
A razão sempre está com você. A escolha, também. Não importa se você é o cabo o
u o comandante. O importante é que os dois estão em você mesmo, ou mesma. Seu resultado vai depender do recado ou ordem que você mandar para você, e como você o obedecer. Estamos iniciando mais uma semana de um mês que está chegando ao final. O que passou, passou. O que interessa é o que irá acontecer, e como encararmos os acontecimentos futuros. E o importante é que estejamos preparados para os problemas e trancos. Eles fazem parte das nossas vidas. Pense nisso.
99121-1460